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Entre socialistas de iPhone e capitalistas sem capital: análise da construção de sentidos em memes baseada em frames

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGUEM

LEONARDO MEDEIROS DA SILVA

Entre “Socialistas de iPhone” e “Capitalistas sem capital”:

análise da construção de sentidos em memes baseada em frames

NATAL-RN MAR. 2020

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Entre socialistas de iPhone e capitalistas sem capital:

análise da construção de sentidos em memes baseada em frames

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem – Área de Concentração: Linguística Teórica e Descritiva – Linha de Pesquisa: Discurso, Interação e Cognição – como requisito para obtenção do título de doutor.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Henrique Duque

NATAL-RN MAR. 2020

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Aos pretos e às pretas que não puderam estudar,

À vovó Cida,

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proeminentes das redes sociais, o meme. Sabendo que meme representa um grande número de fenômenos típicos da internet, o tipo de meme objeto desta análise é o constituído por elementos verbais e não verbais, mais precisamente memes que tratam a respeito de “política” – ou, pelo menos, do que os usuários entendem por política –, na rede social Facebook. O ponto de partida para este trabalho é que essa categoria discursiva, massivamente presente na vida dos brasileiros, apresenta elaborados recursos para construção de sentido, os quais foram investigados a partir da análise de frames acionados por compreendedores dos memes. Para tanto, além de memes, os comentários sobre os memes também foram levados em consideração exatamente para que se possa verificar quais recursos foram empregados para a construção de sentido. Para que fosse possível desenvolver essa análise, o aporte teórico do presente trabalho situa-se no campo da Linguística Cognitiva, mais precisamente na concepção Ecológica de linguagem e cognição, de acordo com a qual a interação do organismo com o ecossistema é o ponto inicial do desenvolvimento cognitivo (DUQUE, 2015b; 2016; 2017; 2018). Nessa visão, é na interação social que a construção linguística do sentido entra em cena. Do ponto de vista metodológico, duas páginas do Facebook foram selecionadas, a saber “Socialistas de iPhone” (de cunho mais conservador) e “Capitalistas sem capital”, as quais foram selecionadas sob o critério de maior relevância para os usuários (maior quantidade de curtidas). Feita essa seleção, os recursos para construção de sentido, os tipos de frames evocados, são comparados entre as duas perspectivas políticas citadas. Aplicada essa metodologia, percebeu-se que memes conservadores e progressistas utilizam-se de recursos utilizam-semelhantes para construção de utilizam-sentido, como algumas dimensões específicas do frame, bem como confrontação entre teoria apregoada e prática de indivíduos conservadores e capitalistas, por exemplo. Com este trabalho, espera-se contribuir para os estudos que consideram a cognição como resultado da interação mente-corpo-ecossistema, bem como para a análise baseada em frames de processos de construção de sentido em memes.

Palavras-chave: Linguística Cognitivo Ecológica. Construção de Sentido. Frames.

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destacadas de las redes sociales, el meme. Sabiendo que el meme representa una gran cantidad de fenómenos típicos de Internet, el tipo de meme objeto de este análisis es el que consiste en elementos verbales y no verbales, más precisamente memes que tratan – lo que los usuarios quieren decir con – “política”, en Red social de Facebook. El punto de partida para este trabajo es que esta categoría discursiva, masivamente presente en la vida de los brasileños, presenta recursos complexos para la construcción de significado, que fueran investigados a partir del análisis de frames desencadenados por los comprensores de memes. Para este propósito, además de los memes, los comentarios sobre los memes también se fueran en cuenta exactamente para que sea posible verificar qué recursos se utilizaron para la construcción del significado. Para poder desarrollar este análisis, la contribución teórica del presente trabajo se ubica en el campo de la Lingüística Cognitiva, más precisamente en la concepción ecológica del lenguaje y la cognición, según la cual la interacción del organismo con el ecosistema es el punto de partida de desarrollo cognitivo (DUQUE, 2015b; 2016; 2017; 2018). En este punto de vista, es en la interacción social donde entra en juego la construcción lingüística del significado. Desde el punto de vista metodológico, se seleccionaron dos páginas de Facebook, una de naturaleza conservadora y otra de naturaleza progressista, bajo el criterio de mayor relevancia para los usuarios (mayor cantidad de me gusta). Una vez realizada esta selección, los recursos para construir el significado, los tipos de frames evocados, se comparan entre las dos perspectivas políticas mencionadas. Los memes conservadores y progressistas usan recursos similares para construir el significado, como algunas dimensiones específicas del frame, así como la confrontación entre la teoría y la práctica promovida por individuos conservadores y capitalistas. Con este trabajo, se espera que contribuya a estudios que consideren la cognición como resultado de la interacción mente-cuerpo-ecosistema, así como al análisis basado em frames de procesos de construcción de significado en memes.

Palabras clave: Lingüística Cognitiva Ecológica. Construcción de sentido. Frame.

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categories of social networks, the meme. Knowing that meme represents a large number of typical internet phenomena, the type of meme object of this analysis is that consisting of verbal and non-verbal elements, more precisely memes that deal with – what users mean by – “politics”, in Facebook social network. The starting point for this work is that this discursive category, massively present in the life of Brazilians, presents complex resources for the construction of meaning, which will be investigated from the analysis of frames triggered by meme comprehenders. For this purpose, in addition to memes, comments on memes will also be taken into account exactly so that it is possible to verify which resources were used for the construction of meaning. In order to be able to develop this analysis, the theoretical contribution of the present work is located in the field of Cognitive Linguistics, more precisely in the Ecological conception of language and cognition, according to which the interaction of the organism with the ecosystem is the starting point of cognitive development (DUQUE, 2015b; 2016; 2017; 2018). In this view, it is in social interaction that the linguistic construction of meaning comes into play. From the methodological point of view, two Facebook pages were selected, one of a conservative nature and the other of a progressist nature, under the criterion of greater relevance for users (greater amount of likes). Having made this selection, the resources for constructing meaning, the types of frames evoked, are compared between the two political perspectives mentioned. Conservative and progressive memes use similar resources to construct meaning, such as some specific dimensions of the frame, as well as confrontation between touted theory and practice by conservative and capitalist individuals. With this work, it is expected to contribute to studies that consider cognition as a result of the mind-body-ecosystem interaction, as well as to the analysis based on frames of processes of construction of meaning in memes.

Keywords: Ecological Cognitive Linguistics. Construction of Sense. Frames. Moral

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homenagens ao ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. Sem suas políticas afirmativas de inclusão das camadas mais baixas no Ensino Superior, eu sequer teria ingressado em um curso de Graduação, quiçá desenvolvido uma tese de doutorado. Pela oportunidade de desenvolver esta tese, agradeço ao presidente do povo.

Outro indivíduo a quem rendo agradecimentos e que, sem ele, este trabalho não seria possível, é a meu orientador P. H. Duque. Obrigado por ter acreditado no meu trabalho, pela paciência e por tudo mais.

Agradeço à banca examinatória deste trabalho, pelo tempo desprendido na leitura desta tese e, principalmente, pelas riquíssimas contribuições na ocasião da defesa.

De maneira especial, agradeço à Profa. Dra. Ada, não só pelas contribuições acadêmicas, como, também, pela leitura cuidadosa, da capa até a última página deste trabalho, e pelas contribuições quanto aspectos linguístico-textuais desse texto. Não posso deixar de registrar que “engoli o choro” quando ela comentou esses agradecimentos, na ocasião da banca. Obrigado por tudo!

Faço questão de desagradecer à iniciativa privada, a qual não só não contribuiu nem direta nem indiretamente para esta realização, como também quase me impediu de desenvolver e concluir este trabalho – quando estive, quase sempre, como Charles Chaplin em Tempos modernos, preso nas engrenagens do mercado gerando capital para outrem.

Agradeço a Maristela por cuidar de mim no meu trabalho. Sua sensibilidade e delicadeza jamais será esquecida.

