• Nenhum resultado encontrado

1.2 POLÍTICAS EDUCACIONAIS

1.2.1 Lei n 10.639/03

Foram necessários anos de luta para a efetivação da Lei n. 10.639/03, que finalmente instituiu a obrigatoriedade do ensino da história e cultura afro-brasileira. O aumento do número de pesquisadores/as negros/as inseridos em programas de pós graduação no final dos anos 90, possibilitado pela criação dos NEABs (Núcleos de Estudos Afro-Brasileiros) têm desempenhado importância fundamental na implementação dessa lei (SISS, 2014, p. 183):

Os NEABs, enquanto atores sócio-históricos, vão demandar fortemente e de dentro das universidades o cumprimento dessa legislação junto às diferentes instâncias acadêmicas, buscando adequar os currículos dos cursos de licenciaturas e de bacharelado à referida lei e intervindo, de forma direta, nos processos de formação de professores nos seus aspectos inicial e continuado, bem como nas modalidades presencial e a distância (SISS, 2014, p. 184).

Os NEABs vêm atuam nos processos de formação inicial e continuada de professores, realizando oficinas, cursos de extensão, especialização nas modalidades presencial e a distância, voltados preferencialmente para professores, com o objetivo de qualificá-los em uma perspectiva democratizante (SISS, 2014, p. 184).

Gomes (2011, p. 113-114) resume as principais ações que marcaram a trajetória de lutas e reivindicações que culminaram com a criação da Lei n. 10.639/03: A Marcha Zumbi dos Palmares, e a 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância:

- Marcha Zumbi dos Palmares realizada em Brasília, em 1995, durante as comemorações do tricentenário da morte de Zumbi dos Palmares, foi importante para pressionar o governo do então presidente Fernando Henrique Cardoso pela implementação de políticas públicas de combate ao racismo. Como resposta a essa ação foi criado o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra em 27 de fevereiro de 1996. Também foi introduzido nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), em 1995 e 1996, o tema transversal Pluralidade Cultural. Neste, as questões da diversidade foram estabelecidas em uma perspectiva universalista de educação e de política educacional. Porém, a questão racial diluía-se no discurso da pluralidade cultural. Além disso, os PCNs têm invocação conteudista, o que pressupõe a crença de que a inserção de “temas sociais”, transversalizando o currículo, seria suficiente para introduzir pedagogicamente questões que dizem respeito a posicionamentos políticos, ideologias, preconceitos, discriminação, racismo e tocam diretamente na subjetividade e no imaginário social e pedagógico.

- A realização da 3ª Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Correlatas de Intolerância, promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), de 31 de agosto a 8 de setembro de 2001, em Durban, na África do Sul. Precedida, no Brasil, pelas pré-conferências estaduais e pela Conferência Nacional contra o Racismo e a Intolerância, em julho de 2001, na UERJ, esse evento marca a construção de um consenso entre as entidades do Movimento Negro sobre a necessidade de implementação de ações afirmativas no Brasil.

Diante desses acontecimentos, entra em vigor em 09 de janeiro de 2003, a Lei n. 10.639/03, assinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que determina a obrigatoriedade da inserção da temática "História e Cultura Afro-Brasileira" em todas as escolas brasileiras, públicas e particulares. Dessa forma, se alterou a Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Aqui cabe destacar a criação, em 21 de março de 2003, da Secretaria Especial de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR), transformada em Ministério em fevereiro de 2008. A principal função da Secretaria era a formulação, coordenação e articulação de políticas e diretrizes para a promoção da igualdade racial (LIMA, 2010, p. 83).

Apesar de a sociedade brasileira ser integrada por vários grupos étnicos, o predomínio no foco eurocêntrico de ensino só começou a ser efetivamente revisto depois da promulgação da Lei n. 10.639/03, que foi resultado da ação política de movimentos sociais organizados, destacando-se nesse cenário as lutas do Movimento

Negro (PEREIRA, 2011, p. 149). Mesmo na atualidade muitos livros didáticos em vários países ocidentais continuam a ser eurocêntricos, reproduzindo estereótipos sobre as minorias e sobre outros povos não europeus (VAN DIJK, 2010, p. 149). No Brasil, a Lei n. 10.639/03 possibilitou um olhar mais crítico para as construções discursivas das práticas escolares.

Para Jorge (2014, p.85) a Lei n. 10.639/03 “pode ser considerada uma política de ação afirmativa voltada para a valorização da identidade, da memória e da cultura negra”. Essa legislação veio para romper com o paradigma eurocêntrico da história. Ela provoca uma fratura na concepção hegemônica da história, que até então era predominantemente eurocêntrica.

Em março de 2008, a LDB foi novamente alterada pela Lei n. 11.645/08, que incluiu a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira, africana e indígena no currículo escolar. Com o caráter obrigatório da Lei, almejou-se o rompimento das noções de verdade que foram ensinadas ao longo do tempo nas escolas brasileiras, principalmente relativas ao sujeito negro e ao processo de colonização no Brasil (CAMARGO; FERREIRA, 2014, p. 77). De acordo com Jorge (2014, p. 87), somente políticas públicas educacionais não irão resolver os problemas com os livros didáticos, sendo imprescindível que professores e pesquisadores possam compreender os editais e escolher os livros didáticos de maneira cuidadosa.

A partir do mapeamento de pesquisas já realizadas sobre a identidade racial negra nos livros didáticos de história, observou-se um esforço na tentativa de adequação dos discursos após a promulgação da Lei n. 10.639, além do aumento significativo no número de pesquisas sobre os livros didáticos. Para Ferreira (2014, p.113), as editoras e os avaliadores também necessitam de conhecimentos na área de sociologia, antropologia, história do povo brasileiro, de maneira a se fazer uso desse conhecimento nas imagens, vídeos, textos e discursos que circulam no LD. Pesquisas recentes (SOUZA, 2014; OLIVEIRA, 2012; RUSSO, 2012; SILVA, TEIXEIRA E PACÍFICO, 2012; RIBEIRO, 2013; VAN DIJK 2008; CARVALHO, 2006; CORRÊA, 2006; GOUVEIA, 2005; SILVA FILHO, 2005; BRANCO, 2005; SILVA, 2004; ROSEMBERG, BAZILLI, SILVA, 2003) relacionadas aos livros didáticos indicam ainda a prevalência de discursos de desprestígio e subalternidade da identidade racial negra, mesmo passados 15 anos da publicação da Lei.