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4 ANÁLISE DESCRITIVA DO ACESSO AO ENSINO SUPERIOR: UM RETRATO A PARTIR DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

4.2 ANÁLISE DOS CANDIDATOS INSCRITOS E APROVADOS QUANTO ÀS CARACTERÍSTICAS FAMILIARES

4.2.3 Análise quanto à Característica da Renda Familiar

A Tabela 8 informa sobre as estatísticas descritivas da renda familiar; essas estatísticas foram calculadas a partir de dados agrupados em classes de salários mínimos. Há duas colunas encabeçadas pelas palavras “aprovados” e “inscritos”, cujas estatísticas são relativas às bases dos aprovados e dos inscritos, respectivamente. Em se tratando de dados agrupados em classe, vale observar que, enquanto se adotou 0,5 salário mínimo como ponto médio da primeira classe, classe esta de amplitude de 0 a 1 salário mínimo, se adotou como 50 salários mínimos o ponto médio da última classe, cujo limite inferior é de 40 salários mínimos e o limite superior é um intervalo aberto.

Tabela 8: Estatísticas descritivas de renda familiar das bases de inscritos e aprovados. UFBA, 1993-2001.

20585 87140 874 115641 15,8 12,8 15 8,08 a 15 15 13,57 12,11 1,3 1,7 0,02 0,008 0,8 2,32 0,03 0,02 50 50 1 1 50 50 5,5 4,47 b 15 8,08 25 18,1 Válidos

Dados faltantes na base Número de observações Média aritmética Mediana Moda Desvio-padrão Assimetria

Error padrão da assimetria Curtose

Erro padrão da curtose Amplitude Valor mínimo Valor máximo 25 50 75 Percentis Aprovados Inscritos

Fonte: Pesquisa do autor

Nota: a. Cálculos do autor a partir de pontos médios de dados agrupados em classes de salários mínimos; b. Percentis calculados a partir de dados agrupados em classe.

A Tabela 8 permite tirar conclusões muito interessantes sobre a distribuição da renda familiar. Fica evidenciada, por meio dessas estatísticas, a elitização da Universidade em termos da característica da renda familiar. Com efeito, a média aritmética, que é uma estatística influenciada pelos valores extremos da série, é superior no caso dos aprovados do que no dos inscritos. Isto denota que há maior freqüência de candidatos aprovados com rendas familiares mais elevadas do que há entre os candidatos inscritos, há menor freqüência de candidatos aprovados com rendas familiares mais baixas do que entre os candidatos inscritos e/ou a renda familiar dos aprovados é superior à renda familiar dos inscritos.

A suspeita de que a renda familiar é mais elevada entre os aprovados do que entre os inscritos recebe um reforço em termos de evidência quando se comparam os Histogramas 1 (dos inscritos) e 2 (dos aprovados), além da análise das demais estatísticas da Tabela 8. O fato de se ter uma distribuição mais simétrica entre os

filtra os candidatos segundo o critério da renda. Para que a Universidade se mostrasse mais democrática, se deveria manter pelo menos a mesma assimetria da distribuição dos aprovados que existe entre os inscritos. Mas, ao contrário, a distribuição se torna menos assimétrica à direita, quando se trata da série de aprovados, em favor das rendas mais elevadas. Além disso, as medidas de posição (os percentis), segundo a Tabela 8, que são estatísticas não influenciadas pelos valores extremos da série, revelam que, a cada posição (aos 25º, 50º. e 75º. percentis), os valores de renda são mais elevados na série de aprovados do que na de inscritos.

A maior assimetria à direita entre os inscritos do que entre os aprovados pode também ser observada por inspeção dos Histogramas 1 e 2. Infelizmente, o Histograma 1 (dos inscritos) aproxima-se mais da distribuição de renda da RMS (Histograma 3) do que o Histograma 2 (dos aprovados), conforme se pode constatar da comparação de ambos. O Histograma 3 retrata a má distribuição de renda na RMS. A maior uniformidade de renda entre os aprovados, a um nível de renda mais elevado, tornando o histograma dos aprovados menos assimétrico, em verdade, não é motivo para festejos. Pelo contrário, denota que a Universidade filtra os candidatos mais ricos em detrimento dos mais pobres, não contribuindo para alterar a estrutura de classes da sociedade. Neste sentido, a Universidade pública reproduz a estrutura de classes sociais, legitimando, por meio do vestibular, essas desigualdades. Para atender a curiosidade daqueles mais afeitos aos números, enquanto o Histograma 1 foi elaborado com base em amostra de inscritos com 87.140 observações de renda familiar, o Histograma 2 o foi com base em amostra de aprovados com 20.585 observações.