Agradeço ao meu amigo Rodrigão (R. Slama) por, desde que entrou em minha vida, ser luz (às vezes até sem saber): tudo o que ele me proporcionou floresceu de uma maneira que ele não pode imaginar. Obrigado não somente pelas contribuições diretas para a realização desta tese, mas, principalmente, pela presença na minha vida.

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Agradeço ao meu pai, Robson, pela parceria e pela paciência ao longo desses anos de amizade. “E na minha meninice eu disse a ele que um dia chegava lá”. Aqui estou, pai.

Agradeço à minha mãe, Ana, por ter me dado o melhor que podia – mesmo quando não podia.

Agradeço à Maria Angélica Furtado da Cunha, que, nos idos de 2008, me iniciou cientificamente quando abriu as portas do Grupo de Pesquisa Discurso & Gramática e me apresentou à pesquisa acadêmica. Obrigado pela oportunidade, por ter acreditado naquele graduando franzino e imaturo do segundo período do curso de Letras. Nunca me esquecerei.

Agradeço a Alessandra Castilho por todos os sinceros direcionamentos, especialmente na ocasião em que fui professor substituto na UFRN. Suas contribuições profissionais e acadêmicas estão guardadas no coração.

Agradeço a Orlando e Renan, onde quer que estejam, por um dia terem sonhado isso comigo. Se não o tivéssemos, talvez eu não tivesse acreditado que seria possível.

Por último, mas mais importante, agradeço à minha companheira Patrícia, pelo incondicional suporte oferecido desde sempre, ao longo da minha vida acadêmica, para que eu pudesse estudar. Sem ela, nada disso seria possível; sem ela, eu não teria coragem de, sequer, ter me inscrito no processo seletivo para ingresso no mestrado, em 2011. Obrigado por acreditar em mim desde sempre, mesmo quando nem eu acreditava.

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Figura 2: Nazaré Tedesco confusa ... 21

Figura 3: vídeo do meme Turn down for what? no YouTube ... 22

Figura 4: caindo por cima dos amigos em Turn down for what? ... 22

Figura 5: comercialização do óculos 8-bits Turn down for what? ... 23

Figura 6: material de marketing publicitário Bolsonaro 2018 - I ... 24

Figura 7: material de marketing publicitário Bolsonaro 2018 - II ... 24

Figura 8: Jair Bolsonaro utilizando óculos 8-bits Turn down for what? ... 25

Figura 9: Abraham Weintraub, Ministro da Educação, utilizando óculos 8-bits Turn down for what? ... 25

Figura 10: Evolução da produção científica sobre memes entre 2000 a dezembro de 2018 ... 30

Figura 11: meme 1 ... 55

Figura 12: comentários sobre o meme 1 ... 56

Figura 13: representação em grafo do esquema-I SISTEMA POLÍTICO-ECONÔMICO evocado no Meme 1 ... 59

Figura 14: meme 2 ... 61

Figura 15: comentários sobre o meme 2 ... 62

Figura 16: representação em grafo de frames evocados no meme 2 e nos Comentários 2 ... 66

Figura 17: meme 3 ... 67

Figura 18: comentários sobre o meme 3 ... 68

Figura 19: representação em grafo do esquema-I CAPITALISMO evocado no meme 2 ... 70

Figura 20: representação em grafo da integração de frames ... 71

Figura 21: meme 4 ... 75

Figura 22: comentários sobre o meme 4 ... 76

Figura 23: frames conceptuais básicos acionados em memes conservadores ... 80

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Notação O que indica

VERSALETE Conceitos e esquemas

“Avisem o (sic) Guilherme Boulos [...]”

Indexadores lexicais presentes nas categorias discursivas serão apresentados entre aspas, como citação direta.

[elementos extra-linguísticos: quatro emojis

chorando de rir; uma mão com dedo

polegar apontado para baixo, indicando sinal negativo; uma bandeira da Venezuela;

uma hashtag #NoHaySeñor, que significa, em espanhol, “está em falta, senhor”]

Estão descritos entre colchetes os elementos extra-linguísticos, como emojis, ou mesmo caracteres organizados constituindo uma imagem, como “¯\_(ツ)_/¯” – o qual, por exemplo, denota ignorância/dúvida/confusão frente a algum assunto.

Página, Grupo, Comentário

Recursos relativos à rede social Facebook serão iniciados por letra maiúscula para distinguir dos itens lexicais do português.

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1. INTRODUÇÃO ... 12

2. O MEME ... 18

2.1 Caracterização do objeto de pesquisa ... 18

2.1.1 O meme na internet ... 19

2.1.2 Image macro: caracterização do meme em análise ... 26

2.1.3 Caracterização da rede social virtual Facebook... 27

2.2 Estado da arte ... 29

3. REFERENCIAL TEÓRICO: abordagem ecológica da linguística cognitiva .... 34

3.1 O meme como objeto de estudo ... 35

3.2 A análise linguística baseada em frames ... 36

3.2.1 Frame Conceptual Básico ... 44

3.2.2 Frame interacional ... 44 3.2.3 Frame social ... 45 3.2.4 Frame-roteiro ... 46 3.2.5 Esquema-I ... 46 3.2.6 Frames-culturais ... 47 3.2.7 Integração de frames ... 47 4. METODOLOGIA ... 48 4.1 Natureza da pesquisa ... 48 4.2 Constituição do corpus ... 49 4.3 Procedimentos de análise ... 51

5. ANÁLISE: construção de sentido em memes baseada em frames ... 54

5.1 Análise de meme de viés conservador ... 55

5.2 Análise de meme de viés progressista ... 67

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 78

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1. INTRODUÇÃO

O século XXI é marcado por inúmeras mudanças; talvez a mais marcante delas seja a entrada do ambiente World Wide Web no cotidiano das pessoas. Principalmente no Brasil, a banda larga de internet se popularizou após medidas governamentais para expansão dela e redução de impostos sobre produtos e insumos eletrônicos. Naturalmente, a presença intensa da internet no cotidiano popular fez emergir novas categorias discursivas, dentre as quais está o meme.

Segundo o “Museu de memes”1, site organizado por um grupo de pesquisa vinculado ao coLAB, Universidade Federal Fluminense, meme é um fenômeno largamente presente na internet, o qual pode se apresentar como uma coleção de textos, imagens, comportamentos difundidos, desafios ou memórias compartilhadas. O conceito de meme será mais amplamente discutido na próxima seção, ocasião em que esse objeto de pesquisa será caracterizado enquanto categoria discursiva. Como se percebe, não há um único tipo de meme e é preciso que se esclareça o tipo sobre o qual esta tese se debruça.

Os memes são categorias discursivas que encontram, no ambiente online, terreno fértil para vasta difusão, porém trata-se de uma dimensão de linguagem pouco compreendida, sobremaneira no ambiente acadêmico. Um dos fatores que corrobora para essa conjuntura é a concepção equivocada de que os memes são parte da chamada “cultura inútil”, presente nos diversos tipos de mídias. Assim, o meme deixa de ter seu valor cultural reconhecido, bem como sua alta capacidade de influenciar outros meios de comunicação: não é raro perceber o uso de memes da internet em comerciais e propagandas, telenovelas, programas de auditórios etc. Essa alta capacidade de influenciar também permeia os usuários de redes sociais, que se tratam de uma parcela significativa da população brasileira e mundial, segundo resultados de uma pesquisa replicada a seguir.

O tipo de meme sobre o qual esta tese se debruça é aquele composto por elementos verbais sobrepostos a elementos não verbais – conhecido como image macro, esse tipo de meme será caracterizado na próxima seção. Os memes objeto

1 Disponível em <http://www.museudememes.com.br/o-museu-de-memes/expediente/>. Acesso em 23 abr. 2019, 16h13.

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deste trabalho são oriundos do Facebook (www.facebook.com), social virtual, a qual tem como um de seus propósitos, segundo ela própria, “dar às pessoas o poder de compartilhar informações e fazer do mundo um lugar mais aberto e conectado”2. As funcionalidades dessa rede social relevantes à pesquisa aqui desenvolvida serão detidamente caracterizadas na próxima seção.

