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Análise das duas zonas de sentido comuns aos trabalhos das quatro participantes, relativas às

5.2.1 Árvore e Coração – Símbolos da Vida - correspondentes à cor vermelha da zona de sentido de V., através da similaridade de seus significados.

Diante do que encontramos nas teorias sobre os dois símbolos, a Árvore é o símbolo da vida, assim como o Coração também é o centro da vida. Se o coração bate, então há vida. Assim como a Árvore que cai está ligada simbolicamente à morte, quando o Coração para de bater, está também decretada a morte.

A partir dessa similaridade simbólica entre coração e árvore, torna-se possível interpretar o que ambos os símbolos, Árvore e Coração, expressam a vida. Conforme ensina Durand, a simbologia das imagens não pode estar desconectada de seu contexto social e cultural, portanto, questiono-me acerca de que vida elas queiram expressar nas imagens: a vida que têm agora, morando no Instituto de Saúde Mental? A vida que tinham antes das internações psiquiátricas? Ou uma possível vida que elas gostariam de ter, diferente da vida atual? Independentemente de que vida elas estejam “falando” através de suas imagens, o que percebo (e aqui incluo todos os meus sentidos: audição, visão e intuição) é que elas desejam se mostrar vivas, conforme pode ser percebido nas árvores expressas por elas. A grande maioria possui frutos, num simbolismo sugestivo de vida plena, saudável, capaz de gerar ‘frutos’ sejam frutos compreendidos como procriação, como produção pessoal e social, ou como símbolo da vida, sugerindo uma necessidade das participantes em se mostrarem vivas, no sentido de que sejam percebidas enquanto pessoas.

Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), o coração pode ser interpretado como o centro da vida e a árvore como o símbolo da vida. Esta que se comunica através desses dois símbolos revela um sentimento comum, uma comunicação subjetiva da existência do ser humano que sobrevive à doença, isso porque o paciente com transtorno mental muitas vezes não é enxergado na sua individualidade e subjetividade, nem na hora do diagnóstico, nem na hora de receitar a medicação, nem mesmo na hora de se relacionar com o outro.

A sociedade geralmente mede as pessoas por uma régua imaginária de um enquadramento do que seria esperado em termos de comportamento e atitudes. Quem está fora das medidas da maioria torna-se “anormal” no sentido de fora da norma e sobre ele/ela recairá todo o peso de ser diferente, de forma implacável e segregadora. Esse indivíduo será

mantido isolado da sociedade, não mais atrás das grades e muros dos hospitais psiquiátricos, mas isolado por um sentimento de preconceito em relação a ele, o que o afasta do convívio social e, muitas vezes, também do convívio familiar.

5.2.2 Árvore e Coração – Simbologia do feminino e masculino em um mesmo símbolo – correspondente à cor Verde na zona de sentido de V., através da similaridade de seus significados.

A Árvore, assim como o Coração, possui dentro de si tanto a simbologia do feminino como a do masculino. Segundo Chevalier e Gheerbrant, o masculino está investido da simbologia da força e proteção, da autoridade. Enquanto o arquétipo materno está ligado aos símbolos como o acolhimento, o aconchego e o afeto.

Ficaremos com a simbologia do feminino e do masculino, segundo significado dos arquétipos envolvidos com esses símbolos. Segundo Jung, os arquétipos são símbolos do inconsciente, com imagens que nos remetem ao inconsciente coletivo, formado pelas memórias da herança da humanidade. Partindo desse princípio, podemos perceber que a presença do simbolismo andrógino nas imagens das participantes nos chama atenção mais para um processo de falta de identidade do que para uma questão de gênero e sexualidade.

Se pensarmos na identidade enquanto um processo construído ao longo do tempo, fica compreensível entender como este processo pode ter sido, e ainda ser, confuso para nossas participantes. Para se ter ideia, durante a pesquisa, tive conhecimento por meio de uma técnica de enfermagem que trabalha no ISM há mais de dez anos, história que foi confirmada por funcionária da assistência social dessa Instituição, que duas das participantes da pesquisa, V. e MP., não possuem documentação de identificação como certidão de nascimento ou documento de identidade. Assim, nem mesmo se sabe se V. é de fato o nome verdadeiro da participante.

Essas mulheres encontram-se no Instituto de Saúde Mental, mas em um local isolado do convívio geral com os pacientes que frequentam as oficinas, ou vão apenas buscar medicação no ISM. Sua localização geográfica, no ISM, é no alto da colina, enquanto as oficinas funcionam no “pé” da colina. Isso demonstra um isolamento mesmo na própria Instituição. Entretanto, não podem ser consideradas como pacientes internas de um hospital psiquiátrico, porque não existe mais esse modelo de internação involuntário e indefinido na reforma psiquiátrica em vigor no Brasil.

