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CRÍTICAS SOBRE A ENGENHARIA 48 SOBRE O MARKETING

6 CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES FINAIS

Este trabalho teve como objetivo investigar de que forma o design industrial é utilizado como fonte de vantagens estratégicas por uma grande empresa brasileira. Desenvolvi a pesquisa com base em dois casos polares de desenvolvimento de produtos, um de sucesso e outro de fracasso. A abordagem mais ampla que adotei na análise dos resultados possibilitou a identificação de alguns aspectos pouco discutidos na literatura dominante de estratégia e marketing. Alguns destes aspectos estão presentes em trabalhos de autores que adotam perspectivas alternativas, como o macro-marketing, na área de marketing, e a abordagem sistêmica, na área de estratégia.

6.1 Conclusões da Análise

6.1.1 Conflitos intra-organizacionais e design industrial

A relação entre as duas áreas envolvidas com o design industrial na empresa - a engenharia e o marketing – não se caracteriza pela harmonia apontada pelos autores de OPM e das TBR. A investigação do caso F possibilitou a identificação de divergências entre essas áreas. Foram emitidas críticas pelos profissionais de ambas as áreas, relacionadas às prioridades e ao desempenho da outra área. No caso S este tipo de divergência não foi expresso com tanta clareza, o que indica a importância de que pesquisadores atentem para possíveis distorções dos resultados de estudos baseados exclusivamente em casos de sucesso. Na análise dos relatos dos profissionais das áreas da empresa envolvidas com o design industrial, verifiquei que o design industrial foi mais comumente associado a aspectos privilegiados pela área de marketing, em geral voltados para o ambiente externo da empresa. Em diversos trechos destes relatos foi possível identificar a associação do termo design a questões estéticas, de estilo. O conceito de design industrial expressado pela maior parte dos

entrevistados não parece englobar aspectos importantes como ergonomia, conforto, segurança, custos ou simplicidade de produção, apesar de se tratar de questões valorizadas na empresa. De forma geral, os aspectos técnicos relacionados ao projeto de produtos industriais não parecem ser associados ao conceito de design industrial assumido pelos entrevistados. Num segmento como esse, em que os aspectos técnicos são considerados estratégicos, e valorizados por marketing como forma de atender às ‘necessidades do cliente’, este tipo de entendimento tende a dificultar a percepção do design industrial como fonte de vantagens estratégicas.

Em complemento a essa observação, é importante apontar a falta de regulamentação da profissão de designer no Brasil. O exercício da atividade é permitido para pessoas com qualquer formação acadêmica (ou mesmo sem formação), o que parece contribuir para a ocorrência de compreensões equivocadas do significado do design industrial e de sua importância estratégica. Acrescenta-se ainda a falta de conhecimento de outras áreas - como a própria administração e a engenharia - sobre a abrangência e a importância do design industrial como fonte de vantagens estratégicas.

6.1.2 A configuração dos mercados

Na seção em que apresentei uma análise da configuração do segmento de atuação da Ergos foram discutidos dois principais aspectos: a influência das ações do governo sobre a configuração do segmento de móveis para escritório e a possibilidade de influência da empresa líder sobre seu mercado de atuação.

A influência de decisões de governo sobre a dinâmica da concorrência não costuma ser considerada pela literatura de estratégia e marketing. Na investigação que realizei tornou-se claro que as questões políticas e econômicas não deveriam ser excluídas do escopo dessas disciplinas. As decisões tomadas na esfera pública foram importantes influenciadoras dos

movimentos de entrada e saída das grandes concorrentes estrangeiras no mercado brasileiro, com importantes conseqüências para a empresa investigada. A abertura econômica promovida pelo governo brasileiro - combinada à desvalorização da moeda nacional - atraiu essas empresas. Alguns anos depois essas mesmas empresas optaram pela retirada do mercado; num primeiro momento devido à alteração da política cambial e, em seguida, como resultado dos ataques terroristas às torres gêmeas, em Nova Iorque. As alterações da dinâmica da concorrência no segmento de móveis para escritório sofreram, nos últimos quinze anos, uma significativa influência das decisões tomadas no âmbito público.

