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2. RESPONSABILIDADE CIVIL

4.4 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL

O caráter punitivo-desestimulador da reparação do dano moral é assunto relativamente novo na realidade brasileira. Pretende-se analisar aqui, como se encaminha a nossa jurisprudência a esse respeito, no que tange às relações de consumo.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem enfatizado a função desestimuladora na indenização do dano extrapatrimonial, conforme se vê:

Embargos de declaração em recurso especial. Erro material constatado Republicação do acórdão. Civil. Acidente de veículo. Desprendimento da banda de rodagem do pneu. Causa única do acidente. Falecimento dos pais de dois dos autores e do filho da outra autora. Responsabilidade objetiva do CDC. Culpa comprovada nas instâncias anteriores com base nas provas dos autos. Valor indenizatório. Pedido de elevação requerido pelos autores. Pedido de redução requerido pela ré. Pensão mensal. Arbitramento. Décimo terceiro salário.

[...]

- A alteração do montante indenizatório pelo STJ somente é possível nas restritas hipóteses em que fixado de forma irrisória ou exagerada. Precedentes;

- Valores arbitrados pelo STJ em decisões anteriores prestam-se como parâmetro para fixação do quantum, inexistindo tarifação ou tabelamento de danos morais;

- O pedido de elevação da quantia para R$ 7.500.000,00 para cada autor, fundado em reportagem de jornal acerca de acordo firmado no exterior é despropositado. Em tais casos, a indenização não pode representar enriquecimento sem causa dos autores;

- Diante da excepcionalidade da espécie e após análise detida de critérios como condições sociais e econômicas das partes, elevado grau de culpa da ré, gravidade da ofensa, sofrimento dos autores e desestímulo à reincidência, o valor fixado para cada autor (R$ 1.000.000,00) deve ser reduzido, não em valores numéricos, mas apenas para determinar que a correção se opere a partir desta decisão;

- Os valores fixados a título de pensões alimentícias devem ser alterados. De acordo com os critérios de prudência e moderação, as pensões mensais são arbitradas em 5 (cinco) salários mínimos para Cícero, 5 (cinco) salários mínimos para Betina e 5 (cinco) salários mínimos para Juvelina;[...] (BRASIL, 2009m, grifo nosso).

Primeiramente, percebe-se que o Superior Tribunal de Justiça ao fixar os valores indenizatórios baseia-se em suas sentenças anteriores. Sabe-se que isto é praxe em decisões do Judiciário, e embora não constitua tabelamento, tal prática não permite muitas inovações nos valores arbitrados.

No caso em tela, os Autores requereram indenização por dano moral em face de empresa fabricante de pneus, em razão do falecimento de seus parentes em acidente de trânsito motivado unicamente por desprendimento da banda de rodagem do pneu (produto defeituoso). O Superior Tribunal de Justiça manteve o valor

indenizatório fixado em segundo grau (R$1 milhão para cada Requerente, totalizando R$3 milhões), por entender adequado, de acordo com as peculiaridades da situação, as condições pessoais das partes, a extensão do dano, o grau de culpa da Ré, e também a finalidade desestimuladora da indenização. A Ré alegou que o valor excedia o costumeiramente aplicado em casos semelhantes, geralmente em torno de 300 a 500 salários mínimos (R$ 124.500,00 a R$ 207.500,00). Todavia, entendeu-se que se tratava de caso excepcional, diante das pesadas condições sociais e financeiras da empresa Ré e das vítimas.

Diante deste julgado, nota-se que se tem aceitado que a reparação moral, além de possuir um cunho compensatório, também tem servido de alerta para que os fornecedores aperfeiçoem os serviços e produtos, desestimulando o descaso tão freqüente na busca incessante pelos lucros.

Este entendimento não é isolado:

RESPONSABILIDADE CIVIL. ENCERRAMENTO DE CONTA-CORRENTE COM QUITAÇÃO DE TODOS OS DÉBITOS PENDENTES. INCLUSÃO INDEVIDA DO NOME DA CLIENTE NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. DANO MORAL PRESUMIDO. VALOR DA REPARAÇÃO. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO. CONTROLE PELO STJ. POSSIBILIDADE. [...]

