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Caracterização dos entrevistados

Todos os entrevistados têm nacionalidade portuguesa, são oriundos do norte do país,

de concelhos como Barcelos, Maia, Porto, V.N. Gaia e Aveiro, têm idades entre os 28 e os

48 anos, pertencendo portanto a faixas etárias comummente identificadas como ativas para

o trabalho e para a formação, sendo que três são solteiros, um é divorciado e dois estão

viúvos.

Dos testemunhos recolhidos verifica-se que os sujeitos estão a cumprir penas no

EPPF que tiveram início entre os anos de 2007 a 2011, dois dos reclusos são reincidentes e

quatro são primários. Quanto às penas aplicadas, a média situa-se nos quinze anos, sendo

que um dos entrevistados ainda não tem pena definida (o seu processo judicial encontra-se

em fase de recurso).

Percursos escolares e profissionais anteriores à reclusão

De acordo com os dados recolhidos, todos os entrevistados possuíam níveis baixos

de escolaridade quando entraram para o sistema prisional pela primeira vez, pelo que

consideramos que estamos perante um quadro de adultos pouco escolarizados, já que dos

seis entrevistados, somente dois cumpriram a escolaridade mínima obrigatória

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em

liberdade, se considerarmos o ano de nascimento. Em suma, três apresentavam-se com o

primeiro ciclo, um não concluiu o sexto ano, um completou o sexto ano, e outro o sétimo

ano de escolaridade.

É verdade que entre estes adultos, no que se refere à participação em projetos

formativos anteriores à reclusão, quatro não mencionam a sua existência, indicando um deles

como motivo a “falta de oportunidades”, outro refere que frequentou a modalidade formação

de qualificação contínua no contexto de empresa e um último indica que recebeu formação

36 Segundo o site do POPH (http://www.poph.qren.pt/content.asp?startAt=2&categoryID=389&newsID=1202) para a escolaridade obrigatória por ano de nascimento: - nascidos até 31 de Dezembro de 1966 - 4 anos de escolaridade; nascido entre 1 de Janeiro de 1967 e 31 de Dezembro de 1980 - 6 anos de escolaridade; nascido a partir de 1 de Janeiro de 1981 - 9 anos de escolaridade.

O Decreto-Lei n.º 176/2012 de 2 de agosto, com a Lei n.º 85/2009, de 27 de agosto, veio estabelecer o alargamento da idade de cumprimento da escolaridade obrigatória até aos 18 anos e consagrar a universalidade da educação pré -escolar para as crianças a partir dos cinco anos de idade. Importa adaptar gradualmente o regime legal existente ao alargamento da escolaridade obrigatória, definindo as medidas necessárias para o seu cumprimento efetivo.

no Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), num curso de qualificação que não

conseguiu especificar.

Para Cavaco (2009:62), “o termo pouco ou nada escolarizado não assume um

significado idêntico ao termo iletrado”, dado que refere que para o

“primeiro caso, trata-se de pessoas que não frequentaram a escola ou que embora tenham frequentado não possuem a escolaridade obrigatória; no segundo caso trata-se de pessoas com poucas competências de leitura, escrita e cálculo, o que lhes impossibilita a realização de conjunto de atividades no dia-a-dia”.

Refere, ainda, que o “termo adulto pouco escolarizado também não é coincidente

com o de “adulto pouco qualificado”, pois defende que a “qualificação remete-nos para

duas questões distintas, qualificação académica e qualificação profissional” (idem).

Mas como podemos definir este “termo não qualificado ou pouco qualificado”,

concordámos que “para além de ser muito vago, também tem associado uma carga

pejorativa”, já que a definição parece não ser consensual no quadro da qualificação

profissional. Pelo que “entre os adultos pouco escolarizados podemos encontrar

trabalhadores altamente qualificados, do ponto de vista profissional” (Cavaco, 2009:62).

Tal parece ser o exemplo de um dos nossos entrevistados que possuía somente o 4º

ano de escolaridade e que apresenta, pelo que conseguimos comprender, níveis de

qualificação elevados:

“Lá fora, fiz a quarta classe, depois tive alguma formação, como, fiz um curso de Soldadura de Mig, fiz um outro curso de Soldadura de Mag. […] Fiz [ estes cursos] no Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) em V. N. Gaia, e o de Soldadura de Mag fiz em Setúbal na Rinave. […] Fiz também um curso de Técnico de Carroçarias no CEPRA, na Maia e depois tive formação no nível da empresa onde trabalhava. Eu trabalhava numa empresa de marca, que é a (XXX) de Camiões com venda e reparação e fiz alguns cursos como Higiene e Segurança no Trabalho, Eletricidade, Mecânica” (AS).

