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Análise da origem sociocultural dos elementos constituintes de “The Lossyr-ny keylley”

Sequência de encaixe

4.6.3 Análise da origem sociocultural dos elementos constituintes de “The Lossyr-ny keylley”

4.6.3.1 Elementos de origens primitivas e mitológicas

O rei deseja escolher seu herdeiro, impondo uma tarefa difícil (M) aos filhos: a de trazer o pintassilgo dourado para o palácio: é estabelecido que a ave é oriunda do Outro Mundo, por sua cor dourada (PROPP, 2002, p. 359).

O fato de o herói ter sido escolhido por suas virtudes indica que este seja no conto um elemento tardio, pois a virtude não era algo importante aos heróis primitivos, apenas sua força mágica (Id. ibid., p. 84).

O velho (doador do meio mágico) não impõe provas aos dois irmãos mais velhos, e deixa-os tentar sua sorte. Ele sabe de antemão que o auxiliar mágico só poderia ser utilizado pelo herói: é o caçula quem bate a lança na pedra, fazendo-a abrir e, depois, só ele tem a capacidade de descer pela corda até o final.

Isso remete aos ritos de iniciação, pois se considerava que o espírito totêmico poderia escolher entre aceitar auxiliar o jovem ou não, de acordo com seu merecimento (força mágica) (Id. ibid.). Assim sendo, não havia o risco de os falsos-heróis usurparem o direito do herói, mesmo que tentassem. A primeira doadora é encontrada em uma estalagem – que representa a original cabana da velha, tendo sido assim modificada para se tornar algo mais próximo da realidade social em questão (PROPP, 1971, p. 255).

Já no Outro Mundo, o herói recebe uma égua mágica como seu auxiliar, a qual assimila o poder de vôo do pássaro (mais antiga forma de animal totêmico relacionado ao Outro Mundo) (PROPP, 2002, p. 248). A associação entre a égua e o pássaro está explicitada no texto: “[...]. Lá estava a égua e para sua sela saltou Gil. A égua alçou vôo como se ela mesma fosse um pássaro”19 (ELLIS, 1999, p. 177)

Então, o herói é obrigado a realizar várias tarefas difíceis (M e N), o que corresponderia às provações enfrentadas pelo morto no Reino dos Mortos, ou pelo neófito que temporariamente viajaria por esse reino.

O herói encontra no Outro Mundo a sua princesa, indicando a exogamia de tempos remotos, mas retorna à casa de seu pai, o que caracteriza um regime tardio de sucessão ao trono, pois, primitivamente, a sucessão seria ao trono do sogro (PROPP, 2002, p. 410-18.).

4.6.3.2 Elementos de origem celta: sociedade e mitologia

O conto situa-se em Ellan Vannin, nome celta da Ilha de Man (RADCLIFFE, 1895)20. O rei chama-se Ascon e seus filhos, Bris, Cane e Gil: nomes de origem celta 21. O próprio

19

Tradução livre do texto: “There was the mare and into the saddle went Gil. The mare took off like a bird herself.”

20 Disponível em: <http://www.isle-of-man.com/manxnotebook/fulltext/ev/folklore/index.htm>. Acesso em 22 nov. 2007.

título do conto “The Lossyr-ny-Keylley” é como o pintassilgo é chamado nessa língua celta (ELLIS, 1999, p. 169).

Há também vários ditados populares, como por exemplo, quando o narrador menciona:“O ditado manquês diz: gyn skeddan, gyn bannish! Sem arenque, sem casamento”22 (Id. ibid.). Esse em questão, remete à sociedade pesqueira da época, em que os arenques faziam parte da economia manquesa. A abundância desse peixe significava boa situação econômica 23.

Quanto ao fato de o rei não saber para qual dos filhos conceder o governo de seu reino, na sociedade celta, o trono não pertenceria necessariamente ao filho mais velho do rei, mas sim a quem fosse considerado mais capaz de governar. A monarquia celta poderia possuir dois reis (normalmente dois irmãos), que governariam em conjunto. No conto, há indícios deste costume quando o filho mais velho, Bris, diz que o melhor seria dividir o reino em três (ELLIS, 1999, p.170). A história celta é repleta de exemplos da divisão do trono: Fergus e Domnall, filhos de Muirchertaig, ano 566; e Cellach e Conall Cáel, filhos de Máele Cobo, ano 654., Diarmait e Blathmac, filhos de Aedo Sláine, ano 665. O rei poderia ser eleito por membros de certas famílias aristocráticas, podendo assumir o trono um filho mais novo, um tio ou outro parente que fosse considerado mais capacitado à posição (ELLIS, 2007, p. 32-3).

O Outro Mundo é no subterrâneo, sob uma rocha, comum nas lendas e contos celtas. O fato de o pássaro voar para o Oeste indica, além de sua cor dourada, que pertence ao Outro Mundo, pois é comum nos contos celtas a indicação da região Oeste quando se quer referir a ele (EVANS-WENTZ, 1911, p. 333).

As moças ali encontradas refletem, de certa forma, ao druidismo celta, pois, possuem uma varinha mágica e têm o poder de se transformarem em animais. Além disso, a princesa Vorgell, com quem o herói se casa, possui a modalidade do saber fazer, demonstrada ao retirar o herói do Outro Mundo, o que também remete às druidesas e fadas da sociedade celta.