Em um universo de variadas temáticas de memes, a selecionada para este trabalho foi a política. No Brasil, especialmente na última década, a discussão a esse respeito tornou-se predominantemente binária, dentro de uma atmosfera popularmente conhecida como “direita” e “esquerda”. Aqui, optou-se por abordar essa discussão, em consonância com o trabalho de Ribas (2018), num continuum que vai de conservador a progressista, escolha a qual será justificada mais adiante. No tocante à escolha dessa temática, ela se justifica em razão do vasto universo de difusão de memes sobre política no Facebook, o que revela a importância que os usuários dessa rede social atribuem a memes dessa natureza.

Para que o material coletado fosse, do ponto de vista metodológico, relevantemente proporcional, foram selecionadas duas páginas de grande repercussão entre usuários progressistas e usuários conservadores, respectivamente “Capitalistas sem capital” (https://www.facebook.com/capitalistasemcapital/), a qual possui a marca de 150.505 Curtidas e de 152.872 pessoas Seguindo3; e Socialista de Iphone (https://www.facebook.com/socialistadeiphone/), a qual tem o número de 1.122.155 Curtidas e de 1.194.830 de pessoas Seguindo4. Vale dizer que, embora o número de Curtidas desta Página seja oito vezes maior do que o daquela – que, de memes progressistas, é uma das mais populares – eles apenas embasam metodologicamente o processo de escolha delas, o que não implica distinções relativas à categoria discursiva meme – ou, pelo menos, distinções que se justifiquem pelo número de Curtidas –, conforme apresentado no capítulo de análise do presente estudo.

2 Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/FacebookBrasil/about/?ref=page_internal>. Acesso em 20 jun. 2018, 14h55.

3 Os recursos de Curtir página e Seguir página no Facebook serão explicados em ocasião oportuna.

4 Os números de usuários que curtem e seguem as páginas foram obtidos a partir de acesso em 29 dez. 2019, 18h51.

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É válido dizer, ainda, que, na mesma velocidade em que as informações chegam aos indivíduos a partir da internet, elas se esvaem para dar lugar a novas. Com os memes não é diferente: trata-se de uma categoria discursiva efêmera, assim como as charges na esfera jornalística, por exemplo. Nessa perspectiva, o contexto é um aspecto decisivo para a compreensão da categoria discursiva em foco, o qual será levado em consideração nas análises.

A análise de tal categoria se faz relevante, uma vez que as redes sociais estão massivamente presentes na vida dos brasileiros. Assim, a escolha dos dados desta pesquisa foi motivada, também, pela compreensão de que, hoje, no Brasil, a internet é um veículo de suporte linguístico demasiadamente importante. Tal importância se revela em números: segundo pesquisa realizada pela Hoopsuite, em parceria com a We Are Social5, os brasileiros passam, em média, 9h21 horas por dia conectados à web – naturalmente num processo de leitura e produção de textos constante –, o que garante ao Brasil o título de segunda nação do mundo que mais emprega seu tempo conectada à internet.

Vale frisar, ainda, que, dessas horas em conexão com a internet, é de conhecimento geral que a população investe uma parte significativa nas redes sociais. Tal afirmação é corroborada pela pesquisa realizada pela agência londrina GlobalWebIndex6, a qual afirma que o povo brasileiro ocupa a segunda posição mundial no quesito de tempo conectado às redes sociais. É exatamente nas redes sociais que a categoria discursiva meme se manifesta para o usuário.

Nesta tese, propõe-se violar a concepção equivocada de que as categorias discursivas presentes na web, especialmente aquelas que envolvem humor, são menos importantes do que outras, concepção evidenciada na escassez de trabalhos sobre essa temática.

5 O estudo em questão foi divulgado no Brasil pelo site Canaltech, a qual está disponível em: <https://canaltech.com.br/internet/brasil-e-o-segundo-pais-do-mundo-a-passar-mais-tempo-na-internet-131925/>. Acesso em 27 jul. 2019, 22h04.

6 A pesquisa citada foi replicada no portal Época Negócios no dia 06 de setembro de 2019, a qual está disponível em: <https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/09/brasil-e-2-em-ranking-de-paises-que-passam-mais-tempo-em-redes-sociais.html>. Acesso em 07 out. 2019.

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Para tanto, é proposto um modelo de análise de categorias discursivas baseado nas diversas dimensões do frame, por meio do qual seja possível a identificação de como se dá o processo de construção de sentido. As dimensões do frame são as propostas por Duque (2018), as quais são evocadas, sem hierarquia, a depender do sentido a ser construído. Com vistas a isso, teorizou-se, à luz da Linguística Cognitivo-Ecológica, sobre aspectos inerentes à categoria discursiva image macro e sobre os processos de construção de sentido que envolvem a produção de memes sobre política em redes sociais, a exemplo do Facebook. Além disso, ineditamente, os comentários sobre os memes, os quais são resultado de sua difusão –, foram levados em consideração na análise. Por meio deles, espera-se verificar quais dimensões dos frames são evocadas pelos usuários.

A justificativa dessa tese está pautada no fato de que, apesar da alta recorrência de memes em redes sociais, como o Facebook, essa categoria discursiva ainda é pouco explorada em termos de construção de sentido, na perspectiva da Linguística Cognitiva. Na concepção desse viés teórico, a construção de sentido envolve ativação de padrões cognitivos conhecidos como frames, isto é, estruturas reticuladas de conceitos. Ao se evocar um conceito por meio da leitura de uma pista verbal ou não verbal, evocam-se outros conceitos que lhe são associados. Tem-se, portanto, neste trabalho, como objetivo geral, verificar quais frames são ativados durante a leitura de memes sobre “política”, com vistas a se compreender como se dá a construção de sentido nessa categoria discursiva a partir dos comentários dos usuários do Facebook sobre os memes.

O aporte teórico para realização desta tese situa-se no campo da Linguística Cognitiva, mais precisamente na concepção Ecológica de linguagem e cognição, de acordo com a qual a interação do organismo com o ecossistema é o ponto inicial do desenvolvimento cognitivo. Nessa visão, é na interação social que a construção linguística do sentido entra em cena. Para isso, serão considerados, como dito, Comentários7 realizados por usuários de redes sociais sobre memes de cunho político. Nesse modelo de análise aqui proposto é apresentada não somente a compreensão do pesquisador sobre os memes, mas também de outros internautas. A fim de proceder a essa análise, surgem as seguintes questões de pesquisa:

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i. que tipo(s) de frame(s) normalmente são ativados durante a leitura de memes? ii. de que maneira conceitos são (re)modelados discursivamente (framing) em

memes?

iii. como o framing pode ser representado graficamente, a fim de se evidenciar o processo de construção de sentido?

iv. que recursos são predominantemente utilizados por progressistas e conservadores para construção de sentido em memes?

v. como integrar aspectos verbais e não verbais na análise de construção de sentido em memes?

A partir desses questionamentos, foram traçados os seguintes objetivos específicos:

• verificar o(s) tipo(s) de frame(s) que normalmente são ativados durante a leitura de memes;

• analisar o modo como conceitos são (re)modelados discursivamente (framing) em memes;

• propor um modelo de representação gráfica do framing que evidencie o processo de construção de sentido;

• examinar, por meio do rastreamento de frames morais, quais recursos são predominantemente utilizados por progressistas e conservadores para construção de sentido;

• investigar como se integram aspectos verbais e não verbais na análise de construção de sentido em memes.

A fim de alcançar esses objetivos, adota-se metodologia qualitativa, de cunho interpretativista, voltada para a análise de conteúdo baseada em frames. Para tanto, o corpus constitui-se de memes extraídos da rede social Facebook, das páginas “Socialistas de iPhone” e “Capitalistas sem capital”, bem como de seus respectivos comentários mais relevantes – relevância a qual será explicada no capítulo de Metodologia. Quanto ao número de memes investigados, levou-se em consideração, com base em Fontanella et al. (2008) e Minayo (2017) o ponto de saturação das categorias teóricas analisadas, isto é, momento em que dá-se por finalizada a coleta ao não se identificar novos aspectos relevantes acerca da construção de sentido a partir de memes.