10.- Com efeito, a indenização por danos morais tem como objetivo compensar a dor causada à vítima e desestimular o ofensor de cometer atos da mesma natureza. Não é razoável o arbitramento que importe em uma indenização irrisória, de pouco significado para o ofendido, nem uma indenização excessiva, de gravame demasiado ao ofensor. Por esse motivo, a jurisprudência deste Superior Tribunal de

Justiça orienta que o valor da indenização por dano moral não escapa ao seu controle, devendo ser fixado com temperança. Verifica-se, de plano, que o valor fixado na espécie, 55.000,00 (cinquenta e cinco mil reais), destoa dos valores aceitos por esta Corte para casos assemelhados, isto é, de inscrição indevida nos serviços de proteção ao crédito. De outro lado, as circunstâncias da lide não apresentam nenhuma peculiaridade ou motivo que justifique a fixação do quantum indenizatório em patamar especialmente elevado, e que tenham sido objeto de consideração pela sentença ou pelo Acórdão, salvante as alegações feitas pela autora na inicial, quanto ao fato de ser comerciante e ter deixado de concretizar a compra de um veículo. Desse modo, considerando as circunstâncias e

peculiaridades da causa, conclui-se que a indenização deve ser reduzida para o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), na data deste julgamento, quantia que cumpre, com razoabilidade, a sua dupla finalidade, isto é, a de punir pelo ato ilícito cometido e, de outra banda, a de reparar a vítima pelo sofrimento moral experimentado, salientando-se que o valor da indenização considera peculiaridades do caso da autora, nada impedindo eventual diferença resultante de outras fixações, relativamente a outros lesados, consideradas outras circunstâncias a eles relativas.

11.- Ante o exposto, dá-se parcial provimento ao Recurso Especial, reduzindo o valor da indenização por danos morais para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), atualizados monetariamente a partir da data deste julgamento. [...] (BRASIL, 2009n).

Mais uma vez, a intenção de dissuadir condutas semelhantes se fez presente nos julgados proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça. Nesta situação, entendeu-se que o valor arbitrado em segundo grau (R$55.000,00) era exorbitante, em relação aos precedentes. A verba indenizatória foi reduzida ao montante de R$15.000,00 (quinze mil reais), julgando-se que o valor atendia a dupla função da reparação moral (punitiva e compensatória).

Sobre a indenização punitiva propriamente dita (punitive damages do modelo norte-americano), analisa-se julgado do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. PRELIMINAR DE NULIDADE PARCIAL DA SENTENÇA PARA AFASTAR A SANÇÃO CIVIL ACOLHIDA. INSCRIÇÃO DO NOME DA AUTORA NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO. AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. ILEGALIDADE. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART.43, § 2º, DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO DEVIDA. QUANTUM INDENIZATÓRIO MODIFICADO. RECURSO DA RÉ PARCIALMENTE PROVIDO. RECURSO ADESIVO PROVIDO.

[...]

A preliminar suscitada de nulidade da sentença por julgamento extra petita, no tocante à condenação imposta em favor do fundo municipal de defesa do consumidor há de ser acolhida.

Basta, para pôr cobro à discussão, invocar o precedente da lavra do eminente Des. Monteiro Rocha que, em caso idêntico, em que não há qualquer requerimento formulado pela parte autora para que a ré fosse condenada ao pagamento de indenização em favor do Fundo Municipal de Defesa do Consumidor, acolheu a proemial para afastar a "sanção civil (punição) de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)" imposta na sentença, in verbis: Realmente não há qualquer requerimento formulado pela parte autora para que o banco réu seja condenado ao pagamento de indenização em favor do Fundo Municipal de Defesa do Consumidor.

Houve, neste contexto, manifesta ofensa ao princípio da congruência pela inobservância entre o pedido formulado pela autora e a decisão, sendo flagrantemente extra petita e merecendo adequação aos limites do pedido.