Numa análise global é possível perceber que este grupo de sujeitos tem na sua

generalidade percursos de escolarização breves e que tendencialmente se interromperam

antes da conclusão da escolaridade obrigatória. Do mesmo modo, há uma maioria destes

sujeitos que após o encerramento dos seus percursos escolares não encontram no campo da

formação profissional possibilidades de obter uma qualificação profissional. Ora, esta

caraterização permite-nos perceber como, pelo menos neste grupo de sujeitos entrevistados,

se verificam processos de dupla desqualificação (escolar e profissional) com uma incidência

forte, ainda que devamos igualmente ressaltar um dos casos em que a uma trajectória escolar

curta se sucede um percurso aparentemente rico e diversificado no que respeita a

qualificação profissional.

Viver em reclusão:

Podemos afirmar que a vida em reclusão é marcada por um conjunto de práticas

institucionalizadas, uma vez que, como salienta Goffman (1987:23-32), a prisão como

instituição total, assume a autoridade sobre a vida do recluso:

“- Criam e mantêm um tipo específico de tensão entre o mundo doméstico e o mundo institucional, e usam essa tensão persistente como força estratégica no controle dos homens; - começa uma série de rebaixamentos, degradações, humilhações e profanações do eu. O seu eu é sistematicamente, embora muitas vezes não intencionalmente, mortificado; - a barreira (…) entre o internato e o mundo externo assinala a primeira mutilação do eu; - a consequente padronização complexa na admissão, existe a necessidade especial de conseguir a cooperação inicial do novato (…) dizem (..) quais as suas obrigações de respeito pode ser estruturado de tal forma que [resulte] a ser um revoltado permanente ou a obedecer sempre; - [n]o processo de admissão pode ser caracterizado como uma despedida e um começo (…) exige uma perda de propriedade (…) a perda do nosso nome é uma grande mutilação do eu; - é muito provável que o indivíduo seja despido de sua aparência usual; - os presos (…) não podem impedir que os visitantes os vejam em situações humilhantes; - a exposição [nos] dormitórios coletivos e banheiro sem porta (…) as celas de prisão com barras de metal como parede permitem essa exposição”.

Embora haja mais características a enumerar… fiquemos por estas. Logo, neste

quadro complexo o sujeito em reclusão necessita de encontrar formas de adaptação a este

conjunto de normas e imposições da instituição.

Gonçalves (2000:209-239) apresenta-nos a sua compreensão da adaptação à prisão a

partir de diferentes perspetivas. O autor começa por citar Sykes (1958) que descreve “a vida

na prisão, enquanto uma sociedade dentro de outra sociedade” e chama também à colação

Goffman (1961; 1986) com a sua obra “sobre as condições de vida e adaptação às

instituições totais”. No seu estudo enquadra as primeiras definições e origens do conceito de

adaptação remetendo-as a influência provenientes de diferentes campos disciplinares:

- como da Biologia, onde emerge como “o processo pelo qual o ser vivo evolui nas

sucessivas relações que estabelece com o meio circundante” e da Fisiologia pelos “esforços

adaptativos com a busca de um

- da Psicologia - sendo o “homem (…) um ser eminentemente social em que o seu

comportamento é fruto das interações que estabelece como o meio que o circunda”, este

“comportamento-resposta” é resultado da equação: como ajusta a sua personalidade; as

exigências do meio; e as suas experiências (que mobiliza no conjunto das relações).

Suportado por uma boa porção de “plasticidade” que permite a gestão de todas estas

dimensões. Neste âmbito, cita Laffon (1973): “a adaptação é dinâmica e perpétua”, como

produto da relação entre a personalidade, o meio, o vivido e o atual. Para ele a adaptação

apresenta três vias

“– 1) adaptação por assimilação do meio, sempre que a pulsão é suficientemente forte para vencer as resistência exteriores, conseguindo assim o sujeito satisfazer o seu desejo; - 2) adaptação por acomodação, quando o sujeito, renunciando ao seu desejo, transforma-se e deixa de pensar no objeto desejado; - 3) adaptação por deslocamento ou substituição que não é mais que uma falsa adaptação, pois o sujeito encaminha os seus desejos pulsionais para outro objeto que não aquele que desejava” […] Assim, a adaptação não é uma resposta passiva ao meio, mas um processo ativo de criação”.