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No tocante à organização desta tese, ela é constituída da seguinte maneira: i) Introdução, seção em que apresento o objeto de pesquisa, objetivos geral e específicos e justificativa para a realização desta pesquisa; ii) Estado da arte, etapa em que caracterizo a categoria discursiva e apresento o que se tem pesquisado sobre o objeto em questão; iii) Referencial teórico, momento em que apresento as bases teóricas para abordar o objeto em análise (os pressupostos da Linguística Cognitiva Ecológica, bem como a noção de frame e as categorias de frames utilizadas na análise de memes); iv) Metodologia, capítulo em que apresento a natureza metodológica da pesquisa, a constituição do corpus e os procedimentos de análise; v) Análise da construção de sentido em memes baseada em frames, momento em que examino a construção de sentido dos memes; vi) Palavras finais, seção em que comento os resultados obtidos nas análises, bem como elucidações possibilitadas pelo presente trabalho; e, por fim, vii) Referências consultadas para a realização desta tese.

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2. O MEME

2.1 Caracterização do objeto de pesquisa

O meme, mais do que uma categoria discursiva, é para a mente o que o gene é para a genética: sua unidade mínima. De modo amplo, pode-se dizer que se trata de uma unidade de informação que se multiplica, ao mesmo tempo em que é alocada e replicada na mente dos indivíduos. Nesse sentido, embora sem agentividade, o meme é uma entidade autônoma. Isto é, embora um indivíduo possa “criar” uma ideia, ele não pode controlar e determinar de que maneira essa ideia vai se “proliferar” no momento em que ela é disseminada numa sociedade. Diante desses aspectos, ao contrário do que muitos podem pensar em stricto sensu, a definição de meme não é imediata e simples. Portanto, para melhor delinear a noção de meme, alguns exemplos são apresentados a seguir.

Pode-se observar, a título de ilustração, o movimento, hoje – à luz da História – denominado Jornadas de Junho8, que culminou no impedimento da então presidenta da República Brasileira Dilma Rousseff, em 2016. Em meados de 2013, surgem, em algumas capitais brasileiras, após o anúncio de aumento nas tarifas do transporte público, movimentos que buscavam a redução no valor da tarifa. Mas, mais do que isso, como muitas faixas informavam, “não era só por 20 centavos”. O movimento, que antes acontecia em uma capital ou outra, ganhou corpo e outras reinvindicações sociais foram incorporadas. Uma vez que ganhou certa unidade, o movimento ficou conhecido popularmente como “O gigante acordou” e promoveu manifestações sistemáticas, em todo o Brasil, as quais expressavam, de modo geral, um desejo por mudança no cenário político brasileiro – anseio o qual se concentrava, predominantemente, na retirada da presidenta reeleita do poder, e não em mudanças no Senado Federal ou na Câmara dos Deputados, por exemplo.

Sobre o fato narrado, não se pode dizer que era previsto que manifestações em protesto por causa do aumento na tarifa de ônibus fossem culminar em um movimento político de cunho nacional. Então, embora, possivelmente, certos agentes tenham buscado conduzir intencionalmente os movimentos por certas veredas, não se pode negar que uma ideia se desenvolva e se multiplique de maneira relativamente

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autônoma – relatividade que diz respeito a fatores sociais, históricos, espaciais, tecnológicos. Tal aspecto é ilustrativo do que é um meme.

Outro exemplo do que é um meme é a moda e certas febres de consumo. Uma criança com um fidget spinner9, em um recreio escolar, pode ser uma influência

para as demais que, em poucos dias, também podem estar portando, cada um, o mesmo artefato. Susan Blackmore, em seu livro The meme machine10 (2010), diz que memes só são possíveis entre os humanos, porque somente nós temos essa habilidade de imitação, de incorporar e replicar comportamentos e ideologias. Nesse sentido, humanos imitam certos padrões, o que os constituem culturalmente e, por sua vez, esses padrões são replicados e constituirão outros indivíduos, num ciclo infindo.

Um dos primeiros pesquisadores a se deter no estudo sobre memes foi Richard Dawkins, em sua célebre obra “O gene egoísta”, cuja primeira versão foi publicada em 1976, antes mesmo da popularização da internet. Nesse trabalho, Dawkins (2017) utiliza a noção de meme em analogia ao comportamento do gene. Nessa ocasião, Dawkins considerou como sendo meme qualquer ideia, comportamento ou tendência que seja passível de transmissão de pessoa para pessoa através de imitação ou de nossa herança cultural. Nesse viés, o autor utiliza como exemplo de meme o conceito de deus, a música “parabéns para você” e até a moda. Nessa obra, evidencia o comportamento autônomo do meme, o qual não depende unicamente do(a) autor(a) da ideia, mas sim da aceitação por parte das pessoas que recebem o meme.

2.1.1 O meme na internet

Contemporaneamente, os memes são muito difundidos em diversos tipos de mídias, sejam elas redes sociais ou aplicativos para troca instantânea de mensagens. Esses recursos virtuais são canais que concentram milhões de usuários, o que permite que um meme seja repercutido em larga escala em poucas horas.

9 Brinquedo constituído por um rolamento, no centro, e lâminas de material variado (plástico, latão, metal etc.) que entra em rotação quando alguma lâmina é tirada de inércia e se segura o centro com o dedo polegar e indicador.

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Não muito diferente do que postulou Dawkins (2017), qualquer tipo de conteúdo possível de ser replicado pode se tornar meme. Assim, cenas de filmes, trechos de canções, frases que tenham se tornado populares em algum momento, entre outros, podem ser considerados memes. Vale frisar que, nessa perspectiva de mutação autônoma, um meme pode ir se transformado à medida que é utilizado.

São incontáveis os memes da internet, bem como suas origens podem ser diversas, como Vincent Vega (John Travolta) [balançando os braços em uma sala vazia], no filme Pulp Ficcion, dirigido por Quentin Tarantino (1994), buscando identificar onde estava a pessoa que fala como ele por uma espécie de interfone, conforme Figura 1; ou mesmo Nazaré Tedesco (Renata Sorrah), [movendo os olhos, como se tentasse entender algo], enquanto a câmera dá um zoom no rosto da atriz, vide Figura 2. Neste meme, o qual trata-se de um recorte dessa cena, que dura poucos segundos, equações e fórmulas matemáticas são projetadas na imagem, para denotar um momento de grande dúvida. Portanto, filmes, novelas, vídeos no YouTube, fotos etc. podem originar memes.

Figura 1: Vincent Vega confuso

n

Fonte: Dicionário Popular11

11 Disponível em: <https://www.dicionariopopular.com/meme-john-travolta-confuso/>. Acesso em 18 fev. 2020,

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Figura 2: Nazaré Tedesco confusa

Fonte: Surrealista12

A título de exemplificação, pode-se observar o vídeo, difundido inicialmente no YouTube, intitulado Turn down for what?13, o qual faz alusão ao refrão da canção, de mesmo nome, interpretada por Lil Jon. Nesse vídeo, ilustrado na figura 3 seguinte, jovens em uma periferia norte-americana produzem uma paródia representando uma batalha de rima14 e, nessa ocasião, o Supa15 Hot Fire “vence” seu oponente na batalha de maneira humilhante – a paródia representa as batalhas de rima de modo irônico, insinuando que elas podem ser tendenciosas. Desse meme, surgiram outros, como dizer “turn down for what?” quando alguém “humilha” outra pessoa publicamente; [cair por cima dos amigos com os braços levantados para cima, como se a pessoa fosse ser jogada para o ar – como campeões são], como ilustrado na figura 4; óculos 8-bits16, em alusão aos óculos de Supa Hot Fire, figura 5.

12 Disponível em: <

http://www.surrealista.com.br/2016/10/gringos-roubam-meme-da-vila-nazare-tedesco-e-twitter-brasileiro-reage/>. Acesso em 18 fev. 2020.