Assim, a vida delas se constitui em um não-pertencimento: elas não são doentes mentais porque não estão em um hospital psiquiátrico. V. e MP. dizem não ter família, enquanto R., O. e É. possuem família conhecida, que raramente as visitam e que nãos as

querem de volta ao convívio familiar. Essas mulheres não têm renda financeira, não têm casa própria, não escolhem as roupas ou os objetos para seu uso pessoal. Elas não possuem autonomia para ir e vir, dependem dos remédios, alimentação, acomodação e cuidados médicos e de enfermagem da Secretaria de Saúde Publica do Governo do Distrito Federal, não por escolha, mas por necessidade.

Todos esses dados colhidos através da investigação sobre a história de vida dessas mulheres sugerem uma falta de autonomia e um sentimento de desproteção, expresso através das imagens da árvore e do coração, conforme interpretação a seguir.

A falta de autonomia está expressa na medida em que elas não estão gerindo as próprias vidas, nem realizando escolhas pessoais: elas tomam medicação sem saber o que estão tomando, comem a comida que lhes for servida, usufruem o que estiver na casa sem se apoderar de nada, até mesmo objetos para higiene pessoal vêm de doações. O ato de escolher e se reconhecer nas escolhas que fazemos, tão importante para o processo de construção da identidade pessoal, não faz parte da vida dessas mulheres, há pelo menos cinco anos.

A desproteção se inicia na rejeição ou nos maus tratos da família e se estende ao longo da vida, porque os cuidados médicos e profissionais que recebem na residência não foram estabelecidos a partir de um vínculo afetivo espontâneo, mas sim a partir do desempenho laboral dos médicos, auxiliares e técnicos em enfermagem.

Simbolicamente a falta de autonomia e a desproteção nos remetem à lembrança da infância, quando nos sentimos desprotegidos em relação ao mundo, e, consequentemente, buscávamos encontrar as repostas para as necessidades infantis na figura dos pais. Segundo Jung, o arquétipo do grande pai expressaria a necessidade de proteção e autoridade; o da grande mãe, a necessidade de intimidade, acolhimento e afeto.

O arquétipo mãe seria aquele acolhimento materno, aquele aconchego de se sentir parte de alguma coisa, o conforto emocional de pertencer. Elas não se sentem pertencendo nem às próprias famílias, nem ao Instituto, nem à sociedade, nem junto aos loucos, nem junto aos normais.

5.2.3 Dimensão Espiritual da Árvore e do Coração correspondente à cor Azul na zona de sentido de V., através da similaridade de seus significados

Segundo Chevalier e Gheerbrant (2006), esses dois símbolos também estão imbuídos de um sentido de transcendência: a árvore expressaria uma manifestação divina, o coração, uma expressão da dimensão espiritual.

Assim essa filiação ligada a Deus, que não pode ser negada ou contestada, pode oferecer, por isso mesmo, uma segurança de pertencimento ao paciente esquizofrênico.

Ser filho de Deus é algo que iguala todos os homens, independentemente de cor, raça ou classe social, ou estado psíquico. E diante deste cristianismo/religiosidade/transcendência, é possível encontrar um sentimento de pertença, de fazer parte de algo, de estar incluído, junto, “em pé de igualdade”, o que não pode ser conseguido em nenhuma outra dimensão que não seja esta.

5.2.4 Integração entre os aspectos biológico, intelectual, emocional e espiritual – correspondentes à cor amarela da zona de sentido de V., através da similaridade de seus significados

O coração, como centro do afeto, do intelecto e do espiritual, engloba todas as dimensões da vida humana: o biológico, o emocional, o intelectual e o espiritual. Assim como a árvore, que tem suas raízes no subterrâneo, o caule na superfície e as folhas rumo à transcendência. O que isso quer dizer?

A árvore enquanto símbolo da ascensão da imortalidade, do nascimento e renascimento, através da queda das folhas, nascimento das flores/frutos, e o coração enquanto símbolo da intimidade, através do simbolismo do homem interior.

Esse aspecto chama atenção também para o “homem no interior” de cada uma das quatro participantes, ou seja, para quem elas são além da esquizofrenia e da medicação. Chamar atenção para a individualidade e a subjetividade de cada uma, reafirmando que elas possuem suas características e valores próprios. O ciclo do nascimento e renascimento da árvore sugere que as pacientes nem sempre foram como estão hoje, nem quer dizer que amanhã não poderão estar melhores.

Esse aspecto dos símbolos, em minha opinião, vem nos chamar atenção para o fato de que não cabe mais aos profissionais de saúde um pensamento fatalista e inflexível acerca da esquizofrenia. Precisamos enxergar o participante além da doença, do transtorno.

Só assim seremos capazes de melhor capacitá-los rumo à autonomia e ao equilíbrio, compreendendo a função do delírio na sua história de vida, seu modo de funcionamento, auxiliando-os no desenvolvimento do controle emocional, na aquisição de novas habilidades para cuidados com a própria higiene, aparência, tarefas domésticas básicas e habilidade específica para desenvolvimento de talentos.

5.3 ANÁLISE DAS ZONAS DE SENTIDO – Árvore e Coração - Segundo Jung e

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