O papel a ser desempenhado pelo Estado em mercados com uma configuração semelhante à do segmento de móveis para escritório inclui tanto a proteção da concorrência interna, quanto o apoio à líder do segmento, que mostrou ser a única com capacidade para enfrentar as multinacionais estrangeiras. Este tipo de reconhecimento torna-se ainda mais relevante na atual configuração dos mercados globais, com a indústria chinesa tornando-se uma ameaça cada vez mais séria ao crescimento das empresas brasileiras.

No mercado interno, a Ergos ocupa uma posição de liderança bastante confortável no segmento estudado. A diferença de porte e de know how entre a empresa e suas concorrentes possibilitou que ela assumisse um papel de maior relevância na elaboração das normas técnicas voltadas para os produtos do segmento. A empresa foi uma das maiores beneficiadas com a implementação deste tipo de parâmetro, já que sempre orientou sua produção pelas normas DIN, nas quais se basearam parte das normas brasileiras. A adoção de normas da ABNT como parâmetro de escolha em editais públicos e compras de grandes empresas bloqueia o acesso a este tipo de negócio por empresas menores. A literatura de OPM e as TBR não consideram possível a interferência de grandes empresas no mercado, e entendem que elas assumem um papel exclusivamente reativo com relação aos clientes e à concorrência. Alguns autores (ver Harris, 2002 e Faria, 2006) vêm investigando o poder de

grandes corporações sobre a configuração de mercados, mas ainda há muita pesquisa a ser feita com este objetivo.

6.1.3 Estado e design industrial

A última questão que apresentei na análise de resultados identificou uma possível relação entre a ausência de proteção da propriedade intelectual no Brasil e o ainda baixo investimento em design industrial no país. Como solução para a ineficiência do Estado, as empresas passam a proteger os investimentos feitos em design industrial por meio da implementação de práticas alternativas, como aquelas descritas na análise, desenvolvidas pela Ergos, com base em sua capacitação tecnológica e em seu poder econômico-financeiro. A ineficiência do Estado com relação a este aspecto prejudica especialmente aquelas empresas de menor porte, que não contam com os mesmos mecanismos que uma grande empresa, como a Ergos, pode utilizar como proteção para os investimentos feitos em design industrial. A cultura da cópia e do plágio parece ser fortalecida por estas circunstâncias, posto que não há punição para aqueles que se utilizam desta prática. As discussões de políticas voltadas para o desenvolvimento do design industrial deverão contemplar este problema, que parece afetar diretamente o retorno do investimento em design industrial feito pelas empresas e pelo próprio Estado.

6.2 Contribuições do estudo

6.2.1 Para a academia

A ausência das questões apontadas na conclusão deste trabalho na literatura dominante de estratégia e marketing confirma a escassez de pesquisas que reconheçam o design industrial como fonte de vantagem estratégica. Além disso, a abordagem adotada, que inclui agentes

pouco considerados por este tipo de literatura, possibilitou a identificação de aspectos relevantes para a área de administração, indicando a importância de que pesquisadores busquem ampliar a visão de mercado adotada em suas pesquisas. É possível encontrar trabalhos de pesquisa que assumem posições similares, comumente elaborados por autores que adotam o macro-marketing e a abordagem sistêmica, perspectivas ainda pouco estruturadas. Esta pesquisa procurou contribuir para a identificação de questões pouco investigadas, promovendo o aumento do conhecimento na área, aproximando a pesquisa acadêmica da realidade do praticante e oferecendo novas possibilidades de investigações acadêmicas no futuro.

6.2.2 Para os praticantes

Nesta pesquisa apontei questões da realidade das empresas pouco reconhecidas pela literatura acadêmica, aproximando-a da necessidade dos praticantes e estimulando o desenvolvimento de novas investigações do tema. A estruturação de um conhecimento baseado na prática das empresas pode contribuir para o desenvolvimento da administração, oferecendo novas perspectivas para o uso do design industrial como fonte de vantagens competitivas, que poderão fortalecer as empresas nacionais.