13 Expressão típica norte-americana cuja tradução livre significa “me acalmar pra quê?”. 14 Batalha de rima trata-se de um evento relacionado à cultura hip-hop e consiste em um duelo entre rappers (cantores de RAP), ocasião em que eles precisam improvisar rimas contextualizadas àquela situação. Por fim, um dos rappers é aclamado vencedor pelos expectadores da batalha.

15 Gíria tipicamente norte-americana para “supra”.

16 8-bits é uma referência aos processadores que permitiram os primeiros jogos eletrônicos, na década de 1970. Hoje é considerado um tema, utilizado em jogos da atualidade, moda etc.

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Figura 3: vídeo do meme Turn down for what? no YouTube

Fonte: YouTube17

Figura 4: caindo por cima dos amigos em Turn down for what?

Fonte: YouTube18

17 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=Iu90z9Akxgk>. Acesso em 18 fev. 2020.

18 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?time_continue=1&v=Iu90z9Akxgk>. Acesso em 18 fev. 2020.

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Figura 5: comercialização do óculos 8-bits Turn down for what?

Fonte: Mercado Livre19

A repercussão do meme ÓCULOS TURN DOWN FOR WHAT? é tamanha que esse

meme foi usado no marketing publicitário da campanha eleitoral do Presidente Jair Bolsonaro, como ilustram as imagens 6, 7 e 8, bem como teve sua ideia endossada por sua equipe técnica, conforme figura 9. Trata-se de uma associação entre a ideia do meme Turn down for what? e o título de “mito”, atribuído a esse indivíduo, por ele ser, aos olhos de simpatizantes, alguém corajoso, que fala o que pensa, que combate a corrupção política de frente.

19 Disponível em: <

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Figura 6: material de marketing publicitário Bolsonaro 2018 - I

Fonte: Vista direita20

Figura 7: material de marketing publicitário Bolsonaro 2018 - II

Fonte: Vista direita21

20 Disponível em: <https://www.direitastore.com.br/camiseta-bolsomito-super-economica>. Acesso em 18 fev.2020.

21 Disponível em: <

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Figura 8: Jair Bolsonaro utilizando óculos 8-bits Turn down for what?

Fonte: Diário do litoral22

Figura 9: Abraham Weintraub, Ministro da Educação, utilizando óculos 8-bits Turn

down for what?

Fonte: O Globo23

22 Disponível em: <

https://www.diariodolitoral.com.br/politica/pensando-em-2018-bolsonaro-defende-candidatura-a-presidencia-em-santos/80290/. Acesso em 18 fev. 2020.

23 Disponível em: <

https://oglobo.globo.com/sociedade/ministro-da-educacao-imita-meme-da-internet-apos-anuncio-de-desbloqueio-de-verba-para-universidades-1-24027629>. Acesso em 18 fev. 2020.

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É possível observar, enfim, que um vídeo se tornou amplamente difundido e, por isso, virou meme e que, desse meme, surgiram outros memes relacionados ao primeiro. Nota-se, por derradeiro, que, embora o objetivo de um vídeo como esse possa ser alcançar grande repercussão, não se pode prever, de antemão, se essa repercussão será alcançada ou se determinado conteúdo vai virar meme; que trecho do vídeo, especificamente, vai chamar mais atenção dos internautas – a exemplo dos óculos de Supa; qual comportamento vai ser amplamente replicado, como a ação de simular uma queda no meio dos amigos; entre outros. Nesse sentido, é evidenciado o comportamento relativamente autônomo do meme.

2.1.2 Image macro: caracterização do meme em análise

Naturalmente, para que seja possível realizar uma análise proveitosa sobre memes, é preciso entender que estes constituem uma categoria vasta, o que implica que o objeto precisa ser adequadamente delineado. Sendo assim, o tipo de meme objeto dessa pesquisa é o denominado image macro.

Esse termo é relativo ao ambiente virtual em que o image macro surgiu, o fórum de internet Something Awful, nos idos de 2004, porém foi em 2006, no fórum virtual 4shan, que essa estrutura composicional ganhou mais repercussão. O image macro consiste em um tipo de meme em que uma legenda é sobreposta a uma imagem, normalmente essa legenda é escrita em letras brancas garrafais, em fonte “Impact”. O estilo simples, bem como a fácil criação e manipulação desse tipo de meme, faz do image macro um dos tipos de meme mais populares das redes sociais. Outro aspecto interessante dessa categoria de meme é o fato de ela ser constituída para ser meme, mesmo que, posteriormente, não obtenha a repercussão esperada. O fato de a estrutura composicional do image macro ser elaborada, intencionalmente, para que se torne meme permite que se analise os recursos empregados intencionalmente para a construção de sentido e adesão dos internautas. Portanto, doravante, quando se falar em meme aqui, a referência é ao tipo de meme ora abordado: image macro.

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2.1.3 Caracterização da rede social virtual Facebook

Inaugurada no inverno de 2004, em Massachusetts-EUA, o Facebook, hoje, é a rede social mais popular do mundo, com a marca de 2.375 bilhões24 de usuários ativos mensalmente. Levando-se em consideração essa relevância, o Facebook foi a rede social escolhida como fonte para seleção de memes image macro. Além disso, as funcionalidades dessa rede social a tornam férteis à criação, à visualização e ao compartilhamento da categoria de meme aqui em foco, diferentemente de redes sociais como Instagram, Snapchat, Twitter, Pinterest, Google+, Messenger e Whatsapp, que, por suas funcionalidades, apresentaram alguma restrição para a realização desta pesquisa: não apresenta quantidade de curtida no conteúdo, comentários privados, apenas perfis pessoais, publicações com prazo de validade de 24h, ser projetada apenas para uso mobile etc. O Facebook, por sua vez, permite referenciar corretamente as publicações – para acesso dos leitores dessa tese –, a partir de um endereço da web, além de, por essa razão, ser possível indicar a autoria dos memes – ou, pelo menos, dos memes utilizados na análise presente neste trabalho.

Frente ao alto grau de relevância da rede social em questão, bem como à escassez de trabalhos que caracterizem o Facebook utilmente a essa tese, a seguir serão apresentadas algumas de suas principais funcionalidades. Sabendo que o ato de “compartilhar informações” é uma das principais ações nessa rede social, existem Páginas, Perfis e Grupos, recursos os quais serão caracterizados a seguir.

Uma Página tem um, ou mais, administrador(es) e, geralmente, tem como principal propósito “crescer”, ou seja, agregar um alto número de seguidores – pessoas que curtiram a página e, por isso, as seguem25. Páginas geralmente são temáticas (política, humor, personalidades, instituições públicas, empresas, ONGs etc.) e fazem publicações, as quais são de sua própria responsabilidade.

Os Perfis são as páginas pessoais, de usuários comuns, os quais podem publicar em sua própria linha do tempo ou de outrem, podem comentar em Grupos, em Páginas e nas postagens de amigos, de amigos de amigos ou de todos, conforme

24 Segundo o próprio site oficial, em consulta realizada em 24 de nov. 2019. 25 Tais ações serão caracterizadas nos próximos parágrafos.

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as configurações de privacidade de cada usuário. Vale dizer que existem Perfis Verificados (os quais são destacados com um pequeno símbolo [confere: ✓] azul ao lado nome do usuário), o que indica o perfil de celebridades reconhecidas, do ambiente físico ou virtual. Esses perfis verificados têm funcionalidades semelhantes às de uma Página, pois, embora ainda sejam perfis, não são do tipo pessoais – isto é, não há uma interação tão direta e personalizada com cada um dos outros internautas –, então as pessoas associadas a esses perfis não são definidas como Amigos, mas sim Seguidores.

Grupos se configuram como uma espécie de fórum – muito populares no início dos anos 2000, embora muitos tenham alta atividade até hoje –, assemelham-se às Comunidades, do extinto Orkut, os quais podem assemelham-ser abertos a todos os usuários ou restritos a quem o(s) proprietário(s) do(s) Grupo(s) aceitar a participação. O Grupo em si não realiza publicações, nem comenta em Páginas e Perfis, mas sim seu(s) Administrador(es) – essa é outra semelhança com as Comunidades do Orkut. Trata-se, apenas, da organização de usuários em torno de uma determinada temática – a qual, geralmente, intitula o grupo.