Não bastasse isso, ainda que houvesse pedido de multa, não seria possível deferi-la, porque a indenização por danos morais não tem caráter penal. A responsabilidade civil possui o objetivo único de compensar a vítima pela lesão sofrida. Se é verdade que existe uma

classificação didática de ilícito em civil, penal, administrativo, etc, essa classificação é decorrência exclusiva de política criminal porque o ilícito é só um, sua essência é uma e indivisível, não sendo possível deferir-se em indenização civil sanções previstas em outros ramos do direito. Em danos à personalidade o Direito Civil não pode impor sanções de caráter penal. Se o motivo dos que entendem ser possível a sanção punitiva é coibir que o mal não se instale na sociedade, também é verdade que o atual Código Civil possibilita ao ofendido requerer ao juiz a própria cessação de ameaça ou lesão a direito personalíssimo, com perdas e danos, através de tutelas específicas que a legislação deve positivar, embora ainda não tenha feito esse trabalho. Veja-se, a propósito, o artigo 12 do atual Código Civil. Ademais, em tema de indenização por danos à personalidade não há qualquer dispositivo impondo multa àqueles que ofendem direitos personalíssimos.

Enfim, porque não houve atenção ao pedido formulado na inicial, acolho a preliminar de julgamento extra petita, para afastar a "sanção civil (punição) de R$ 20.000,00 (vinte mil reais)" imposta na sentença ACv. n. 2004. 025461-0).

Assim, acolhe-se a preliminar de nulidade parcial da sentença para afastar a sanção civil aplicada. (SANTA CATARINA, 2009f, grifo nosso).

Trata-se de Apelação Cível, em que a parte ré, irresignada com a decisão proferida pelo juiz de primeiro grau, que a condenou no pagamento de R$3.000,00 (três mil reais) a título de danos morais pela inclusão indevida em órgão de proteção ao crédito, e no montante de R$20.000,00 (vinte mil reais) referente à multa civil, direcionada ao Fundo Municipal de Defesa ao Consumidor, com fulcro nos arts. 56 e 57 do Código de Defesa do Consumidor. O juízo de segundo grau acolheu o pedido, afastando a multa, pois se entendeu que a parte autora não havia feito pedido a respeito. Além disso, entendeu o juízo que a referida sanção confundia-se com o Direito Penal, e ainda, que não há qualquer previsão legal de multa no que se refere aos danos morais.

Nota-se que, a decisão do magistrado de primeiro grau foi um tanto inovadora, assemelhando-se ao aplicado no modelo norte-americano, em que se fixou uma indenização compensatória e separadamente uma de caráter punitivo. O julgador procurou evitar o enriquecimento ilícito, remetendo a sanção punitiva ao Fundo Municipal de Defesa ao Consumidor. Solução esta, oferecida pela doutrina que defende o instituto. Todavia a decisão não prosperou, visto que nosso tribunal não possui entendimento favorável nesse sentido.

[...] Cediço que em matéria de danos morais a lei civil não fornece critérios específicos para a fixação do quantum indenizatório. Por isso a jurisprudência tem optado por confiar ao prudente arbítrio do magistrado essa árdua missão de estipular um valor para amenizar a dor alheia.

Assim é que se tem fixado o quantum indenizatório de acordo com as peculiaridades de cada caso concreto, levando em conta, sobretudo: a malícia, o dolo ou o grau de culpa daquele que causou o dano; as condições pessoais e econômicas das partes envolvidas; os antecedentes pessoais de honorabilidade e confiabilidade do ofendido; a intensidade do sofrimento psicológico gerado pelo vexame sofrido; a finalidade admonitória da sanção, para que a prática do ato ilícito não se repita; e o bom senso, para que a indenização não seja extremamente gravosa, a ponto de gerar um enriquecimento sem causa ao ofendido, nem irrisória, que não chegue a lhe propiciar uma compensação para minimizar os efeitos da violação ao bem jurídico.