Nesta multiplicidade, surgem outros contributos, também importantes:

- as abordagens da sociologia que nos dão conta da “forma como o indivíduo se

adapta à sociedade por meio de um processo de individuação progressiva em que se

sucedem diferentes adaptações”

– a abordagem da psicologia social (a ideia de que a “adaptação deve ser vista como

um processo, ao longo do qual intervêm vários fatores, e não como um estado”)

– a abordagem da psicologia ambiental (a importância dos “fatores do meio físico e

da sua interação com os elementos humanos na determinação dos comportamentos dos

indivíduos”)

– a teoria dos sistemas (a prisão como sistema aberto, onde o recluso é “ator e

simultaneamente um produto (…) do sistema”)

– outros contributos como o de Piaget (1949, 1975) (a descrição do funcionamento

intelectual), ou o de Mahler (o desenvolvimento afetivo (…) nos primeiros anos de vida)

– e Goffman (1961, 1986, 1963) (as formas globais de adaptação no universo

totalitário).

Em suma, Gonçalves define a adaptação,

“como o processo através do qual um ser humano, concebido como sistema bio-psico-sociológico, que integra aspetos ligado à sua personalidade e à forma como esta evolui em confronto com o meio físico e social através de mecanismos de assimilação/acomodação, e abandonando estados simbióticos, participa no seu processo de individuação, posicionando-se com uma identidade e sentir próprios respeitadores das outras identidades e sentires” (idem:237).

Não será com certeza o nosso objetivo caracterizar psicologicamente a dimensão do

“viver” em reclusão, no entanto ela “é uma situação «contra natura», o ser humano não foi

concebido para viver num espaço reduzido e privado do exercício normal das suas funções”,

pelo que entendemos existirem adaptações que se impõem, produto do contexto onde se

inserem. Por conseguinte são muitos os “fatores de stress na prisão” que conjugados com

“características de personalidade de muitos delinquentes (controle deficitário da impulsividade e da ansiedade, baixa resistência à frustração, labilidade afetiva, comportamentos promíscuos, toxicodependência,…), [tornam] crível que se desenvolvam distúrbios da adaptação específicos do meio prisional” (Gonçalves, 2000:198).

Esta adaptação, num quadro de uma Instituição Total, onde a prisão se enquadra com

o “seu fechamento”, produz ruturas nas

“três esferas da vida” do indivíduo: em primeiro lugar, todos os aspetos da vida são realizados no mesmo local e sob a mesma autoridade; em segundo lugar, cada fase da atividade diária do participante é realizada na companhia imediata de um grupo relativamente grande de outras pessoas, todas elas tratadas da mesma forma e obrigadas a fazer as mesmas coisas em conjunto; em terceiro lugar, todas as atividades diárias são rigorosamente estabelecidas em horários (…)” (Goffman, 1987:11-19).

Consequentemente, a adaptação à prisão não é “um processo globalizante e

impessoal”, é sim resultado das interações que cada um dos indivíduos é capaz de produzir

nas suas relações com o meio (incluindo os outros reclusos, os técnicos, os guardas, o meio

exterior...), que, por sua vez, determinam a “aplicação de medidas flexibilizadoras do

cumprimento da pena e nos planos de tratamento penitenciário” (Gonçalves, 2000:209).

Trabalho e actividade ocupacional

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anterior à inscrição na Formação

A Lei 115/2009 de 12 de Outubro regula, dentro do contexto prisional, o trabalho e

a atividade ocupacional:

“Artigo 45.º - Atividade ocupacional. 1 — Aos reclusos é proporcionada a realização de atividades ocupacionais de natureza artesanal, intelectual ou artística, em função das disponibilidades existentes em cada estabelecimento prisional; 2 — A receita líquida proveniente da atividade ocupacional é atribuída ao recluso”.

O EPPF possui em diferentes valências oficinas disponíveis e, segundo conversas

informais com o TSR, as ocupações laborais podem ser a sapataria, o artesanato, a

carpintaria, entre outros; No que concerne ao trabalho existem alguns princípios regulados

pelo artigo 41.º:

“1 — O trabalho visa criar, manter e desenvolver no recluso capacidades e competências para exercer uma atividade laboral após a libertação; 2 — Deve ser assegurado ao recluso, de acordo com as ofertas disponíveis, trabalho em unidades produtivas de natureza empresarial, tendo em conta as suas aptidões, capacidades, preparação e preferências, sem prejuízo do acesso ao ensino e à formação profissional (…); 3 — O trabalho deve respeitar a dignidade do recluso e as condições de higiene, de saúde e de segurança exigidas para trabalho análogo em liberdade, não podendo ser-lhe atribuídas, designadamente, tarefas perigosas ou insalubres nem ser prejudicado o seu direito ao descanso e ao lazer; 4 — O trabalho não se subordina exclusivamente a finalidades lucrativas ou a interesses económicos do estabelecimento prisional ou de terceiro; 5 — É devida remuneração equitativa pelo trabalho prestado; 6 — A assiduidade e o empenho do recluso nas atividades laborais são tidos em conta para efeitos de flexibilização da execução da pena”.

