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Neste capítulo apresento a análise dos principais resultados da pesquisa. No texto, procurei sempre relacionar os resultados obtidos com os conceitos e as lacunas da literatura dominante de marketing e estratégia apresentados no capítulo de revisão de literatura. A partir da análise das entrevistas e de informações de outras fontes, pude desenvolver o framework inicialmente proposto.

Considerando o objetivo desta investigação, escolhi três tópicos sobre os quais discorro neste capítulo. A seleção destes tópicos baseou-se: (a) em sua relevância para o desenvolvimento do framework inicial; (b) na existência de abordagens teóricas opostas; e (c) na possibilidade de impulsionar o avanço do conhecimento por meio do preenchimento de lacunas existentes na literatura dominante.

Em cada tópico procurei estabelecer um confronto entre as teorias relacionadas ao tema em questão e as evidências reunidas durante a investigação. Considerei tanto o posicionamento das teorias dominantes quanto aqueles entendimentos alternativos ao paradigma hegemônico.

Na elaboração da análise percebi com mais clareza algumas vantagens da opção metodológica adotada nesta pesquisa: o uso de casos polares de sucesso e fracasso (PETTIGREW, 1990). A tendência observada na área de administração de se estudar sempre casos de sucesso dificulta a percepção de aspectos não previstos pelas teorias dominantes.

Nesta pesquisa, questões pouco explicitadas no Caso S (sucesso) foram mais facilmente identificadas nos relatos do Caso F (fracasso). O caso de fraco desempenho mostrou-se essencial para que, no caso de sucesso, aspectos pouco abordados pela literatura pudessem ser reconhecidos. A diferença entre os desempenhos obtidos em cada um dos casos estudados demandou especial atenção. Esta diferença poderia interferir nos relatos, e,

eventualmente, promover variações na postura do entrevistado, que poderia mostrar-se defensivo, no caso de fracasso, e omitir pontos importantes, no caso de sucesso.

Com o objetivo de ampliar a compreensão do contexto em que ocorreram os casos estudados, além das informações especificamente relativas a eles, considerei também os comentários de caráter mais abrangente, relativos à empresa como um todo e a seu mercado de atuação. Este tipo de informação mais abrangente foi explicitamente demandado no início de cada entrevista, surgindo também espontaneamente durante os relatos.

Na primeira seção, concentro o foco da análise em aspectos do ambiente interno da organização, com poucas referências ao ambiente externo e ao papel do Estado, que serão discutidos nas seções seguintes. Comento as relações entre as diferentes áreas da empresa envolvidas com o design industrial e, a partir delas, procuro apontar algumas lacunas das literaturas dominantes em estratégia e marketing.

5.1 Design Industrial e Conflitos Intra-organizacionais

Diversos departamentos, áreas, ou funções de uma empresa estão envolvidos com a atividade de design industrial. De forma geral, as áreas47 com maior influência são marketing, P&D e engenharia de produção (Figura 7). Nesta pesquisa, a área de marketing representa a interface com o mercado; a área de P&D reúne as atividades de pesquisa e desenvolvimento de produtos e de tecnologias anteriores ao estágio produtivo; e a área de engenharia é a função responsável por todas as etapas de fabricação dos produtos da empresa. Ainda que grande parte da literatura dominante de estratégia e marketing não

47 A estrutura organizacional da empresa sofreu alterações ao longo do tempo; a alocação das

funções e a composição dos departamentos foi modificada mais de uma vez. Por esta razão, adotei o termo ‘área’ para identificar o grupo - a engenharia ou o marketing - em que cada entrevistado foi classificado, segundo suas prioridades e responsabilidades profissionais (ver Anexo 1).

reconheça, as diferentes prioridades de cada uma destas áreas podem promover a ocorrência de conflitos intra-organizacionais. (MUKHOPADHYAY & GUPTA, 1996).

Figura 7 – Áreas da empresa com maior participação na atividade de Design Industrial

Na Ergos, o design industrial depende tanto da atuação individual destas três áreas, quanto das ações resultantes da interação entre duas ou mais delas.