Salários mínimos (pontos médios das classes) 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0

Histograma 1: Renda familiar dos inscritos, UFBA, 1993-2001. Freq uen cia si mples relati va percentu al 34,4% 28,7% 23% 17,2% 11,5% 5,7% 0

Salários Mínimos (pontos médios da classe) 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 F reque ncia si mples rel ativa perce ntual l 34% 29,1% 24,3% 19,4% 14,6% 9,7% 4,9% 0

Histograma 2: Renda familiar dos aprovados. UFBA, 1993 - 2001.

Renda Bruta Total (preço de dez/99)

35 00 0 34 00 0 33 00 0 32 00 0 31 00 0 30 00 0 29 00 0 28 00 0 27 00 0 26 00 0 25 00 0 24 00 0 23 00 0 22 00 0 21 00 0 20 00 0 19 00 0 18 00 0 17 00 0 16 00 0 15 00 0 14 00 0 13 00 0 12 00 0 11 00 0 10 00 0 90 00 80 00 70 00 60 00 50 00 40 00 30 00 20 00 10 00 0

HISTOGRAMA DA DISTRIBUIÇÃO DA RENDA RMS, 1996 - 2000 Freq uê nc ia S im ples A bso lu ta 60000 50000 40000 30000 20000 10000 0

Histograma 3: Distribuição da renda da RMS RMS, 1996-2000

3. Este Gráfico retrata, por meio de colunas agrupadas, as freqüências simples relativas percentuais dos candidatos inscritos (colunas com preenchimento mais escuro) e dos candidatos aprovados (colunas com preenchimento mais claro) versus o ponto médio das classes de renda familiar medida em quantidade de salários mínimos. Pode-se observar, a partir dessas colunas, que os percentuais dos inscritos são superiores aos dos aprovados para as classes de renda mais baixa até a classe de 8 salários mínimos (inclusive), invertendo-se esta situação desse ponto em diante. Isto denota mais uma vez que, a despeito da quantidade relativa percentual maior dos mais pobres financeiramente nas classes de renda familiar mais baixas, menor é o percentual de aprovados entre estes. Ou seja, está chegando às portas da Universidade uma maior proporção de candidatos mais pobres, entretanto, menor é a proporção dentre eles que nela conseguem ingressar. Por outro lado, contudo, quando se trata de classes de renda familiar acima de 8 salários mínimos, a freqüência relativa percentual de aprovados é superior à freqüência relativa percentual de candidatos inscritos, o que denota a influência que a renda tem no êxito no vestibular.

0 5 10 15 20 25 30 0.5 1.5 2.5 3.5 4.5 5.5 8 15 25 35 50

Classes de Salário Mínimo

Percentual

Inscritos Aprovados

Gráfico 3: Freqüência relativa (%) dos inscritos e aprovados por nível de renda familiar (em salários mínimos).

aqueles que disputam o vestibular e aqueles que são aprovados é comparando-se esses percentuais com aqueles critérios estabelecidos pela pesquisa da Associação Brasileira de Pesquisa de Mercado (ABIPEME). Segundo esses critérios, as classes sócio-econômicas no Brasil se distribuem do seguinte modo: a classe A, com mais de 25 SM (salários-mínimos) corresponde a 5% da população; a classe B, de 10 a 25 SM, com 18%; a classe C, de 4 a 10 SM, com 31%; a classe D, de 2 a 4 SM, correspondendo a 34% e, a classe E, com renda de até 2 SM, correspondendo a 12%1. Os critérios de classes sociais desenvolvidos pela ABIPEME se baseiam na relação entre a posição social e posse de certos itens de conforto doméstico, a partir de informações prestadas pelos entrevistados. A inexistência de informações sobre esses bens no questionário sócio-cultural preenchido pelo candidato no ato da inscrição do vestibular da UFBA impede a construção desses critérios diretamente a partir desse questionário.

