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5. ANÁLISE: construção de sentido em memes baseada em frames

5.2 Análise de meme de viés progressista

Figura 17: meme 3

Fonte: Facebook56

56 Disponível em <https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1657072507741791&id=5

Figura 18: comentários sobre o meme 3

Fonte: Facebook57

O Meme 02 é montado a partir de uma fotografia de Julius Rock, famoso personagem do seriado norte-americado de TV Everybody hates Chris, produzido pela Paramount Television (“Todo mundo odeia o Chris”, versão brasileira Estúdio VTI), que tem dois vínculos empregatícios para sustentar sua família no carente Brooklin (bairro novaiorquino, EUA), nos anos 1980. Verbalmente, temos uma confrontação estabelecida entre “ser de direita” e “precisar dois empregos para fazer pose para a sociedade”.

Tal confrontação se sustenta no fato de, em tese, Conservadores – por serem liberais na perspectiva econômica – serem bem sucedidos e, ocupando um cargo de comando e de exploração do trabalho do outro, exercerem uma função de

57Disponível em <https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=1657072507741791&id=5 66577393457980>. Acesso em 11 mai. 2018.

menos esforço – pelo menos esforço físico – do que alguém que está na outra ponta de uma empresa, isto é, o proletariado, o qual precisa se esforçar bem mais (tendo dois vínculos empregatícios) para ter acesso a bens de consumo. Assim, é estabelecida uma relação irônica entre o insucesso profissional no sistema econômico apregoado por conservadores liberais brasileiros, o qual remete ao CAPITALISMO, e o

fato de ter um só emprego não ser suficiente para ostentar poder aquisitivo (“fazer pose para a sociedade”), ação que consiste em uma prática comum no mundo capitalista, em que os signos de consumo58 são distintivos de classe.

Quanto a dimensão conceptual básica do frame, temos a evocação do conceito CAPITALISMO, o qual é ativado pela pista linguística “direita”, visto que ser de

direita, desde os girondinos, é ser capitalista (acúmulo de capital e propriedade privada) e liberalista (perspectiva econômica de Estado mínimo). Essa ativação conceptual é importante para esse meme exatamente para que se possa estabelecer o contraste entre as duas realidades apresentadas, na visão do autor, (i) ser de direita e (ii) ter que trabalhar exaustivamente para conseguir os bens de consumo – os quais permitiriam ao cidadão “posar para a sociedade” – “prometidos” pela ideologia capitalista. Nesse ínterim, a imagem do trabalhador Julius não é empregada de modo arbitrário, mas sim para ativar frames como TRABALHO, BAIXA REMUNERAÇÃO, SUBSERVIÊNCIA.

58 Signos de consumos são produtos, serviços e práticas que representam um custo distintivo para o usuário, de modo que só quem tem acesso a signos de consumos são membros de uma parcela ínfima da população brasileira e mundial (cf. BAUDRILLARD, 1995).

Figura 19: representação em grafo do esquema-I CAPITALISMO evocado no Meme 3

Fonte: autoria própria (2020).

A Figura 19 representa a relação estabelecida entre os conceitos, a qual é organizada a partir de experiências resultantes do esquema de CONTÊINER. Vale dizer

que essa elaboração é resultado dos frames evocados no meme 2, bem como nos frames acionados pelos compreendedores, expressos nos comentários. Assim, percebe-se que o frame CAPITALISMO aciona aspectos positivos e negativos do

conceito. Porém, os aspectos positivos acionados são expressos na perspectiva de que a população, em geral, não tem acessos a esses aspectos positivos, como ‘ser rico’ e ‘ostentar’, por exemplo.

