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As ecovilas brasileiras são organizações que, em sua maior parte, não estão isoladas, mas trocam informações e colaboram entre si, compartilhando práticas sociais sustentáveis e formando, portanto, um nicho em nível nacional. Essas relações entre as ecovilas ocorrem de forma informal pelos seus membros, por meio de visitas mútuas, participação de membros em cursos oferecidos por outras ecovilas, em encontros de comunidades e em parcerias na realização de cursos e eventos.

Mesmo ocorrendo de forma informal, essas redes de relações entre ecovilas mostram-se importantes para o desenvolvimento e difusão de suas práticas. Segundo os respondentes, diversas práticas de bioconstrução, gestão, plantio e espiritualidade foram adotadas pelas comunidades a partir de trocas de informações e de colaborações com outras ecovilas. Além disso, em ambas as redes – tanto a de trocas de informações como a de colaboração – foi encontrada correlação entre o número de práticas sociais sustentáveis desenvolvidas e o número de relações estabelecidas com outras ecovilas, bem como entre o número de práticas sociais sustentáveis desenvolvidas por cada ecovila e o seu grau de centralidade intermediária.

Uma limitação deste estudo é a impossibilidade de se afirmar uma relação de causalidade entre as variáveis. A correlação entre o número de relações sociais, de um lado, e o número de práticas sociais sustentáveis

desenvolvidas, de outro, pode receber dois tipos de explicação. Por um lado, é possível que as ecovilas que tenham um maior interesse em desenvolver práticas sociais inovadoras busquem estabelecer mais relações com outras ecovilas, de forma a ampliar o seu repertório de práticas e conhecimentos. Neste caso, ambas as variáveis estariam ligadas a características atributivas das ecovilas e de seus membros. Outra explicação é a de que as ecovilas que se engajam em mais relações acabam adotando mais práticas devido a um efeito de rede.

Embora este estudo não nos permita afirmar se existe uma relação de causalidade entre formação de rede e desenvolvimento das práticas, os relatos dos respondentes, assim como alguns estudos sobre redes e difusão (Crossley 2008; Wang and Soule 2012) indicam que existe um efeito de rede importante. Estudos futuros, de caráter longitudinal, podem expandir nosso entendimento com relação à influência das redes sociais entre ecovilas no desenvolvimento e difusão de práticas sociais sustentáveis ao longo do tempo.

As redes de trocas de informações e de colaboração entre as ecovilas brasileiras aproximam-se do modelo que Diani (2009b) classifica como um “clique”. Estruturas em clique estão associadas a uma redundância das relações, o que indica um alto nível de engajamento entre as organizações, resultado de fortes afinidades ideológicas ou forte interesse mútuo em questões específicas (Diani 2009b). A redundância das informações que ocorre nesse tipo de rede favorece a difusão de práticas, já que as mesmas informações e ideias tendem a alcançar os atores por meio de diferentes contatos, reforçando critérios e normas compartilhadas (Crossley 2008; Oliver and Myers 2009).

Com exceção das três ecovilas que não estão conectadas ao componente principal da rede de trocas de informações, todas têm fácil acesso a informações sobre o que as outras ecovilas estão fazendo e as práticas que estão desenvolvendo. O diâmetro curto da rede de trocas de informações permite que os atores da rede consigam encontrar outros atores com interesses similares ou recursos necessários, aumentando as chances de haver colaborações em projetos conjuntos (Crossley 2008). Dessa forma, é

93 possível que a rede de trocas de informações seja pré-condição para a criação de uma rede de colaboração.

A literatura sobre movimentos sociais indica que essa circulação das informações favorece a criação de um repertório compartilhado de práticas sociais e a construção de uma identidade coletiva, isto é, o sentimento de que fazem parte de um movimento mais amplo, que vai além de organizações específicas. Dessa forma, embora a manutenção dessa rede de trocas de informações exija investimento em tempo e recursos de seus membros, ela possibilita o compartilhamento e a difusão de práticas e conhecimentos, indicando a existência de um nicho das ecovilas em nível nacional.

Existem algumas organizações nacionais que funcionam como conectoras do nicho, embora não cheguem a conectar nem 25% das ecovilas brasileiras. A emergência de uma organização mais forte a nível nacional, conectando um maior número dessas ecovilas, poderia facilitar o estabelecimento e manutenção de relações entre elas. Isso contribuiria para a criação de processos mais formais de agregação dos conhecimentos e práticas desenvolvidos pelo nicho, tornando-os acessíveis a um público mais amplo e contribuindo, portanto, para a difusão de práticas sociais sustentáveis para a sociedade mais ampla. Uma organização nacional mais forte facilitaria, também, o diálogo com atores do regime e a institucionalização do nicho em projetos e programas públicos.

Segundo Santos-Júnior (2016), o CASA Brasil é uma rede com potencial para isso, podendo “ter um papel fundamental para a articulação efetiva de comunidades sustentáveis e propostas afins no país. São muitas as suas possibilidades: elevação do nível de troca de conhecimentos e informações, criação de redes solidárias e educacionais, realização de programas de visitações participativas ou de estágios, entre tantas outras”. A Rede Educação Gaia Brasil, por ter como objetivo criar e difundir cursos sobre ecovilas, também pode ter um papel importante na criação de processos mais formais de agregação dos conhecimentos e práticas desenvolvidos pelo nicho.

O nicho das ecovilas no Brasil é, portanto, composto por uma variedade de organizações que compartilham práticas e identidades. Existem ecovilas que desenvolvem um alto número de práticas sociais sustentáveis e assumem

posições centrais nas redes sociais desse nicho. Existem, também, ecovilas religiosas que tendem a desenvolver menos práticas e estão desconectadas do componente principal ou em posições periféricas na rede de colaboração. Para essas ecovilas, as trocas de informações e de colaboração têm um papel menos relevante, possivelmente porque estão focadas em práticas espirituais já estabelecidas.

Esses resultados indicam que o nicho das ecovilas no Brasil não é homogêneo, mas, sim, composto por uma variedade de organizações que trocam informações, difundem práticas sociais sustentáveis e colaboram entre si. Sugiro que as ecovilas brasileiras, assim como outros movimentos de ação coletiva, criam o que Oliver and Myers (2009) chamam de “ambiente co- evolutivo, no qual as características e ações de qualquer ator são constrangidas e influenciadas pelas características e ações de todos os outros atores no ambiente” (p. 173). Ou seja, as organizações que os compõem não desenvolvem suas atividades de forma isolada, mas, sim, respondem às ações umas das outras, compartilhando ideias, significados e inovações.