Dentro dessas inúmeras temáticas abordadas a partir dos mais diversos recursos do Facebook, a “política” foi a escolhida para seleção de memes image macro nessa rede social. Vale frisar que, segundo Ribas,

no Brasil, é muito comum confundir Liberalismo com Conservadorismo. Por conta de políticas neoliberais implantadas em nosso país por governos que não se associaram ao pensamento progressista, houve esse engano na construção daquele conceito no senso comum (2018, p. 34).

Nessa conjuntura, o autor, ao invés de tratar essa temática sob o dualismo “conservador” versus “liberal”, postulado por Lakoff (1995; 2002; 2008), opta por abordar essa temática sob o continuum que vai de “conservador” a “progressista”. Assim como Ribas (op. cit.), nessa tese também se optou por essa abordagem, a qual melhor caracteriza o cenário brasileiro. Nesse panorama, Páginas protagonizam verdadeiros duelos para ganhar adesão a seus discursos.

É importante destacar neste subitem, por fim, algumas ações as quais os usuários podem realizar diante das funcionalidades oferecidas pelo Facebook, especialmente no tocante às Páginas – recurso selecionado para fonte de memes

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image macro sobre política –, o que orientará dimensões importantes na análise realizada nesta tese.

No Facebook, os usuários podem Curtir uma Página, as quais têm sua relevância medida frente a quantidade de curtidas e seguidores que elas agregam. As Páginas ganham a adesão dos usuários a partir de Curtidas. Assim, se um usuário se interessar por determinada Página, ele vai Curti-la e receberá as publicações dela em seu feed de notícias, que consiste em uma linha do tempo com as publicações mais relevantes para aquele usuário.

Essa relevância é determinada a partir de um algoritmo, o qual é combinado pelas ações que o usuário toma na rede, como: o que ele curte, quem ele segue, o que ele compartilha, o que ele assiste; e, até, o que ele não faz, como: o que ele vê e assiste e não compartilha nem curte, quem ele não segue etc., tudo isso é somado e determina as preferências dos usuários. Desde a criação da rede social em questão, esse algoritmo vem ficando cada vez mais restrito. Isso porque os gerentes dessa rede social perceberam que, quanto mais dentro de seu nicho de interesse, mais tempo o usuário fica conectado ao Facebook, isto é, torna-se mais agradável. Essa informação é importante para esse trabalho porque isso segmenta bem delineada dois grandes grupos: os conservadores e os progressistas. Quase sempre, eles estarão presos aos conteúdos que lhes interessam de antemão, a menos que, intencionalmente, determinado usuário siga, por qualquer razão, determinada página contrária às suas preferências políticas.

Por fim, outras funcionalidades são Seguir uma Página, o que permite acompanhar determinada página sem Curti-la, isto é, sem necessariamente demonstrar apoio ou adesão à causa. Assim, Curtir implica Seguir, mas Seguir não implica Curtir. Além disso, quaisquer postagens no Facebook permitem Comentários (públicos ou privados, como dito), sejam elas em Páginas, em Grupos ou de Perfis. Ou seja, o Comentário é a forma básica de interação entre os usuários dessa rede.

2.2 Estado da arte

O meme ganhou notoriedade entre os pesquisadores apenas nos últimos anos. Naturalmente, esse aumento se deu graças à maior possibilidade de criação e

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difusão dessa categoria discursiva, a qual tem a Web como seu maior suporte. Essa afirmação é corroborada pelo gráfico abaixo, elaborado pelo Museu de Memes, que é constituído a partir de informações coletadas em buscas sistemáticas em acervos de periódicos nacionais e internacionais, além de repositórios universitários, monitoramento de currículos na Plataforma Lattes e buscas no Google Schoolar, entre outras ferramentas de acompanhamento de produções.

Figura 10: Evolução da produção científica sobre memes entre 2000 a dezembro de 2018

Desses trabalhos, foram selecionados os mais relevantes para a discussão em foco nesta tese, os quais serão comentados a seguir. Magel (2016) descreve os memes em termos de suas características linguísticas e composicionais, numa lógica pautada na descrição de gêneros do discurso. Trata-se, portanto, de uma descrição que se propõe a oferecer uma listagem para classificação dos diferentes tipos de meme. Esse trabalho, embora cumpra suficientemente os objetivos propostos, não fornece à comunidade acadêmica explicações relativas à construção de sentido.

26 Disponível em: <http://www.museudememes.com.br/referencias/>. Acesso em 04 jan. 2020. Fonte: Museu de Memes26

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Outro trabalho que trata desta temática é o desenvolvido por Anderson Guerreiro e Neiva Soares (2016), que tratam o meme numa perspectiva discursivo-visual, baseando-se na Teoria da Semiótica Social Multimodal. Nessa perspectiva teórica, é relevante a concepção semiótica de textos multimodais em seus aspectos externos, considerando o momento da produção, a inferência do leitor, a cultura e o contexto social. Além disso, os autores levam em conta que a construção de sentido se dá por meio de “significados representacionais”, conceito proposto pela Gramática do Design Visual. Aqui, embora os autores se preocupem com construção de sentido, esses recursos são abordados sob outro campo de estudo, diverso da Linguística, mais escusa ainda de uma perspectiva que conceba o texto numa interação entre organismo e ambiente.

Além desses, o artigo Lieven. Internet memes as multimodal constructions, de Dancygier e Vandelanotte (2017), também chama atenção, pois os autores definem meme como uma construção multimodal composta por imagem e elementos linguísticos, este último aspecto dependente da imagem para preencher um papel sintático ou semântico determinante no texto como um todo. Para análise de memes, lançam mão da gramática de construções (cf. FILLMORE et. al, 1988; GOLDBERG, 1995), a qual, segundo os autores do artigo, precisa ser complementada por uma “compreensão da dinâmica [textual]” em termos de uma regulação da rede de espaços e pontos de vista. Nesse trabalho, apesar de os autores compreenderem a gramática numa perspectiva de construções, a análise apresentada não trata de como o sentido é construído no pelo meme, apenas destaca aspectos relacionados à estrutura composicional da categoria discursiva.

Por outro lado, Hahner (2017) apresenta um ensaio que consiste em uma contribuição para a teoria da argumentação ao observar as motivações para se replicar um dado ícone como pano de fundo para variados memes, os quais são consideradas formas de “argumentação visual”. Para subsidiar tal análise, são selecionados dois memes, objetivando, principalmente, explicar como se dá a criação de argumentos a partir da reprodução e da manipulação criativa de determinada gravura, transformando-a em meme. Porém, ainda que seja um trabalho inédito – o de considerar memes como textos argumentativos –, este ensaio focaliza, majoritariamente, aspectos da “sequência argumentativa” (ADAM, 2011), desconsiderando aspectos cognitivo-ecológicos dessa manifestação discursiva.

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Na mesma linha do trabalho de Haner (op. cit.), mas com um tratamento detalhado na descrição de aspectos relacionados à categoria discursiva, bem como no tocante à construção de sentido, tem-se o trabalho de conclusão de curso de Paula Gonçalves e Ana Lima (2017), em que as autoras tratam da emergência de novos gêneros textuais, dentre eles o meme. No entanto, uma vez ancorado no bojo da Linguística Textual, os aspectos do meme abordados nesse trabalho são ambiguidade, intertextualidade, quebra de expectativa e construção de humor. Como resultado, tem-se uma análise pautada em aspectos superficiais do texto, os quais não contemplam a complexidade do processo de acionamento de mecanismos cognitivos, como, por exemplo, a partir de que processos o meme evoca frames para construção de sentido

Outro trabalho que trata do objeto aqui em foco é a dissertação de Lívia Brasil (2017), que aborda memes que datam das eleições de 2014 à Presidência da República, especificamente no tocante a como os memes podem contribuir para a formação da representação política na rede social Facebook. O objeto é tratado sob a ótica da Análise do Discurso de linha francesa, por meio da qual demonstrou que a retórica do meme desqualifica o discurso político tradicional por meio do humor e configura uma outra forma de participação política, sustentada também pelas dinâmicas de valor e de capital social das redes sociais. Nesse trabalho, há o mérito de uma abordagem que vai além de aspectos da superfície linguística, porém, apesar de abordar como se configura a retórica nos memes, aspectos relacionados à construção de sentido, bem como os comentários dos usuários, não são levados em conta na análise.