Eu acho que em muitas decisões, principalmente na parte industrial e de marketing, a gente tem que trabalhar em conjunto, pra saber quais produtos lançar e qual a capacidade que nós temos de produzir. – Diretor 2

Na disciplina de marketing, o conceito de OPM pressupõe que a empresa funciona em harmonia (MOORMAN & RUST, 1999), e os conflitos entre áreas não são reconhecidos. Segundo esta literatura, o cliente e a concorrência são os principais focos da organização. Na literatura de design industrial, as questões de mercado são comumente discutidas com base no conceito de OPM, ainda que não explicitado (ver, por exemplo, URBAN & HAUSER, 1993; DESIGN COUNCIL, 2002; IRIGARAY, 2004). Segundo estes autores, processos e

PESQUISA & DESENVOLVIMENTO

MARKETING PRODUÇÃO

DESIGN INDUSTRIAL

objetivos ligados ao design industrial são definidos pelas necessidades do cliente e pela oferta da concorrência.

As atividades de P&D da Ergos, dentre as quais se inclui o design industrial, passaram a ser desempenhadas pelo departamento de “Desenvolvimento de Produto”. Observa-se que o design industrial vem sendo deslocado na estrutura da empresa, aparentemente recebendo crescente influência da área de marketing.

O design de produtos está mais afinado com a área de marketing e não com a engenharia. – Gerente 3.

A atividade, que fazia parte das atribuições da engenharia, passou a estar submetida à diretoria de marketing, inserida nas responsabilidades do P&D. A engenharia não tem mais assento em reuniões estratégicas em que são discutidas questões ligadas a novos produtos, que são conceitualmente definidos por marketing:

... depois que é definido o produto pela equipe de marketing, ele é passado pra uma avaliação da diretoria industrial, junto com a diretoria de marketing, e nesse momento eu [engenheiro] estou participando. A responsabilidade dessas reuniões estratégicas de desenvolvimento de produto ficou com... o [gerente de P&D]. Eu participo numa segunda etapa, não na primeira etapa de desenvolvimento. – Gerente 3

Os relatos indicam a existência de um conceito bastante particular do design industrial entre os profissionais da empresa. Parece existir uma desassociação conceitual entre os aspectos técnicos do produto e o design industrial, restringindo este último às características estéticas do produto. Aparentemente, há um entendimento de que a ergonomia, o conforto e a durabilidade do produto não estão relacionados ao design industrial. Estes aspectos foram apontados como importantes atributos do produto no segmento em que a Ergos atua, e estão sob a responsabilidade da engenharia da empresa. Segundo os relatos: “marketing define a forma”, a “silhueta do produto” e a “engenharia torna este projeto possível em termos de produção”. Neste sentido, não haveria perdas significativas de relevância estratégica da área de engenharia ao deixar de ser responsável pelo design industrial.

O nosso produto precisa ser bonito, mas precisa ser: ergonômico, confortável, e durável. Eu colocaria em primeiro a ergonomia, depois vem a estética, o conforto, o conforto em segundo lugar, depois a estética. – Diretor 1.

5.1.1 Design industrial e conflitos na empresa investigada

Segundo Adler (1995), existe maior tendência à ocorrência de conflitos em processos organizacionais não rotineiros. Neste tipo de processo, tanto o nível de incerteza quanto a cobrança por resultados são mais elevados. Os casos estudados nesta pesquisa apresentam este perfil, pois consistem em processos de inovação, durante os quais ocorrem situações imprevistas, e nos quais há diversos parâmetros a serem definidos em conjunto pelas áreas envolvidas.

A escolha de casos polares possibilitou a identificação de diferenças significativas entre os relatos de cada caso selecionado, assim como a de um padrão nas referências feitas pelos entrevistados ao desempenho de outras áreas, ou a atividades realizadas em conjunto. A análise das entrevistas mostrou que, no Caso F, todos os relatos referentes ao desempenho de outras áreas apontaram algum tipo de conflito ou divergência. Em oposição, no Caso S, os relatos indicam uma aparente ausência de conflitos entre os envolvidos no projeto.

De forma geral, quando os entrevistados responderam a questões relativas à empresa, portanto não vinculadas ao sucesso ou fracasso, foram emitidos comentários tanto afirmando quanto negando a existência de conflitos. Este padrão nos alerta para uma possível tendência de que, em relatos de casos de sucesso, os eventuais problemas ocorridos não sejam mencionados, comprometendo os resultados da investigação.

