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Prática 2: A gestão da rotina comunitária na ecovila

7.3 Discussão geral da tese

O objetivo geral desta tese é o de compreender o papel das ecovilas no desenvolvimento e difusão de práticas sociais sustentáveis no Brasil e a influência das relações sociais comunitárias, locais, nacionais e transnacionais nesses processos. Descobriu-se que o papel das ecovilas na promoção de

práticas sociais sustentáveis no Brasil é desempenhado de três maneiras: (1) Por meio da criação de nichos de inovação de base, isto é, “espaços protegidos” em que práticas sociais sustentáveis radicalmente novas podem ser desenvolvidas pelos seus membros, com grande influência das relações sociais comunitárias; (2) Por meio da difusão de práticas sociais sustentáveis pelas redes de relações sociais entre ecovilas, e (3) Pelo engajamento das ecovilas na sociedade, por meio do estabelecimento de relações sociais locais, nacionais e transnacionais.

A seguir, discuto esses três papeis, buscando explorar as interconexões entre os resultados obtidos nos diversos níveis de análise.

Ecovilas brasileiras como nichos de inovação de base

Na análise das ecovilas em nível nacional (Capítulo 2), vimos que as ecovilas brasileiras são nichos de inovação de base que desenvolvem um repertório de práticas sociais sustentáveis relacionadas às dimensões ecológica, social/comunitária e cultural/espiritual da sustentabilidade. No estudo de caso em nível comunitário (Capítulo 5), pudemos entender de que forma essas inovações “de baixo para cima” se desenvolvem, a partir de necessidades locais e da crítica aos regimes dominantes, por meio da criação de um espaço horizontal que valoriza a experimentação, da criação de novos materiais e infraestruturas e da incorporação de novas competências pelos seus membros. Eles criam, assim, uma incubadora (Capítulo 6), um “espaço protegido” com novas normas sociais, estimulando seus moradores a efetuarem uma transformação radical em suas práticas cotidianas.

No levantamento nacional (Capítulo 2), vimos que as práticas relacionadas às dimensões social/comunitária e cultural/espiritual são percebidas pelos membros das ecovilas como as mais importantes, por sustentarem o grupo emocionalmente, servindo como base para o desenvolvimento das demais práticas. O mesmo dado fica evidente no estudo de caso (Capítulo 6). As práticas sociais sustentáveis desenvolvidas na ecovila são práticas que envolvem a construção de confiança entre seus membros para o compartilhamento de objetos e tarefas – apresentando, assim, uma forte

173 dimensão social/comunitária. Essas práticas radicalmente novas exigem, para a sua adoção, um esforço de adaptação, que é visto na ecovila como um processo de autoconhecimento e de mudança pessoal – apresentando, assim, uma forte dimensão cultural/espiritual. Dessa forma, nas práticas desenvolvidas pela ecovila estudada, fica difícil fazer uma distinção entre ecologia, comunidade e espiritualidade, já que essas três dimensões estão presentes em diversas das suas práticas cotidianas.

Outro dado levantado em nível nacional (Capítulo 2) é o de que a oferta de cursos, vivências e programas de voluntariado é uma atividade-chave nas ecovilas brasileiras. Na ecovila da pesquisa de campo, essas atividades de educação também se mostram importantes. Segundo uma das residentes, responsável pelos cursos e pelo contato com o público externo, a ecovila oferece diversos cursos e vivências ao longo do ano, com temas diversos, tais como: permacultura, saúde e espiritualidade, metodologias colaborativas e vida em comunidade. Recebem, em média, 130 pessoas por ano nesses cursos e vivências.

Além dos cursos, existem as visitas guiadas para grupos ou indivíduos, nas quais são apresentados os espaços, tecnologias e as principais práticas da ecovila, seguida de uma roda de conversa. Eles oferecem, em média, 170 visitas guiadas por ano. Existem visitantes que ficam mais tempo na comunidade, por meio dos programas de “visitantes colaborativos” e de voluntariado. Tanto os visitantes colaborativos como os voluntários participam das práticas de gestão da rotina comunitária e podem utilizar o sistema de caronas. Nos anos de 2015 e 2016, eles receberam, em média, 23 visitantes colaborativos e voluntários por ano. Segundo a representante institucional, no primeiro semestre de 2016, cerca de cinco pessoas por dia entraram em contato com ela querendo conhecer a ecovila.

Esses dados indicam que as ecovilas se tornam projetos demonstrativos de práticas sociais sustentáveis. Os visitantes, ao passar um tempo na ecovila, entram em contato com as diversas práticas desenvolvidas no nicho e com os elementos (simbólicos, materiais e as competências) que as compõem. Ao permanecer nessa “incubadora”, os indivíduos são motivados a adotar e manter práticas sociais sustentáveis (Capítulo 6). Estudos futuros podem

investigar o impacto dessa “vivência” na ecovila nas práticas cotidianas de seus visitantes.

Difusão de práticas pelas redes de ecovilas no Brasil

No Capítulo 3, vimos que as ecovilas brasileiras estabelecem, entre si, redes de relações de trocas de informações e de colaboração, constituindo, portanto, um nicho de inovação de base em nível nacional. As trocas de informações se dão informalmente, na forma de trocas de experiências, conversas e visitas mútuas, nas quais os membros trocam informações sobre as práticas desenvolvidas por cada comunidade. Inclusive, muitas ecovilas citaram práticas (como a bioconstrução, a sociocracia, a permacultura, práticas espirituais e técnicas agroecológicas) que foram adotadas a partir de trocas de informações e encontros com outras comunidades.