Além desses trabalhos, pode-se citar o estudo de Peirson et al. (2018), que concebe memes como qualquer imagem em que se pode inserir uma legenda bem-humorada e relevante. Neste estudo, os autores desenvolveram um modelo capaz de gerar memes, a partir de uma previsão baseada em análises prévias de possibilidades. Essas possibilidades foram testadas ao se observar a perplexidade e a avaliação humana tanto da qualidade dos memes gerados pelos computadores quanto a sua diferenciação em relação aos memes criados por humanos. Com isso, os autores visaram traçar uma descrição formal capaz de entender profundamente o funcionamento do meme. No entanto, apesar da profundidade do estudo e do êxito alcançado quanto aos objetivos propostos, entender formal e estruturalmente como

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um meme funciona em termos computacionais deixa aberta, ainda, a lacuna de como essa categoria discursiva constrói sentido e, a partir desses recursos, ele ativa mecanismos cognitivos nos compreendedores dos memes.

Como se pode ver, embora o meme seja um objeto de estudo que ganhou atenção nos últimos, as atividades acadêmicas acerca deles adotando-se perspectivas cognitivistas ainda são escassas, isto é, nenhum dos trabalhos supracitados tratam o meme enquanto um conjunto de pistas que levam a construção de sentidos. Os trabalhos mencionados também não apresentaram detidamente como os memes se configuram em termos de uma categoria discursiva, tratando meme como uma única categoria e com um comportamento regular, análogo às outras categorias discursivas, e não numa perspectiva de que são meméticos.

Assim, torna-se perceptível a limitação de estudos que tratem o meme numa perspectiva da Linguística Cognitiva, quiçá numa abordagem ecológica. Desse modo, objetivando analisar como se dá a construção de sentido dessa categoria discursiva, apresentaremos, a seguir, conceitos norteadores para o trato do objeto desta tese.

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3. REFERENCIAL TEÓRICO: abordagem ecológica da linguística cognitiva

O século XX foi marcado por inúmeras transformações no campo das ciências da linguagem, das quais uma das principais foi a acomodação dos estudos da linguagem no campo científico, não mais no filosófico. Não se pretende, nesta ocasião, traçar um panorama geral resumindo a história da linguística, visto que é vasta a literatura sobre essa temática (cf. WEEDWOOD, 2002; MARTELOTTA, 2008; para citar alguns). Nesta seção, então, é apresentada uma breve discussão para subsidiar a escolha da concepção Linguística Cognitiva Ecológica (LCE) para subsidiar a análise dos memes image macro sobre política no Facebook.

Essa perspectiva teórica se mostrou relevante para abordar o objeto de pesquisa ora apresentado porque a LCE parte do pressuposto de que “a cognição se desenvolve na interação organismo-ambiente e a maneira como atribuímos sentidos ao mundo depende sobremaneira dos recursos biológicos e físicos fornecidos pelo ecossistema do qual fazemos parte” (DUQUE, 2015b, p. 55). Assim, a cognição se distribui por todo ecossistema no qual os usuários linguísticos estão inseridos, que, no caso do contexto desta tese, trata-se da rede social, mais especificamente o Facebook.

Essa consideração é fruto de discussões que têm a cognição corporificada como ponto de partida (LAKOFF & JOHNSON, 1999). Tal concepção surge, principalmente, a partir da necessidade de explicar arestas deixadas pelo formalismo chomskyano, bem como pela própria Linguística Cognitiva em seu primeiro momento. Nessa concepção, corpo e mente são indissociáveis e, portanto, a experiência é corporificada.

Porém, desconsiderada até então, a noção de affordances é um substantivo criado por Gibson (1979), a partir do verbo afford (“proporcionar”), noção que consiste em dizer que interações humanas são proporcionadas pelo ambiente. Isto é, esse conceito dá conta das possibilidades que lugares, objetos e pessoas proporcionam à cognição as quais, por sua vez, estruturam e organizam a nossa forma de interagirmos com o ecossistema ao nosso redor.

Sendo assim, considerar o ecossistema como parte da cognição é um ponto de distinção entre as outras teorias cognitivas e a LCE, a qual considera que

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as redes neurais garantem certa estabilidade e rapidez aos processos cognitivos que dependem de informações perceptuais e motoras não presentes. Nesses casos, informações linguísticas contribuem para a recuperação de imagéticas de ações e das partes do corpo que as executam, por meio da ativação de áreas do córtex motor e pré-motor envolvidas na produção de ações motoras dessas mesmas partes do corpo. (DUQUE, 2015b, p. 56)

Essa concepção reforça a ideia de que, muito embora algumas áreas sejam mais proeminentes a realizar determinadas funções, a linguagem não se dá em separado de outros processos cognitivos, como se o cérebro fosse dividido em compartimentos os quais cada um deles fosse unicamente responsável por apenas uma operação.

Nessa perspectiva, a LCE, considerando que a linguagem, sozinha, não produz linguagem – como um tesouro depositado em nosso cérebro –, entende-a como resultante da relação entre a) informações perceptuais presentes no ecossistema, b) capacidade humana de perceber essas informações a partir do corpo e c) mente, cuja cognição, a partir de diversos processos, apreende e produz conhecimento. Sendo assim, a cognição não é resultante dela própria, nem mesmo apenas da integração corpo e mente, mas, sim, da relação corpo, mente e ecossistema. Portanto, a forma como os indivíduos interagem com o ambiente, a partir das possibilidades que ele oferta, organiza a nossa cognição.

3.1 O meme como objeto de estudo

Como visto, originalmente, o conceito de meme em sua concepção não remete a uma categoria discursiva específica, mas sim a uma forma “viral”27 de transmissão de conteúdos inscritos nas nossas memórias, os quais, em sua grande maioria, são constitutivos de culturas. Nesse universo, existem inúmeras categorias discursivas, dentre as quais foi selecionada o tipo de meme que se manifesta na forma que se conhece por image macro. Enquanto categoria discursiva, esse meme apresenta como característica a presença de elementos linguísticos, os quais se

27 Hoje, expressões como “viral”, “viralizar”, são populares e frequentemente utilizadas pelos internautas para dizer que algo obteve ampla repercussão. Trata-se de uma analogia ao comportamento de vírus, que se espalha de uma pessoa para outra até chegar a toda uma comunidade.

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coadunam com algum tipo de imagem, que pode ser de qualquer natureza, desde que represente uma informação coletivamente compartilhada. Ou seja, um meme image macro não faria uso de uma imagem que não fosse popularmente conhecida, como uma caneca de café vazia jogada em um deserto de sal, a menos que isso fizesse alusão a qualquer meme já conhecido. Assim, um meme image macro é, normalmente, um meme de um meme, o qual, por sua vez, poderá dar origem a outros memes.

As informações verbais, expressas em letras garrafais, geralmente brancas com bordas pretas, são concisas e estruturam-se em dois ou três períodos. Esse é um aspecto distintivo dessa categoria discursiva. Os elementos linguísticos têm seu sentido ampliado a partir pela imagem na qual estão sobrepostos, de modo que a escolha da imagem nunca é acidental ou aleatória. Sendo assim, temos uma relação intrínseca entre elementos verbais e não verbais.