Do que nos foi possível verificar, antes do ingresso no atual processo de formação

que frequentam, só um estava sem ocupação laboral, uma vez que quatro já se encontravam

em processos educativos/formativos e um estava a trabalhar nas oficinas internas do E.P.

“Antes de começar o curso não fazia absolutamente (…) nada, estava inscrito na escola, estava à espera de vagas na escola depois, entretanto, apareceu esta possibilidade de entrar no curso e a Dr.ª (L), que é a minha técnica de educação, propôs-me essa situação e achava que era a mais confortável para mim e eu optei pelo curso.” (RU)

“Estava na escola. […] Antes de ir para a escola (…) andei a trabalhar para as obras mas depois como eu estava aqui dentro e já tinha a vida estragada então quis aproveitar, ao menos, o máximo possível do que estar a perder mais uma coisa.” (MJ)

Destes discursos, é possível inferir, por um lado, que existe alguma preocupação em

estar ocupado, a trabalhar ou a estudar, dado que, como refere a alínea 6 do artigo 41.º,

existem medidas de flexibilização aplicadas ao indivíduos com este tipo de preocupações

laborais, por outro lado, surge-nos como relevante a argumentação do querer procurar

vantagens de transformar o tempo de reclusão em algo útil.

Na procura de compreender o conceito de ocupação laboral para a população reclusa,

Cunha (2008:92) apresenta-nos, por um lado, o princípio de “normalização da vida na

prisão”, como um “mecanismo” em franca evolução “qualitativa”, uma vez que este

princípio “traz do exterior a acção de pessoas singulares e colectivas e assim abre a

instituição carceral à sociedade”, querendo com isto dizer que a instituição prisional precisa

destas parcerias para que possa subsistir uma “aproximação entre realidade intra e extra-

prisional” , sublinhando que ela “é em si mesmo um ideal” e que iria contradizer a “prisão

tal como Goffman (1961) a descreveu”, pois a prisão já não é “como um universo claustral

puro”. Por outro lado, adianta que a “praxis do conceito” deverá “embater” com

resistências institucionais na própria filigrana das dinâmicas prisionais”, seja pela

sobrelotação da população prisional, seja pela “vertente disciplinadora”, e até mesmo pela

dificuldade de se definir o que é “normal” neste tipo de contexto.

Não obstante, como refere o artigo 41.º, alínea 1, “o trabalho visa criar, manter e

desenvolver no recluso capacidades e competências para exercer uma atividade laboral

após a libertação”, e a instituição deve procurar ocupações “intra-muros” que permitam

esta aproximação. Cunha (2008:95), citando Shea (2005), refere:

“que continuamos a assistir a um profundo desfasamento entre a oferta institucional de alternativas laborais em meio prisional e as necessidades e exigências do mercado de trabalho altamente competitivo no exterior. Muitas tarefas que podemos encontrar em contexto prisional são banais,

Por tudo isto se percebe que, tendencialmente, as actividades laborais nos

estabelecimentos prisionais se remetam a actividades simples, encontrando-se estas

“muito mais ao serviço da manutenção e funcionamento do EP ou das entidades externas empregadoras (Céré, 2007; Resende, 2006; Gonçalves, 1994) do que de uma adequação entre o perfil de cada recluso/a e as soluções laborais que podem/poderiam ser garantidas” (Idem).

Por conseguinte, podemos afirmar que estas dimensões no quadro de uma instituição

como a prisão exigem uma compreensão multidimensional:

- do contexto onde se insere, local e nacional;

- o contexto sócio-político;

- da visão “a partir da experiência laboral por parte de quem está privado da

liberdade”;

- os direitos dos reclusos/as em termos de remuneração e direitos sociais...para que

se consiga as devidas triangulações entre todas as dimensões com este ideal do princípio da

normalização da vida na prisão (Idem, Ibidem:95-96). Não é de facto tarefa simples, as

variáveis são imensas e as “leituras” não são coincidentes quanto ao trabalho no meio

prisional.

Não podemos porém esquecer outras dimensões da prisão:

- a “ambiguidade dos critérios subjacentes à elegibilidade dos potenciais

trabalhadores perante uma oferta laboral que é, em termos genéricos, menor que a

procura”;

- a questão da punição que teima em ser mais forte que a questão da reabilitação;

- o efeito do recluso ter na ocupação laboral “um interesse altamente estratégico

[uma vez] que vêem aí, muitas vezes, a oportunidade de melhorar a sua imagem

institucional” procurando as almejadas benesses de medidas de flexibilização da pena

(Cunha, 2008:96-97, citando Moreira, 1994).