As ecovilas brasileiras apresentam estruturas de rede favoráveis para a difusão de práticas entre elas (Capítulo 3). No capítulo 5, pudemos perceber como isso acontece localmente. Mesmo os visitantes que ficam na ecovila por um curto período de tempo, têm um papel no desenvolvimento de práticas na comunidade estudada. Inclusive, uma modificação na prática da “lavagem permacultural” aconteceu durante a minha estadia no campo, pela sugestão de uma visitante (ver Capítulo 5).

Além do intercâmbio de pessoas entre comunidades, no Capítulo 3, as ecovilas respondentes citaram os encontros de comunidades como outra fonte importante de difusão de práticas entre ecovilas. Na pesquisa de campo (Capítulo 5), diversos entrevistados relataram a experiência da ecovila em receber um desses encontros: o ENGA (Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia). Esses relatos indicam que os encontros de comunidade têm um papel importante no compartilhamento de significados simbólicos associados às práticas que desenvolvem, fornecendo, assim, apoio moral para os membros do nicho. Ao encontrar outros grupos com práticas e normas sociais similares, as pessoas se sentem fortalecidas em seu propósito, pois sentem que fazem parte de um movimento mais amplo de mudança.

175 Engajamento das ecovilas na sociedade

No Capítulo 4, vimos que as ecovilas brasileiras não estão isoladas em si mesmas, mas trocam informações sobre práticas sociais sustentáveis e outros assuntos relacionados ao desenvolvimento sustentável com diversas categorias de atores externos, incluindo órgãos governamentais, conselhos, academia, iniciativas locais e nacionais, ecovilas estrangeiras e redes transnacionais. Essas relações externas possibilitam a circulação de diferentes formas de conhecimentos, práticas e recursos entre o nicho e outros setores da sociedade. Durante a pesquisa de campo, presenciei uma forte relação da ecovila com um assentamento da reforma agrária localizado na região, incluindo a participação de membros da ecovila em mutirões organizados no assentamento. Identifiquei também uma forte relação com alguns estabelecimento culturais da cidade. No entanto, infelizmente, devido ao grande volume de dados levantados, esse engajamento da ecovila na sociedade não foi analisado com mais profundidade no nível comunitário.

As ecovilas desenvolvem diversas práticas sociais sustentáveis (Capítulos 2 e 5). No entanto, essas práticas são insuficientes para preservar os sistemas ecológicos em que estão inseridos, caso não haja uma participação das ecovilas em processos mais amplos de governança ambiental de suas regiões. Dessa forma, um resultado importante deste estudo – e que contraria o senso comum – é a existência de um número significante de relações de trocas de informações entre ecovilas e órgãos governamentais e conselhos – principalmente nos níveis local e regional. Outro dado interessante é o de que 25% das ecovilas brasileiras estudadas participam de conselhos municipais de meio ambiente e 22% participam de conselhos gestores de unidades de conservação. Ou seja, as ecovilas não são, via de regra, comunidades que buscam o isolamento, pois muitas delas procuram se engajar politicamente com as questões ambientais de suas regiões.

Essa participação de membros das ecovilas em arenas de discussão e deliberação com relação aos recursos naturais aumenta, nesses espaços, a pluralidade de conhecimentos e perspectivas com relação aos problemas ambientais (Plummer and Armitage, 2010). Os nichos têm o potencial de contribuir com perspectivas inovadoras, a partir de práticas e de experiências

concretas em seus sistemas ecológicos específicos. A valorização desses atores contribui para a possibilidade de soluções inovadoras para os problemas enfrentados.

Além das relações com o governo, também foi encontrado um alto número de relações entre ecovilas e outras iniciativas locais de suas regiões. Dessa forma, o nicho das ecovilas, no Brasil, embora crie “espaços protegidos”, não está isolado da sociedade. As ecovilas estão se engajando em relações com a sociedade mais ampla, principalmente com outros atores locais, governamentais e não-governamentais. Essas relações aumentam a possibilidade das ecovilas de influenciarem a cultura das regiões em que estão inseridas, já que as relações sociais – mesmo que informais – são canais de influência das organizações ambientalistas na sociedade (Saunders et al. 2014; Tindall, Harshaw, and Taylor 2011; Tindall and Piggot 2015).

Sugestões para estudos futuros

A partir da caracterização das ecovilas brasileiras, de suas práticas e de suas redes sociais realizada nesta pesquisa, estudos futuros podem caracterizar e comparar outras redes nacionais de ecovilas, para entender melhor como esse nicho se desenvolve em cada país. Pesquisadores interessados em difusão de inovações podem, também, explorar mais a fundo as redes transnacionais entre ecovilas para entender de que forma as inovações desenvolvidas por certas ecovilas se difundem e são adaptadas por ecovilas localizadas em diferentes regiões.

Outra linha de pesquisa que se desdobra deste estudo é a investigação dos processos de desenvolvimento e adoção de práticas sociais em outros nichos de inovação de base para checar se os processos identificados nesta pesquisa são únicos ao nicho das ecovilas ou se tratam-se de processos mais generalizados de inovação. A comparação com incubadoras tecnológicas que reforçam o modo de vida capitalista também pode iluminar as semelhanças e diferenças entre os processos de inovação e difusão de práticas alinhadas ao regimes dominantes e práticas que questionam esses regimes.

177 Com relação à difusão de práticas sociais sustentáveis na sociedade mais ampla, estudos futuros podem investigar o papel das normas sociais na manutenção de práticas insustentáveis em diferentes contextos sociais, de forma a identificar grupos e lugares com maior potencial para a promoção de práticas sociais sustentáveis. Outro campo interessante de pesquisa é o impacto da mídia na manutenção e/ou transformação de normas sociais e seu impacto na sustentabilidade.