Estas diferenças entre os relatos dos dois casos parecem indicar a influência do desempenho do produto sobre o conteúdo das respostas concedidas. Existe maior possibilidade de reconhecimento de conflitos quando há problemas de desempenho, com resultados desconfortáveis para todos os envolvidos, talvez como justificativa para o

fracasso. Em contraste, quando são alcançados bons resultados, é apresentada a imagem de uma relação harmônica entre as áreas.

Os fracos resultados do Caso F promoveram a formulação de críticas pelos entrevistados àquelas escolhas baseadas nas prioridades definidas por outras áreas. Um descontentamento geral com o desempenho alcançado foi claramente explicitado, inclusive por meio de um certo desconforto em comentar o caso, em contraste com a satisfação relativa ao caso de sucesso.

Isso eu sabia, porque como é uma história que não foi de sucesso, então as pessoas deixam pra lá. – Diretor 2, sobre a dificuldade de conseguir dados sobre o caso F. No Caso S, em que não foram explicitadas divergências, há uma aparente confirmação dos pressupostos das TBR e do conceito de OPM. Ambas as abordagens teóricas ignoram a existência de conflitos intra-organizacionais. Ainda que focadas em ambientes opostos, as duas linhas podem ser consideradas complementares. O valor das capacitações e recursos de uma empresa varia de acordo com sua adequação às características do mercado (HOOLEY et al, 2001), que, segundo os autores de OPM, são definidas pela oferta da concorrência e pelas necessidades do cliente (JAWORSKI & KOHLI, 1993). A singularidade das capacitações da empresa possibilita que ela seja capaz de superar a concorrência no atendimento aos desejos do consumidor, conquistando vantagens estratégicas.

Segundo os relatos obtidos, o bom desempenho do Caso S poderia estar associado a diferentes capacitações da empresa, incluindo o relatado entrosamento entre as áreas de marketing e a engenharia.

Começamos a quatro mãos a fazer a concepção do produto. Aí ele surgiu da maneira exata como está hoje. Feita essa concepção, passamos pra fase de criação, onde não teve grandes modificações, quase que o chamado produto feliz, você concebe, cria e executa sem grandes desvios. – Diretor 1, sobre o design industrial no Caso S.

Segundo um dos diretores, inicialmente foram identificados os atributos que o produto deveria ter, baseados naquelas características que “o produto que está no mercado não tem”

(Diretor 1). Somente mais à frente, a engenharia apontou a existência de empecilhos técnicos, modificando o design do produto para evitar “curvas impossíveis” (Diretor 1) de serem executadas com a tecnologia e materiais disponíveis. Os relatos ilustram a possível complementaridade dos conceitos de OPM e de capacitações, em um ambiente aparentemente harmônico.

O produto obteve bom desempenho no mercado e os entrevistados têm dificuldades em apontar erros e divergências neste caso. Eventuais problemas futuros no desempenho do produto poderão despertar diferenças que no atual quadro de sucesso permanecem em segundo plano, ignoradas pelas áreas envolvidas.

A perda de uma venda de alto volume relatada por vários entrevistados parece indicar um possível ponto de divergência.

Nós tentamos racionalizar ao máximo, tentamos viabilizar o produto, ficamos nós e mais um concorrente nosso, foi uma briga muito forte, mas não conseguimos. – Gerente 3, da área de engenharia.

Esta venda possibilitaria a entrada da empresa em um novo segmento de mercado, mas o elevado custo do produto impediu que o negócio fosse fechado. O custo do produto da Ergos é mais alto do que o do concorrente por diferentes razões, mas principalmente devido ao material adotado pela engenharia, um aço especial. A área de engenharia escolheu o material que melhor atendia a seus parâmetros e aos definidos pela área de marketing, mas esta escolha poderá gerar conflitos se passar a representar dificuldades para outras áreas.

O custo final do produto não foi explicitado nos relatos como um ponto de divergência, mas representa um conflito latente, que poderá emergir no futuro, entre a área de vendas e as áreas envolvidas com o design industrial. A perda de outros negócios poderá ser associada ao custo do produto, que estará prejudicando os profissionais da área de vendas no alcance de suas metas.

