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A ARS tem se tornado cada vez mais popular em diversos campos das ciências sociais e naturais. No campo dos estudos ambientais, a ARS tem sido usada em pesquisas sobre governança multinível (Mertens et al. 2011; Rathwell and Peterson 2012; Scott 2015; Tynkkynen 2013), sobre o papel das redes sociais na segurança alimentar (Mertens et. al., 2015) e na percepção ambiental (Tindall e Piggot, 2015) e sobre o movimento ambientalista (Diani, 2009; Bertels et al., 2014; Saunders, 2007; Stoddart e Tindall, 2010). Isso é possível porque, na perspectiva da ARS, a rede não é uma realidade empírica, mas, sim, definida pelo pesquisador de acordo com a pergunta de pesquisa e com a teoria escolhida para interpretá-la (Borgatti e Halgin, 2011). Dessa forma, a ARS pode ser utilizada para explorar uma diversidade de questões pertinentes a realidades empíricas diversas e a diversos níveis de análise.

A abordagem de redes sociais, também chamada de abordagem relacional, se diferencia de outras abordagens pois, ao invés de focar as análises nos atores sociais e em seus atributos, ela foca nas relações entre os atores. Uma rede é definida por um conjunto de atores (que podem ser indivíduos ou organizações), que são representados como nodos, e pelas relações entre eles (que podem ser de amizade, parentesco, de compra e venda, de troca de informações, de colaboração, entre outras), que são representadas como ligações entre os nodos. Essas ligações podem ser assimétricas, isto é, elas têm uma direção específica (por exemplo, uma rede de circulação de produtos no mercado internacional) ou simétricas, isto é, recíprocas (por exemplo, relações de amizade) (Borgatti and Halgin 2011; Hanneman 2005; Wasserman and Faust 2009). Um exemplo de rede social simétrica pode ser encontrado na Figura 2.

O conjunto de nodos e de ligações entre eles gera uma rede com uma estrutura específica, que é analisada pelo pesquisador. A estrutura das redes sociais varia em termos de conectividade, densidade, diâmetro, entre outras características. Todas essas propriedades relacionais influenciam de diferentes formas o comportamento da rede: o fluxo de informações e recursos, sua possibilidade de ação coletiva, a criação de solidariedades e normas sociais etc. Os nodos individuais também apresentam propriedades relacionais, podendo ter um número maior ou menor de ligações, estarem em posições centrais ou periféricas, entre outras características. Essas propriedades influenciam a forma como atores veem o mundo,

se comportam, conseguem acessar recursos etc. (Borgatti and Halgin 2011; Hanneman 2005; Wasserman and Faust 2009).

Figura 2: Exemplo de rede social simétrica (Fonte: Mertens, Saint-Charles, and Mergler 2012, p. 647)

A interpretação das propriedades relacionais das redes e de seus atores vai depender da pergunta de pesquisa e do marco teórico do estudo. A seguir, reviso alguns estudos realizados em marcos teóricos específicos que utilizam a ARS e oferecem interpretações para essas propriedades relacionais.

ARS em estudos de movimentos sociais

Os movimentos sociais são “redes de interação informal entre uma pluralidade de indivíduos, grupos e/ou organizações, engajados em conflitos políticos e/ou culturais, com base em uma identidade coletiva compartilhada” (Diani 1992, p. 3) Essas redes de interação possibilitam a circulação de recursos, informações, significados culturais e identidades, possibilitando a emergência de coalisões, eventos de protesto e outras formas de ação coletiva (Diani 2009a; Wang and Soule 2012). O que diferencia a rede de um movimento social de uma mera coalisão é a definição de uma identidade compartilhada entre os atores, que se percebem como parte de um mesmo movimento (Diani 2009a).

Existem inúmeros estudos aplicando a ARS para investigar diferentes dinâmicas dos movimentos sociais, em diferentes níveis de análise – desde relações entre

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indivíduos até relações entre organizações de movimentos sociais (OMSs) e entre eventos de protesto (Bertels et al. 2014; Crossley 2008; Diani 1995; Klandermans and Oegema 1987; Strang and Soule 1998). Esses estudos demonstram que as redes sociais têm impactos no comportamento dos atores e na difusão de práticas, táticas e interpretações culturais.

Nos estudos sobre relações entre indivíduos, grande atenção tem sido dada à influência das redes sociais no recrutamento de novos membros para os movimentos de protesto e na difusão de significados culturais. Tindall and Piggot (2015), por exemplo, demonstram que indivíduos que possuem relação com membros de organizações do movimento ambientalista têm mais chances de ter um plano para lidar com as mudanças climáticas. Já Crossley (2008), em seu estudo sobre o movimento punk no Reino Unido, afirma que redes densas entre os atores (com presença de grande número de todas as possíveis relações) facilitam o monitoramento entre os atores, incentivando a solidariedade, a cooperação e a confiança – o que, por sua vez, cria espaços seguros para a experimentação cultural. Em uma rede densa, essas novas práticas tendem a se espalhar rapidamente pelos indivíduos e, quando implantadas, são fortemente reforçadas pelo grupo.