A partir da imagem de Julius é possível observar a integração de frames, visto que esse indexador evoca tanto o personagem da série quanto a ideia de proletário no mundo capitalista, ideia a qual, por sua vez, está contida no conceito de

CAPITALISMOapresentado pelo autor do meme. Observa-se, no texto em foco, que há

uma projeção metonímica de contiguidade, visto que precisar de emprego é não ser capitalista: o trabalhador não detém o capital, ele o produz para o capitalista. Portanto,

Capitalismo Direita política Ostentação Regime exaustivo de trabalho Subserviente Baixa remuneração Trabalhador Desemprego “Liso” “Machão” Rico Dependente do governo Programas de assistência social Alienado Insatisfeito

o trabalhador no mundo capitalista não é um capitalista. O grafo seguinte expressa a integração de frames estabelecida no meme em tela:

Fonte: autoria própria (2020)

É possível perceber que o foco desse meme é o TRABALHADOR, destacado

pela própria figura de Julius Rock. Assim, são expressas nesse meme características desse trabalhador, como estar sujeito a uma carga horária de trabalho excessiva – a partir da famosa expressão “dois empregos”. Vale salientar que, no contexto da série evocado pela imagem do personagem Julius, um emprego é no período diurno, enquanto o outro se dá no período noturno. Então, o personagem tem apenas o intervalo entre um emprego e outro para descansar. Outro aspecto do trabalhador é a

INSATISFAÇÃO, a qual é acionada a partir de uma informação não linguística: a

expressão facial do personagem não denota alegria ou satisfação, mas sim algum tipo de sentimento negativo, como desagrado, raiva, frustração etc.

Capitalismo Direita política Ostentação Regime exaustivo de trabalho Subserviente Baixa remuneração Trabalhador Desemprego “Liso” “Machão” Rico Dependente do governo Programas de assistência social Alienado Insatisfeito

Figura 20: representação em grafo da integração de frames

Todo mundo odeia o Chris

Chris

Nos comentários, esse trabalhador do sistema capitalista é caracterizado, no primeiro comentário, como alienado59, “liso” e alguém que quer pagar de “machão rico”. Ou seja, é alguém que não tem acesso aos bens de consumo difundidos pelo capitalismo, mas que tenta OSTENTAR. O conceito ALIENAÇÃO é evocado pelas pistas

linguísticas “babacas desempregados que se dizem de ‘direita’”, porque, nesse contexto, capitalista (ou “de direita”) é aquele que detém o capital, o que não é o caso do proletariado. Porém, segundo as informações evocadas pelo comentário – as quais se coadunam com o que postula Marx (2015) –, é alienado o trabalhador que não sabe que, não detendo os meios de produção, não deterá o capital, logo, seu trabalho gera capital para outrem.

Em sentido inverso aos outros comentários, o terceiro comentário mais relevante apresenta ideia contrária à expressa no meme e nos outros comentários. Nele, o autor parabeniza aqueles que se sacrificam em uma carga horária exaustiva e, ainda, adiciona uma nova informação, em que se lê “e não depende de ninguém, principalmente de bolsa esmola”. Baseando-se na noção de frame moral (LAKOFF, 1995), para esse compreendedor, é imoral gerar custo ao Estado, sendo moral, portanto, não depender deste. Tal afirmação é feita a partir da alusão ao Programa Bolsa Família60, o qual ele intitula “bolsa esmola”.

Outra dimensão importante do frame é o roteiro, neste caso, evocado por uma pista extralinguística. Isso porque o personagem que protagoniza o pai do Chris, o homem que tem dois empregos, aparece com um macacão em que estão bordados um patch com seu nome e outro com o logo de uma das empresas na qual ele trabalha. Nessa dimensão do frame, estar com uma farda de trabalho implica ser apto para desenvolver uma atividade laboral. Na imagem, ele aparece de costas para a

59 Para Marx (2015), as relações de classe são alienantes, pois o trabalhador assalariado se encontra em uma posição de barganha desigual perante o capitalista (empregador). Dessa forma, o capitalista consegue dominar a produção e o trabalhador. O autor em questão considera o trabalho a mais importante expressão da natureza humana, de modo que quando o homem perde o controle sobre ele, entra em um processo que conduz a sociedade a uma ordem social alienada: desigualdade crescente, pobreza em meio a plenitude e antagonismo social.