4.6.3.3 Aspectos socioculturais gerais presentes em “The Lossyr-ny-kelley”

Neste conto, os fatores socioculturais se traduzem mais por preceitos morais do que por práticas da sociedade. Todo o tempo a narrativa dá indícios de ser o caráter do herói

21 Disponível em: < http://www.amethyst-night.com/names/manxmale.html>. Acesso em 18/10/2010. 22 Tradução livre do texto: “The Manx saying goes: gyn skeddan, gyn bannish! No herring, no wedding”. 23 Disponível em:< http://www.isle-of-man.com/manxnotebook/manxsoc/msvol21/p015c.htm>. Acesso em 18/10/2010.

crucial para que este seja merecedor das recompensas que obtém, remetendo à ética moral imposta pela sociedade ocidental, principalmente após o advento do cristianismo. Segundo Propp (2002, p. 84), o acesso ao meio mágico, bem como a entronização do jovem não teria nada a ver com as virtudes do mesmo, mas apenas com sua capacidade de portar a magia necessária à sobrevivência do clã. Portanto, a virtude do herói é um elemento tardio, remetendo à ideologia cristã de que os bons são recompensados e os maus, punidos. Esse tipo de herói surgiu principalmente sob a influência dos ideais da cavalaria, em que a honra e a virtude eram características inerentes a ele. Como sinal disso, temos a passagem em que o velho (doador) elogia sutilmente seu caráter por meio de um ditado, o qual o jovem não compreende, devido a sua modéstia e ingenuidade:

[...] – Por que não tenta sua sorte? Há ainda outro ditado em seu país – ta

cree doie ny share na kione croutagh. – Ora, esse ditado o jovem Gil não

pôde compreender, pois significava que um coração gentil era melhor que uma mente ardilosa24 (ELLIS, 1999, p.172).

Outro indício dos ideais da cavalaria é que o jovem não se deixa seduzir pelos prazeres carnais, mantendo-se puro para a amada. Duas passagens do conto que possuem conotação sexual demonstram o recato do jovem: quando cada bela donzela no jardim do palácio lhe oferece uma flor, e o convida a passear – uma metáfora do oferecimento de sua virgindade –, e ele não aceita, mantendo os olhos baixos e, também, quando na cozinha do palácio as donzelas o importunam, oferecendo-lhe alimento (Id. ibid., p.175). Em inglês, o termo utilizado para “importunar” é tease, o qual também significa “excitar sexualmente”, mas o rapaz não se deixa influenciar por elas.

O valor do casamento para as mulheres da sociedade anterior à moderna também se reflete no conto. As três moças partem imediatamente com o herói para se casarem com ele e seus irmãos. As irmãs parecem preocupar-se umas com as outras quando introduzidas no conto, mas depois, quando os dois irmãos mais velhos tentam prejudicar (e até assassinar) o herói e uma das princesas, elas ficam do lado dos noivos, não fazendo nada para ajudar a irmã, e tentam até mesmo enganar o futuro sogro, seja para agradar aos noivos, ou por sua própria ambição de herdar o reino.

24 Tradução livre do texto:[…]. ‘Why not try your luck? There is yet another saying in your country – ta cree doie ny share na kione croutagh.’ Now that saying young Gil could not see the meaning of, for it meant that a kind heart was better than a crafty head”.

O caráter financeiro dos contratos matrimoniais também é ilustrado pela preocupação do rei com os filhos. Ele se pergunta como se casariam sem uma herança, sendo introduzido no texto o ditado manquês: “Sem arenque, sem casamento”25 (Id. ibid., p. 169), demonstrando quanto o dinheiro e a posição social eram importantes para futuras alianças.

4.6.4 Análise do percurso dos personagens principais sob uma perspectiva actancial (COURTÉS, 1979)

A princípio, objeto de valor do caçula, ao contrário dos irmãos, não é o pássaro dourado, nem o reino do pai, mas a liberdade de viver como deseja. No decorrer do enredo, ao atravessar o Outro Mundo, o objeto de valor passa a ser o pássaro dourado (e, implicitamente, o trono). Seu estatuto de moço desinteressado vai sendo alterado quando o velho mágico (doador) incute nele o querer-fazer, sendo o primeiro destinador do percurso do herói, assim como seu pai (o qual podemos interpretar como um co-destinador, já que foi quem impôs a tarefa M de encontrar o pintassilgo). Neste instante, o jovem aceita o contrato de troca com o pai, até então ignorado.

Já no Outro Mundo, a moça que se encontra nos portões do palácio passa a ser também o destinador das ações do rapaz, incutindo o saber-fazer e o poder-fazer, ao dar-lhe instruções de como agir e o meio mágico. Como justificativa para isso, encontramos o valor axiológico de sociedades primitivas: prova do iniciado, transferida ao herói que deve provar seu valor.

Ao entrar em conjunção com o objeto (pássaro), o herói adquire o estatuto de futuro rei e marido da princesa.

Já os objetos de valor das princesas são dois: livrar-se do encantamento e casar-se com “filhos de Ellan Vannin”. Por meio das ações do herói elas obtêm o primeiro objeto visado, depois, por seu próprio querer fazer e poder fazer, decidem partir com o herói, entrando em conjunção com o casamento.

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