Especificamente neste caso, que envolve um segmento para o qual a Ergos não possuía um produto específico, é possível falar de conquista de mercado, principalmente quando consideramos seu porte diante dos demais concorrentes. No segmento de mobiliário para escritórios, quanto mais amplo o portifólio de produtos disponibilizados, maior se torna a possibilidade de que a empresa exerça algum tipo de controle sobre o mercado.

O importante como empresa de móveis é ter a maioria ou a grande maioria das opções das necessidades do cliente, (...) um portifólio que atende a todas as necessidades dele impede que ele corra na concorrência para procurar outro produto. - Diretor 1, sobre o Caso S.

A Ergos tem um faturamento muito superior ao de suas concorrentes (praticamente quatro vezes a receita das empresas que ocupam as posições seguintes no mercado). A empresa detém razoável poder de influência sobre as tendências e práticas de mercado, além de ser capaz de estabelecer parcerias mais equilibradas com os fornecedores da cadeia. Apesar de importante para a compreensão da dinâmica dos mercados, este tipo de questão não costuma ser considerado pela literatura dominante de estratégia e marketing.

A empresa está presente em todo o país, outro recurso capaz de gerar vantagens estratégicas. Segundo alguns entrevistados, sua ampla rede de distribuição e assistência técnica, ou seja, de serviços pós-venda, tem importante influência sobre o desempenho da empresa.

Ele (o cliente) precisa ter um atendimento próximo, é a primeira coisa, por incrível que pareça. Ele quer ser bem atendido no quesito reposição, assistência técnica (...) Esse serviço, o nosso cliente sabe que tem. – Gerente 1.

Então, o que eu vejo do sucesso é isso, porque nós temos representantes em todos os estados (...) E todos os estados têm uma assistência técnica (...) Esse pós-venda é que faz com que a empresa fique sempre na liderança. – Gerente 2.

A disponibilização nacional e a qualidade dos serviços pós-venda são apontadas pelos gerentes como elementos relevantes na decisão de compra do cliente. Considerando esta importância do pós-venda, o design industrial deve prever a simplificação da execução

destes serviços. Além de atender às demandas apresentadas por marketing e adequar-se à estrutura produtiva existente, torna-se relevante que o design considere também a simplificação e a redução de custos do atendimento pós-venda. Resistência e durabilidade, facilidade de desmontagem e remontagem do produto, e número e variedade de componentes passam a ser atributos mais relevantes.

O pós-venda é tão importante quanto a venda inicial, talvez até um pouco mais interessante. Por que? Aí sim é que você vai tirar todas as dúvidas do cliente, quando forem várias unidades, em um departamento grande... Aí então o cliente fala: “Puxa vida, acertei nessa compra.” – Gerente 4

A ocorrência de conflitos entre as áreas envolvidas com o design industrial parece tornar-se ainda mais previsível, já que os parâmetros do pós-vendas também aparentam assumir importância estratégica para a Ergos. Por serem coordenadas pela diretoria industrial, estas atividades posteriores à compra do produto representam uma possível fonte de divergências entre o marketing e a engenharia. O foco na simplificação da prestação destes serviços representa alterações nas prioridades do design industrial, eventualmente comprometendo características importantes para a área de marketing. Decisões voltadas para o mercado que aumentem a complexidade do pós-venda poderão despertar conflitos internos, pois resultarão em maiores dificuldades para seu gerenciamento pela área responsável.

Nos relatos do Caso F, é possível identificar conflitos e divergências com maior clareza. Em diferentes entrevistas foram feitas críticas ao desempenho de outras áreas. A Figura 8 mostra alguns trechos extraídos dos relatos nos quais os entrevistados apontam erros cometidos no decorrer do projeto. A ausência de autocríticas da área de marketing parece confirmar a influência da literatura de marketing sobre o discurso dos praticantes da área apontada por Faria & Wensley (2002). O conceito de OPM coloca a estratégia de marketing como principal diretriz da empresa, com o pressuposto de que as demais áreas deverão seguir suas prioridades.

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