60 Trata-se de um programa de transferência direta de renda, direcionado às famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País, de modo que consigam superar a situação de vulnerabilidade e pobreza. Tal política busca garantir a essas famílias o direito à alimentação e o acesso à educação e à saúde. Em todo o Brasil, mais de 13,9 milhões de famílias são atendidas pelo Bolsa Família, segundo informações da Caixa Econômica Federal (agência responsável por gerenciar tal programa).

porta de entrada de sua casa e de frente para a rua, o que leva o compreendedor a entender que ele está indo para o trabalho, e não chegando, ida que não parece ser agradável ao se considerar a expressão facial dele.

Seguindo esse roteiro de ida ao trabalho, considerando, agora, a dimensão moral desse frame, pode-se dizer que, quando se trabalha, se GASTA energia, esforço;

ao mesmo tempo que em que recesso significar REPOR, receber de volta, as energias

desgastadas com o trabalho. Sabendo que o frame moral se baseia na moral de bem- estar, a qual diz que GANHAR é moral e PERDER é imoral, sair de casa para trabalhar,

para investir, deixar de ter, PERDER disposição física afeta a dimensão moral do frame

porque viola o bem estar. Isso nos leva, ainda, a um ponto em que a acepção de moralidade entra em conflito, quando: i) não se pode reclamar da ida ao trabalho, pois trata-se de uma oportunidade de receber dinheiro no final do mês: e ii) esgotar-se fisicamente na labuta não é uma atividade a qual gera bem-estar.

Esse comentário, que se contrapõe à ideia do meme 02 e dos demais comentários, evoca a dimensão social do frame. Quando se fala em independência, acionamos uma construção social a qual indica que o ser humano caminha para independência: à medida que os anos passam, o indivíduo fica cada vez mais independente até não precisar mais dos pais. Logo, se esse indivíduo é dependente, ele não evoluiu como se esperava. Nesse conceito, o frame social FAMÍLIA serve de

base para o entendimento de que o Estado é o RESPONSÁVEL, assim como os pais, pelo

indivíduo, de modo que não é moral gerar custos ou despesas aos pais – ou, ao Estado – quando se atinge a idade adulta, quando se faz parte da população economicamente ativa

Os comentários, por sua vez, estão mais relacionados aos eventos descritos do que aos frames conceptuais ativados pelo texto: enquanto o meme 02 se concentra na confrontação apresentada, os comentários focalizam exemplos em que o trabalhador precisa se esforçar muito mais do que deveria para ter o mínimo. Assim, trabalhadores que se dizem “de direita” são caracterizados por itens e expressões lexicais como “babacas desempregados” e “lisos”61. As realidades acionadas por esses itens lexicais evocam faces do próprio capitalismo: desemprego e desigualdade

social, respectivamente. Nessa perspectiva, o meme chama atenção para o fato de o proletariado, que se declara como sendo de direita, não ter acesso aos bens de consumo “oferecidos” pelo próprio sistema capitalista.

Um dos inputs da integração conceptual não pesa diretamente nas leituras realizadas pelos usuários expostas nos comentários, a saber, a imagem de fundo que apresenta a figura do personagem Julius Rock. Esse input evoca um evento da série supracitada. Nenhum dos comentários, por sua vez, entra nesse mérito, os quais tratam apenas do input apresentado linguisticamente. Tal fato se observa no primeiro comentário, em que o usuário diz “babacas desempregados”, no qual se observa que ele acionou apenas o evento – o fato de o personagem destacado ter que trabalhar muito; e o segundo que diz “tem funcionário público que nunca trabalhou na iniciativa privada”, afirmando que aqueles que trabalham na rede privada jamais deveriam apoiar o fato de a sua mão de obra gerar renda para o detentor do capital, não para si próprio, o que também aciona o evento de o personagem trabalhar desgastantemente na iniciativa privada.