Procurando-se evitar a repetição enfadonha das palavras, os dados percentuais da distribuição de renda familiar dos candidatos inscritos e aprovados na UFBA serão apresentados a seguir de modo que em primeiro lugar se encontram os relativos aos inscritos e, entre parênteses, os dos aprovados. Assim, as classes socioeconômicas estão assim representadas: a classe A com 15,3% (21%); a classe B com 26,3% (30,0%); a classe C com 39,0% (35,2%); a classe D com 14,1% (10,8%), e a classe E com 5,3% (3%)2. Esses dados evidenciam de forma insofismável aquilo que já havia sido mostrado por meio do Gráfico 3: que enquanto nas classes A e B os percentuais dos aprovados são maiores que entre os inscritos, essa situação se inverte no caso das classes de menor renda, as classes C, D e E. Deste modo, observa-se a sobre-representação dos candidatos economicamente privilegiados, não somente entre aqueles que chegam às portas da universidade, mas, principalmente, a sobre-representação ainda maior dos mais privilegiados entre os aprovados: enquanto do total de candidatos inscritos, 41,6% são provenientes das classes A e B, 51% dos candidatos aprovados são originários dessas mesmas duas classes. Isto evidencia, mais uma vez, a influência de fatores econômicos nas chances de ingresso na universidade. Para se ter uma idéia dos valores de renda 140140140140140

familiares por classe são as seguintes: classe A, R$ 16 394,12; classe B, R$ 6 864,81; classe C, R$2 526,73; classe D, R$1 170,77 e, classe E, R$ 464,56.

Em resumo, essas observações e estatísticas descritivas produzidas permitem concluir que, a despeito de todo o mecanismo perverso que impera no sistema educacional brasileiro, promovendo um afunilamento dramático dos candidatos, excluindo aqueles de menores condições sócio-econômicas, consegue chegar uma quantidade cada vez maior destes menos favorecidos às portas da Universidade; entretanto, esses menos favorecidos não têm a mesma “sorte” daqueles que conseguem ingressar nessa Universidade.

Continuando-se a demonstrar que os recursos econômicos são determinantes na aprovação do candidato, resolveu-se, destarte, observar a relação entre os escores finais, calculados pela média, e a variável renda familiar. Conforme se pode constatar do Gráfico 4, que retrata o escore final obtido pelos candidatos inscritos (curva mais baixa, em linha cheia) e aprovados (curva mais alta, em linha pontilhada), evidencia-se uma relação côncava entre esses escores individuais médios e a renda familiar medida em unidades de salário mínimo. Obviamente que a curva mais alta retrata a média de escores finais dos candidatos aprovados, pois essa média necessita se situar acima da média dos escores mínimos para o candidato ser aprovado. Já a curva dos inscritos, uma vez que engloba a pontuação tanto dos aprovados quanto dos não aprovados, reflete uma média mais reduzida, pois engloba os escores dos não aprovados no vestibular.

Observa-se também, da comparação das duas curvas do Gráfico 4, que a diferença entre os escores médios dos aprovados e dos inscritos é crescente com a renda, e o escore médio do aprovado cresce a uma taxa mais elevada, em todos os pontos das duas curvas. Para se constatar este último ponto, basta traçar retas tangentes às duas curvas, em cada nível de renda, e se verificar que a inclinação das retas tangentes são maiores no caso dos aprovados do que no dos inscritos. Em termos econômicos, isto significa que a produtividade marginal com respeito à renda familiar é mais elevada no caso dos aprovados do que no dos candidatos inscritos. Ou seja, essa observação sugere que os candidatos aprovados, na média,

2 No Capítulo 5 se construirá e utilizará uma variável de renda familiar binária que levará este fato em

consideração: quando o candidato inscrito for de família de renda de classes A ou B, essa variável assumirá o valor 1; caso contrário assumirá o valor zero.

inscritos, para um mesmo nível de renda. Isto talvez decorra da forma mais produtiva com que os aprovados combinam os demais recursos escolares e/ou familiares com a renda, tirando desta um melhor proveito; isto é, os aprovados parecem apresentar uma tecnologia educacional mais eficiente para um mesmo nível de renda familiar. Quanto ao aspecto de que a diferença entre os escores finais dos aprovados e dos inscritos vai se ampliando na medida em que a renda familiar se eleva, mostra a importância crescente da renda familiar na aprovação do candidato, supondo-se constantes os outros fatores produtivos.