Em suma, a ocupação laboral, deveria procurar outros valores e objetivos, em vez de

só tentar atingir a “capacidade de cumprimento, disciplina e obediência” (Idem, Ibidem:98,

citando Céré, 2007; Resende, 2006; Miranda Pereira, 2005; Combessie, 2004; Legrouge e

Guilian, 2001; Moreira, 2004; Gonçalves, 1994).

O artigo 71,º do Decreto-Lei n.º 51/2011

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de 11 de Abril - Regulamento Geral dos

Estabelecimentos Prisionais - regulamenta as questões do Ensino e Formação Profissional,

de que destacamos a alínea 3 e 4 que referem:

3 - “projeto educativo é aprovado pelo diretor do estabelecimento prisional e remetido aos competentes serviços do Ministério da Educação, sendo enviada cópia à unidade orgânica dos serviços centrais que gere essa área do tratamento prisional; 4 — O estabelecimento prisional garante o suporte material e afecta os espaços necessários à realização de atividades escolares e formativas, com as necessárias condições de funcionalidade”.

Nesta passagem está para nós validado o conceito de instituição total, tal como o

apresenta Erving Goffman (1987) e da sua “relação” com a prisão, quando se defende que

a organização dos diferentes departamentos, só se torna possível debaixo de uma só

autoridade, seguindo horários e rotinas pré-estabelecidas, muito por razões de gestão de

pessoal e pelas questões de segurança. Segundo o que nos foi possível perceber da análise

documental, desde Novembro de 2009 que o EPPF separou as duas alas, A e B, para que o

acesso ao refeitório seja independente, permitindo, pelo nosso entendimento, uma melhor

vigilância nos momentos de maior circulação de pessoas.

Partindo dos discursos recolhidos, é possível verificar que o quotidiano, para quem

frequenta a escola ou a formação, segue um horário rígido, que não permite ao recluso

grandes desvios da sua “rota” até à formação. Todos os entrevistados, estejam em formação

ou não, levantam-se e realizam as mesmas tarefas dentro dos mesmos horários, pelo que

concluímos que estas rotinas são incontornáveis dentro da instituição.

“(…) as rotinas de manhã são praticamente as mesmas porque temos o mesmo setor de trabalho, abre as portas às 08:00h da manhã, às 08:45h descemos, tomamos o nosso café no bar, 09:00h saímos para o nosso local de trabalho, (…) 11:30h vamos ao nosso almoço, (…) Depois à tarde lá nos encontramos e lá vimos nós para o nosso local de trabalho, ±16:15h despegamos, no meu caso temos aqui o nosso ginásio do EP, vou fazer o meu ginásio (…) O recolher é às 19:00h, 18:30h é o jantar” (N).

“(…) no fim do serviço que é às 16:30h, normalmente costumava sair e fazer aquela meia horazinha de desporto à tarde, até às cinco, antes de ir ao banho, entretanto deixei de ir porque ganhei esta lesão no ombro, (…) mas, chego lá dentro ao pavilhão, ando aquele bocadinho no pavilhão, que para mim é um bocadinho… prontos, constrangedor porque (…) [es]tamos tão habituados a… estar fora daquele mundo... não é? (…)

- Torna-se um bocado sufocante, que é muita confusão, muito barulho! muita gente! E pronto, a gente, … [andar] psicologicamente ajuda muito…” (R).

Emerge destes testemunhos, e como mecanismo de defesa às rotinas da prisão, a

prática regular de atividade física como opção para alguns dos indivíduos, uma vez que

procuram algum bem-estar e conforto psicológico, como referem, optando pelo ginásio do

EP ou por caminhar dentro dos pavilhões, facto a que, normalmente, se assiste sempre que

visitamos estes espaços do EP.

Este “sentido” de estar ocupado, seja com a escola/formação, seja com o “trabalho”

acaba por preencher os dias de reclusão evitando as rotinas de quem está com um regime

mais fechado

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, permitindo “estar fora daquele mundo”

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(N:9), que classificam de

“sufocante, que é muita confusão, muito barulho, muita gente!” (R:9).

A Educação e a Formação Profissional no EPPF

Com a importante colaboração da direção e coordenação do EP, foi possível realizar

a recolha de dados para posterior análise documental, tendo sido disponibilizado o acesso ao

arquivo e ao gabinete de educação. Foram selecionados alguns dos elementos que retinham

dados como: i) as entidades envolvidas; ii) os cursos ministrados; iii) as modalidades de