De modo análogo à charge, o meme é uma categoria discursiva determinantemente ancorada no seu contexto de produção. Distante dele, um meme pode ser inteligível ao leitor, exatamente pela pouca quantidade de informações presentes na superfície textual. Nessa conjuntura, se justifica, mais uma vez, opção pela LCE para abordar o objeto em questão, visto que, em razão dessa concisão, as informações acionadas cognitivamente são ainda mais decisivas, em comparação a uma categoria discursiva como uma bula de remédio, por exemplo – que, por sua funcionalidade, não pode contar, tal qual um meme, com os conhecimentos prévios do usuário, que geralmente não é um especialista em fármacos. Nesses termos, serão apresentados, a seguir, quais conceitos da LCE serão fundamentais para dar conta do fenômeno em análise nesta tese.

3.2 A análise linguística baseada em frames

O conceito de frame não é novo nas ciências humanas, o qual se vê presente em trabalhos na área da psicologia cognitiva e neurociências desde o início da década de 1970. Tal conceito foi assimilado pela Linguística no final dessa década e, desde então, vem passando por atualizações.

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Uma das primeiras abordagens que serviram de alicerce para a noção de frame que se tem hoje é a de Marvin Minsky, em seu trabalho de 1974 intitulado A Framework for Representing Knowledge. Nesse estudo voltado para a área da Inteligência Artificial, o autor em questão apresenta o frame como uma estrutura que engloba vários tipos de informações resultantes de vários tipos de experiências.

Ainda segundo Minsky (1974), essas estruturas, as quais são criadas a partir de experiências, acabam por criar expectativas quanto a essas experiências e, por seu turno, tais expectativas criam “roteiros” para determinados eventos. A título de ilustração, em um rito funeral, determinado indivíduo, que já tenha participado de um evento como esse, sabe que o corpo fica exposto para que amigos e familiares façam as últimas reverências. Ao mesmo tempo, outro indivíduo, que nunca tenha presenciado tal rito, pode ficar chocado em ver um corpo sem vida exposto e, por isso, não saber como agir dentro desse “roteiro”. Nesse ínterim, essas expectativas vão desde ações linguísticas, como DAR PÊSAMES aos parentes mais próximos, passando

por elementos encontrados em um funeral, como caixão e coroa de flores, até as ações que direcionam as expectativas dos participantes do evento, como acompanhar o cortejo do local de velório à cova, jogar flores dentro da cova, utilizar indumentária preta (ou escura) para representar luto etc.

A esse respeito, posteriormente, Fillmore (1982), um dos pioneiros a incorporar essa noção na análise linguística, afirma que o frame é “uma estrutura abstrata de expectativas que traz consigo papéis, propósitos, sequências naturais ou convencionalizadas de tipos de eventos, e todo o resto do aparato que desejamos associar à noção de frame”28 (p. 117 – tradução minha). Nessa perspectiva, o autor em questão entende que frame é “qualquer sistema de conceitos relacionados de tal maneira que, para entender qualquer um deles, você tenha que entender toda a estrutura na qual ele se encaixa”29 (1982, p. 111 – tradução minha).

28 Do original: “And once again this is accomplished by having in mind an abstract structure of expectations which brings with it roles, purposes, natural or conventionalizes sequences of event types, and all the rest of the apparatus that we wish to associate with the notion of frame.”.

29 Do original: “any system of concepts related in such a way that to understand any one of them you have to understand the whole structure in which it fits”.

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Sendo assim, é possível afirmar que, quando determinado termo é inserido numa conversa, automaticamente inúmeros outros conceitos são acionados simultaneamente em “cascata”30. Por exemplo, ao se apresentar o termo MEME a um determinado indivíduo, provavelmente virão à mente desse INTERNET, REDES SOCIAIS, HUMOR,POLÍTICA,IRONIAentre outros.

Quando se fala em construção de sentido, semântica pode ser o primeiro recurso a vir à mente, e sobre este nível de análise inúmeras óticas coexistem, explicando determinados fenômenos cada uma à sua maneira. Aqui, mostra-se relevante uma abordagem semântica baseada em frames porque, conforme Fillmore (1982), ela leva em conta a relação entre linguagem e experiência, aspecto distintivo no tocante à semântica formal. Ainda segundo Fillmore, “as palavras representam categorizações de experiência, e cada uma dessas categorias é sustentada por uma situação motivadora que ocorre em um contexto de experiência”31 (FILLMORE, 1982, p. 112 – tradução minha). Essa noção foi replicada por Lawer (1989), Petruck (1996) entre outros.

Fillmore, em Topics in Lexical Semantics (1977), estuda a dimensão semântica de itens lexicais e observa que as palavras funcionam como indexadores de sentido, ou seja, determinada seleção lexical apresentada em um dado texto aciona determinados frames. Assim, o autor afirma que os frames e as partes que os compõem são indexados por palavras e que, embora frames sejam constituídos por partes, essa relação não se dá de modo hierárquico.

Para ilustrar tal afirmação, Fillmore (1977) apresenta como exemplo o frame da TRANSAÇÃO COMERCIAL e o frame da TRANSFERÊNCIA DE VALORES. O frame da TRANSAÇÃO COMERCIAL, nesse exemplo, envolve aspectos que estão relacionados a

esse evento, a saber: comprador, vendedor, mercadoria e dinheiro. Desse modo, as palavras relacionadas semanticamente a esses termos constituem um conjunto de

30 Lakoff e Wehling (2002) afirmam que, ao se acionar um frame, ativam-se “cascatas” de circuitos neurais que formam uma rede semântica. Isso implica dizer que as ideias não são processadas em separado, mas, sim, evocam um contexto maior, constituídos por experiências. Portanto, o significado não decorre apenas do indexador expresso e do frame acionado, mas sim de toda a cena que o dado frame remonta.

31 Do original: “words represent categorizations of experience, and each of these categories is underlain by a motivating situation occurring against a background of knowledge and experience”.

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indexadores linguísticos que são responsáveis por acionar este frame. Assim, palavras como ‘comprar’, ‘vender’, ‘pagar’, ‘comercializar’, ‘gastar’, ‘cobrar’ etc. aciona, cada uma delas, dimensões distintas desse frame.

O verbo COMERCIALIZAR, por exemplo, focaliza o mercado, o comércio,

deixando outras dimensões, como vendedor, comprador, mercadoria, como pano de fundo (background) da cena – atributos que, por sua vez, são facilmente recuperáveis por inferência, pelo fato de o indexador acionar a cena inteira, mesmo focalizando apenas um aspecto. Por outro lado, o indexador GASTAR focaliza a quantia desprendida

na relação comercial, a qual, pela própria semântica do item lexical, expressa valor elevado, enquanto ECONOMIZAR tem o sentido inverso, como em “Eu economizei na

calça jeans”, em que igualmente se focaliza a quantia desprendida, porém expressando baixo gasto.

Portanto, na perspectiva de Fillmore (1977), palavras ativam cenas inteiras e, assim sendo, tal realidade direciona a maneira como estruturamos a percepção indireta sobre determinados eventos que, por sua vez, podem ser pensados como mecanismos nos quais as partes que compõem os frames estabelecem relação entre si, de modo a formar uma estrutura reticulada – a qual alimenta outras estruturas, bem como é alimentada pelas estruturas que ela própria fornece informações, formando uma rede não hierárquica.

Posteriormente, Lakoff e Johnson (2002), em “Metáforas da vida cotidiana”, postularam que a compreensão da metáfora conceptual consiste em um importante recurso para compreender os Modelos Cognitivos Idealizados (MCIs). A teoria dos MCIs foi desenvolvida por Lakoff, em seu trabalho Woman, fire and dangerous things (1987), ocasião em que o autor considera que MCIs são estruturantes de “cenas culturais”, aspectos os quais caracterizam sociedades e culturas. Assim, esses MCIs não são individuais, mas, sim, compõem um imaginário coletivo num sistema conceptual socialmente compartilhado. Tal modelo está calcado na pressuposição de que a semântica conceitual fundamenta a capacidade de conceitualização humana. Nessa perspectiva, Lakoff (1987) destaca que a categorização só é possível graças à existência de um modelo cognitivo idealizado, responsável pela organização de todo conhecimento. Assim, a noção de MCI é importante para a fundamentação teórica da LCE por dar conta de como determinados conceitos são compartilhados entre os

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