A concavidade dessas duas curvas do Gráfico 4 sugere que talvez a variável renda deva entrar com dois termos na equação de regressão em que o escore seja a variável explicada – um termo elevado à primeira potência e um outro quadrático. Entretanto, observa-se uma ligeira inflexão na curva dos candidatos aprovados que, de côncava torna-se convexa, justamente nos níveis de renda familiar a partir de 30 salários mínimos. Isto mostra que, para essas faixas de renda, o desempenho acadêmico cresce a taxas crescentes, ou seja, a produtividade do candidato aprovado é crescente nessa faixa de renda, e não decrescente, como para as outras faixas de renda familiar. A forma funcional côncava é também sugerida por outros gráficos análogos (aqui não apresentados), em que a variável explicada (mostrada no eixo cartesiano vertical, das ordenadas) fosse ou o escore global final (no período de 1997-2001), o escore mínimo necessário para ser aprovado em cada curso da universidade, ou fosse esse escore mínimo agrupado em classes de valores.

Essa forma funcional côncava evidencia uma função de produção típica, crescente a taxas decrescentes. Em linguagem matemática, poder-se-ia dizer que as derivadas primeira e segunda são positiva e negativa, respectivamente. Em termos econômicos, essa concavidade reflete o fato de que, a curto prazo, quando todos os demais insumos de produção estão constantes, o produto, no caso medido pelo escore final médio, cresce à medida que a renda familiar do candidato cresce, porém, em proporções cada vez menores. Ou seja, o efeito da renda é positivo sobre o escore no vestibular, mas ele tende a perder força à medida que essa renda se eleva, por conta de que os outros insumos estão, por hipótese, constantes; como conseqüência, a proporção entre a renda familiar e os outros insumos se eleva demasiadamente, fazendo com que a produtividade do fator renda familiar se torne

seus pontos de máximo.

Outra maneira de evidenciar a força da relação linear entre o escore final e a renda familiar é por meio do cálculo da correlação estatística de Pearson entre os logaritmos neperianos das duas variáveis. O resultado encontrado é de valor igual a 23,4%, ao nível de significância de 1%, em teste de significância bicaudal, em amostra de 67.137 observações válidas.

Objetivando analisar a variabilidade dos escores finais dos candidatos inscritos e aprovados, elaborou-se o Gráfico 5. Esse gráfico sintetiza outra observação interessante que se pode fazer sobre a relação entre as variáveis renda e escore: é a de que o desvio-padrão do escore final do candidato inscrito (linha cheia desse gráfico) é crescente na faixa de renda familiar de 0,5 a 12 salários mínimos, quando passa rapidamente de 66.000 para 82.000; na faixa de 12 a 50 salários mínimos, o desvio-padrão mantém-se em elevação, porém, bem mais lentamente, passando de cerca de 82.000 para em torno de 88.000. Ou seja, o desvio-padrão na faixa de renda mais reduzida cresce a uma velocidade média quase nove vezes superior ao desvio-padrão da faixa de renda mais elevada. Isto denota que aos níveis de renda mais baixos, além do escore final ser mais reduzido, ele também é muito mais variável, sinalizando a pouca homogeneidade no preparo e/ou na qualificação dos candidatos inscritos que se situam na referida faixa de renda. Uma maior uniformidade no escore final é alcançada a partir de cerca de 20 salários mínimos. Essa medida de menor variabilidade dos escores finais provavelmente decorre de dois grandes efeitos: a qualidade da educação do candidato e a “qualidade” de seu ambiente familiar, ambos influenciados pela renda familiar. Ou seja, nesta análise, a renda familiar poderia estar funcionando como proxy dessas duas outras variáveis.

Quanto à curva do desvio-padrão dos aprovados (linha pontilhada do Gráfico 5), observa-se uma maior uniformidade a partir de 20 salários mínimos; a partir deste número de salários mínimos, a curva do desvio-padrão torna-se monotonamente decrescente, se comparada à curva dos inscritos. Isto denota a maior uniformidade na formação dos aprovados, além de uma homogeneidade de qualidade educacional e ambiental familiar, provavelmente, crescentes. Um outro ponto a ser observado é que em todos os níveis de renda familiar, a variabilidade do desempenho acadêmico dos aprovados é inferior à variabilidade do desempenho

porta estreita, o que força a que os aprovados tenham desempenhos muito semelhantes.

Gráfico 2: Escore final médio dos candidatos inscritos e aprovados no vestibular versus a renda familiar. UFBA, 1993 – 1995. .

0,00 10,00 20,00 30,00 40,00 50,00

Renda familiar (em salários mínimos)

480 520 560 600 Escore final (x 1000) AA AA AA A A A A A Escore aprovado Escore inscrito

Gráfico 4: Escore final médio dos candidatos inscritos e aprovados no vestibular versus a renda familiar.

50 55 60 65 70 75 80 85 Desvio- pa drão de escor e fina l (x 1000)