No caso específico da empresa investigada, a ampliação do conceito de design industrial, passando a incluir seus aspectos técnicos pode promover maior compreensão de seu uso estratégico.

O conhecimento sobre o verdadeiro nível de uso do design industrial como fonte de vantagens estratégicas no Brasil ainda se mostra bastante incipiente. Ao reconhecer a influência do Estado sobre a dinâmica dos mercados, este trabalho apontou algumas questões relacionadas ao tema - como o problema da propriedade intelectual - que podem (e devem) ser objeto de políticas públicas voltadas ao apoio do desenvolvimento do design industrial no Brasil. É importante ainda apontar a questão do papel do Estado em mercados assimétricos, nos quais é preciso implementar diferentes iniciativas para seu desenvolvimento, cada uma considerando as diferentes necessidades das empresas atingidas.

6.3 Sugestão de pesquisas futuras

Considerando as conclusões da análise de resultados, identifiquei algumas pesquisas que poderão contribuir futuramente para o avanço do conhecimento nas áreas de administração e do design industrial:

a. Análise dos resultados do Programa Brasileiro de Design - mais especificamente das ações de apoio à indústria moveleira – com o objetivo de verificar seus resultados efetivos, reconhecer as dificuldades enfrentadas e sugerir novas formas de atuação, considerando o contexto em que atuam as empresas brasileiras dessa indústria;

b. Estudos do processo de elaboração de normas técnicas pelos comitês da ABNT, que busquem avaliar em que medida as mesmas são criadas para atender às necessidades do cliente, e/ ou aos interesses específicos das empresas envolvidas;

c. Investigações com foco no design industrial que considerem a questão da marca e procurem verificar sua influência sobre o design industrial;

d. Pesquisas sobre o uso do design industrial como fonte de vantagens estratégicas em outros setores da economia, incluindo também empresas multinacionais, e que possam servir

como subsídio ao Estado para a implementação de políticas públicas setoriais voltadas ao desenvolvimento do design nacional;

e. Investigações que, ao reconhecer o poder exercido sobre os mercados pelas grandes empresas, procurem compreender o uso estratégico que essas organizações fazem do design industrial e suas implicações para a esfera pública.

6.4 Limitações da pesquisa

A presente pesquisa assumiu um caráter exploratório, com uma abordagem ampla, na qual pude considerar alguns aspectos pouco reconhecidos pelas literaturas de estratégia e marketing. Além dos tópicos apresentados neste relatório, outros temas foram identificados nos relatos coletados, porém mostrou-se necessário selecionar aqueles com maior relação com o objetivo dessa pesquisa. Assim sendo, devem ser apontadas algumas limitações do estudo, resultantes de sua abordagem ampla, da multi-disciplinaridade do design industrial e da complexidade de determinados conceitos relacionados ao objeto da pesquisa:

a. Ainda que sejam questões comumente relacionadas com o tema do design, nesta pesquisa não tive como propósito investigar os conceitos de marca e de imagem de produto, ou aspectos ligados ao comportamento do consumidor;

b. O segmento de móveis para escritório é pouco estruturado, e não existem muitas fontes confiáveis para a obtenção de dados secundários. A grande maioria dos dados é encontrada em estudos focados na indústria moveleira em geral, por isso não trazem informações específicas sobre o segmento;

c. Neste estudo não pretendi investigar o processo de desenvolvimento de produto, o foco principal da investigação realizada foi o design industrial;

d. Nesta pesquisa não pretendi elaborar qualquer tipo de análise do Programa Brasileiro do Design, ou de qualquer outro programa de governo. A importância deste

trabalho para a Administração Pública reside no reconhecimento da interface entre as esferas pública e privada, incluindo a influência mútua entre as duas;

e. Por abranger os conceitos presentes na literatura dominante e também abordagens alternativas de três diferentes disciplinas (desenho industrial, marketing e estratégia), não foi possível aprofundar a discussão dos conceitos específicos de cada uma delas neste trabalho.

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