Já os estudos sobre redes entre OMSs têm demonstrado que as redes facilitam: a mobilização e alocação de recursos, a negociação de metas acordadas, a produção e circulação de informação, a circulação de significados e o reconhecimento mútuo (Diani 1995, 2009b; Ernstson, Sörlin, and Elmqvist 2008; Soule 2006; Strang and Soule 1998; Wang and Soule 2012). Wang and Soule (2012), por exemplo, demonstram que relações de colaboração entre OMSs são um canal importante de difusão de táticas. Outros estudos buscam investigar os impactos da estrutura da rede de um movimento social nos resultados conquistados pelo movimento. Ansell (2009), por exemplo, em seu estudo sobre organizações do movimento ambientalista em São Francisco, nos Estados Unidos, afirma que movimentos subculturais ou contraculturais, caracterizados por uma rede fechada, tendem a estabelecer menos relações de colaboração com agências públicas.

Para Diani (2009a), as contribuições desses estudos sobre ARS de movimentos sociais podem interessar a um público muito mais amplo do que os que se identificam como pesquisadores de movimentos sociais, podendo contribuir com

pesquisas sobre grupos religiosos, associações voluntárias, partidos políticos, entre outros. Sugiro, nesta pesquisa, que essas contribuições também são importantes para a análise das dinâmicas dos nichos de inovação.

Outra questão importante que têm sido ressaltada pelos estudiosos dos movimentos sociais é o fato de que a ARS capta somente um aspecto das redes e, muitas vezes, falha em tratar adequadamente das questões simbólicas/culturais, tais como significados, motivações e comprometimentos normativos (Emirbayer and Goodwin 1994; Krinsky and Crossley 2014; Mische 2009). Esses autores ressaltam o fato de que as redes sociais não são meros canais para conteúdos culturais, mas, sim, são elas mesmas formadas por meio de processos culturais. Os comportamentos individuais e grupais não podem ser entendidos de forma independente uns dos outros. Daí a importância de se utilizar métodos qualitativos de pesquisa, juntamente com os métodos de análise de redes.

Dessa forma, esta pesquisa, ao incluir diversos níveis de análise, busca complementar a perspectiva estrutural (ARS) sobre a difusão das práticas em nível nacional com uma perspectiva cultural (TPS) que explique como essas práticas são desenvolvidas e adotadas localmente. As análises das relações existentes entre os diversos níveis de investigação e entre as duas perspectivas são realizadas no último capítulo desta tese (Capítulo 7).

ARS e a governança multinível

A existência de redes sociais tem sido apontada como um fator importante nos casos em que diversos atores se uniram para lidar efetivamente com problemas relacionados ao gerenciamento de recursos naturais (Abers 2007; Bodin and Crona 2009; Crona and Bodin 2011). As redes sociais facilitam a geração e difusão de diferentes tipos de conhecimentos sobre os sistemas ecológicos, a mobilização e alocação de recursos, comprometimento a regras comuns e resolução de conflitos. Quanto maior o número de relações sociais, mais possibilidades existem para a comunicação e, portanto, para o desenvolvimento da reciprocidade e confiança mútua necessárias para a ação conjunta (Bodin and Crona 2009).

Relações sociais entre membros de um mesmo subgrupo (chamadas de bonding ties, ou relações de ligação) promovem confiança e reciprocidade, importantes para

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a construção de consensos, para a ação colaborativa e resolução de conflitos (Bodin and Crona 2009; Ostrom 1990). Essas relações também facilitam a circulação de conhecimentos tácitos e o desenvolvimento de conhecimentos especializados. No entanto, para lidar com a governança de ecossistemas complexos, conjuntos isolados de conhecimentos especializados têm eficácia limitada. Redes coesas podem levar à homogeneização da informação e dos conhecimentos, resultando em um uso menos eficiente dos recursos e menor capacidade em adaptar-se a mudanças. Elas dificultam o questionamento das práticas existentes, a entrada de novas práticas, conhecimentos ou recursos, bem como a difusão de práticas e significados para outros grupos sociais (Bodin and Crona 2009; Crona et al. 2011; Woolcock and Narayan 2000).

Dessa forma, para lidar com a governança dos recursos naturais em um mundo globalizado, é importante que diferentes subgrupos interajam por meio de relações- ponte (bridging ties). A existência de relações-ponte entre grupos sociais heterogêneos facilitam o acesso dos atores a novas informações e fontes de recursos, trazem maior diversidade de perspectivas, promovem a confiança entre atores previamente desconectados e, portanto, facilitam a ação coletiva em níveis mais amplos e a criação de soluções inovadoras para os problemas percebidos (Bodin and Crona 2009).

Um exemplo disso é dado por Brondizio et al. (2009) ao analisarem o caso do Parque Indígena do Xingu. Nesse parque, os índios conseguiram se organizar para preservar os recursos dentro de suas fronteiras. No entanto, a devastação das terras em torno do parque (provocada, principalmente, pelo aumento no preço das commodities) tem levado à poluição das águas que correm para dentro do parque. Esse é um exemplo de como práticas e soluções desenvolvidas pelas comunidades locais podem não ser suficientes para lidar com a crise ambiental, se não houver relações de troca de informações e de colaboração com atores atuantes em outros níveis institucionais.

Dessa forma, esta pesquisa buscou investigar tanto as relações de ligação estabelecidas entre as ecovilas brasileiras (Capítulo 3) – e que contribuem para a consolidação de um nicho que desenvolve normas, conhecimentos e práticas sociais compartilhados – como as relações-ponte com outras categorias de atores (Capítulo 4) – e que possibilitam o acesso a novas fontes de informações e recursos, bem

como a difusão das práticas desenvolvidas pelo nicho para outros setores da sociedade.