[...]

Bem, na hipótese dos autos, atendendo aos critérios supra mencionados, a indenização no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), como dito, se apresenta diminuta, devendo ser conhecido e provido o recurso da autora a fim de majorar-se o quantum indenizatório para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), valor mais adequado para dissuadir a ré da prática de novo fato antijurídico e, por outro lado, para propiciar uma compensação ao ofendido a fim de mitigar o desgosto e o transtorno sofrido, em conformidade com os parâmetros adotados por esta Câmara em casos análogos. Deixa-se de fixar valor ainda mais elevado por ter a autora contribuído em parte para a ocorrência do evento danoso.

Diante do exposto, nosso voto é no sentido de conhecer de ambos os recursos, dar parcial provimento ao recurso da ré e dar provimento ao recurso adesivo da autora, majorando-se a verba indenizatória para R$ 15.000,00 (quinze mil reais). [...] (SANTA CATARINA, 2009f, grifo nosso). Ocorreu que, a Autora, descontente com o quantum arbitrado em primeiro grau, requereu através de recurso adesivo a majoração deste valor. A Câmara deu provimento ao recurso, majorando a reparação para o montante de R$15.000,00 (quinze mil reais). Chegou-se a este entendimento, através da análise da extensão do dano, grau de dolo ou culpa do agente, e finalidade admonitória da sanção, dentre outros. Além de tocar claramente na questão do desestímulo, a decisão pautou-se pelo grau de culpabilidade da ré e condições financeiras das partes, o que demonstra uma singela, mas perceptível inclinação à finalidade punitiva da indenização, em sua faceta de desestímulo. Segundo ensina Maria Celina Bodin de Moraes (2003), o grau de culpa e as condições econômicas das partes são critérios de punição em si mesmos, além de indicarem a intenção de desencorajar condutas semelhantes.

Outrossim, novamente destaca-se o caráter punitivo-desestimulador da verba indenizatória:

APELAÇÕES CÍVEIS - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - TRANSPORTE AÉREO - ATRASO E CANCELAMENTO DE VÔO - RESPONSABILIDADE CIVIL - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ABALO MORAL PRESUMIDO - QUANTUM INDENIZATÓRIO - CRITÉRIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE -DANOS MATERIAIS - MÍNGUA PROBATÓRIA - SENTENÇA MANTIDA - RECURSOS DESPROVIDOS.

[...]

É cediço que os danos morais devem ser fixados ao arbítrio do juiz que, analisando caso a caso, estipula um valor razoável, que não seja irrelevante ao causador do dano, dando azo à reincidência, nem exorbitante, de modo a aumentar consideravelmente o patrimônio do lesado.

[...]

Assim, destacado o ato ilícito perpetrado pela apelante e o fato de os apelantes desejarem embarcar e tal intento não ter sido realizado na data e horário pretendidos, tais fatos lhes causaram danos morais. Assim, em

atenção ao caráter compensatório e punitivo da condenação, pelas diretrizes alhures mencionadas para o arbitramento da compensação moral, tem-se como razoável e devidamente estabelecida a verba fixada na instância a quo no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada autor. [...] (SANTA CATARINA, 2009g, grifo nosso).

Por tudo isso, nota-se que a jurisprudência está longe de atingir o aplicado no modelo norte-americano, em que os valores, ao menos até os anos 90, superavam a casa dos milhões. Por outro lado, os julgadores tem sido cautelosos ao fixar o quantum indenizatório, utilizando-se de parâmetros peculiares ao caso concreto, fazendo uso também da razoabilidade e proporcionalidade, com o intuito de fixar uma quantia que atenda a função compensatória da reparação, no sentido de amenizar a dor da vítima, mas também a sua finalidade desestimuladora, procurando intimidar práticas análogas. Viu-se ainda, diante dos valores arbitrados, que o consumidor tem sido significativamente valorizado, mas nem sempre os valores são compatíveis com o poderio econômico dos fornecedores.

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