Figura 21: meme 4

Fonte: Facebook62

62 Disponível em: <https://www.facebook.com/capitalistasemcapital/photos/a.5674498500374

Figura 22: comentários sobre o meme 4

Fonte: Facebook63

No meme em questão, não há nenhuma informação linguística o acompanhando na publicação no Facebook. Subscrito à imagem, na parte superior, consta “tem que matar uns 30 mil!!!”, célebre frase de Jair Bolsonaro, então deputado pelo Partido Social Cristão-RJ, enunciada em entrevista concedida ao programa Câmera Aberta, da TV Bandeirantes, em 1999. Essa frase se referia a, na opinião do hoje Presidente do Brasil, “inimigos do Brasil”. A ideia expressa na ocasião era a de que, nas palavras de Bolsonaro, para o Brasil melhorar, era preciso morrer ainda trinta mil, terminar o que a ditadura não tinha realizado.

Na parte inferior do meme, a informação linguística presente é “mas primeiro preciso pegar de volta a pistola que perdi pro (sic) assaltante nóia. Perai tá ok?”. Aqui há uma alusão ao fato de Bolsonaro, entusiasta de políticas de armamento armamentícias, não ter sido capaz de se proteger de um assalto, mesmo estando armado.

As pistas linguísticas desse meme evocam, preliminarmente, dois frames de evento. Em primeiro lugar, temos, numa ENTREVISTA, um entrevistador, que, nesse

63 Disponível em: <https://www.facebook.com/capitalistasemcapital/photos/a.56744985003

caso ocupa um papel de menor importância para essa construção de sentido; um

ENTREVISTADO, que na entrevista em questão é Jair Bolsonaro; e aquilo que é dito pelo ENTREVISTADO, a RESPOSTA. Esse evento evocado traz à tona as pistas linguísticas

“matar 30 mil” (subversores, para ele bandidos), que por sua vez evoca a dimensão conceptual básica MATAR BANDIDO, conceito que evoca os frames conceptuais básicos CORAGEM, BRAVURA, INICIATIVA.

O segundo evento suscitado traz à tona o fato de Bolsonaro não ter conseguido reagir a uma situação de assalto, mesmo estando armado. Situação essa em que não somente levaram sua moto como também levaram a sua arma. Esses dois eventos são importantes para a construção de sentido porque, emparelhados, apresentam uma contradição entre aquilo que é dito e aquilo que é praticado por Bolsonaro.

No comentário mais curtido, lê-se “‘mas o sr (sic) ja (sic) matou alguém? - N’, é liberal mas ‘n (sic) empreende pq (sic) so (sic) da (sic) preju (sic)’, quer estado minimo (sic), mas mama no estado (sic) ha (sic) 30 anos... farsante nojento”. Nesse internauta, o meme evoca outros frames de evento os quais são, para ele, contraditórios entre si. No final do comentário, a partir do adjetivo pejorativo atribuído ao indivíduo em foco, é possível perceber que a moralidade é não ser demagogo, é praticar aquilo que diz. O mesmo valor moral pode ser verificado no segundo comentário, no qual o usuário apenas atribui adjetivos pejorativos a Bolsonaro, onde se lê “traste, encantador de crianças e analfabetos funcionais”. Há, ainda, uma crítica aos eleitores de Jair Bolsonaro, os quais são classificados de “crianças” e “analfabetos funcionais”.

Por último, o terceiro comentário mais relevante, segundo os critérios do Facebook, diz “a pistola foi recuperada no outro dia ... Ta (sic) mau (sic) de informação essa página!”. Aqui se verifica que a pista linguística “pistola”, a qual evoca a o frame conceptual básico ARMA, é mais saliente para esse usuário, que afirma, ainda, que a

página está divulgando informações inconsistentes. Numa relação de contiguidade, o esquema-I ARMA evoca, a partir de experiências resultantes do esquema de CONTÊINER,

o conceito de DEFESA PESSOAL. Considerando a dimensão moral do frame, é possível

associar essa preocupação ao conceito de “pai severo”, uma das bases para a noção de moral conservadora.

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