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Análises dos julgados: os resultados gerais obtidos

O método usado na obtenção dos dados revelou uma enorme quantidade de acórdãos, cerca de 15 mil, que, classificados por meio de inteligência artificial, ordenados de acordo com diversos critérios e contabilizados por grupos, possibilitou a revelação de padrões e características, tais como: relevância, evolução temporal, modalidades de corrupção e julgamentos com ou sem análise de mérito, cujos dados tabulados encontram-se na planilha acessível pelo atalho abaixo 30. Neste capítulo apresentar-se-ão os resultados obtidos com a aplicação da metodologia utilizada, bem como, concomitantemente, as análises desses resultados.

A questão da relevância dos julgados

Como já esclarecido anteriormente, a esta pesquisa somente interessam os acórdãos conclusivos, que extinguem o processo, condenando ou absolvendo os réus, nesse último caso seja por sua inocência (mérito), por algum defeito processual (por exemplo falta de provas) ou ainda por prescrição. Maiores detalhes podem ser consultados na seção “A classificação dos julgados por aprendizado de máquina”, que compõe o apêndice A ao final deste texto.

Apresentam-se, a seguir, os dados quanto à classificação de relevância: Tabela 6.1 – Julgados por relevância e por instâncias

TRIBUNAL RELEVANTES IRRELEVANTES

No JULGADOS % No JULGADOS % STF 117 34% 232 66% STJ 391 25% 1.146 75% TRFs 9.409 71% 3.759 29% Subtotais 9.917 66% 5.137 34% TOTAIS 15.054 (100%)

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/ .

30

Gráfico 6.1 – Relevância por TRFs.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/ . Não há dúvidas que uma das funções dos tribunais superiores é controlar o procedimento das instâncias inferiores. Porém, as proporções de julgados classificados como irrelevantes nos tribunais superiores são espantosas: 66% no STF e 75% no STJ. Nos TRFs a relação é mais razoável: na média 29% dos casos julgados foram classificados como irrelevantes. Isso quer dizer que, mesmo sem contar as decisões monocráticas dos relatores, o Supremo e o STJ despendem, respectivamente, cerca de 2/3 e 3/4 do seu tempo ou energia controlando os procedimentos de seus próprios processos originários e dos recursais oriundos das instâncias inferiores, empregando a menor parte de seus meios às conclusões de mérito das ações. Ainda que se alegue que o tempo ou energia aplicados a uma decisão de caráter interlocutório é menor que aqueles absorvidos por um julgamento de mérito, as diferenças de proporções são tão elevadas que autorizam tal conclusão.

Tais dados corroboram as conclusões de Taylor, no sentido da existência de uma multiplicidade de recursos disponíveis, principalmente aqueles contra decisões interlocutórias que não afetam diretamente o resultado do processo, mas podem em muito atrasar seu andamento (TAYLOR, 2011, p. 171).

29% 39% 37% 22% 22% 0% 20% 40% 60% 80% 100%

1a Região 2a Região 3a Região 4a Região 5a Região

Relevância por TRF

Distribuição dos julgados relevantes por tribunais federais

Os dados a seguir apresentam a distribuição somente dos casos relevantes de corrupção julgados pelos sete tribunais mencionados entre 1991 e 2014:

Gráfico 6.2 – Julgados relevantes por instâncias.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/. Tabela 6.2 – Julgados relevantes por TRFs.

TRFs No JULGADOS % 1a Região 2.748 29% 2a Região 1.168 12% 3a Região 1.130 12% 4a Região 1.671 18% 5a Região 2.692 29% TOTAL 9.409 100%

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/ .

117 - 1%

391 - 4%

9.409 - 95%

0 2.000 4.000 6.000 8.000 10.000

N

o

de Julgados Relevantes por Instâncias

De acordo com o Gráfico 6.2, tendo em vista que a proporção de julgados irrelevantes é bem maior nos tribunais superiores (66% no STF e 75% no STJ) que nos TRFs (29%), ao considerarmos somente os casos relevantes, a discrepância da distribuição entre as instâncias se torna ainda mais pronunciada, aumentando-se a base da pirâmide (TRFs: de 87% para 95%) e diminuindo-se o intermédio (STJ: de 10% para 4%) e o topo (STF: de 2% para 1%), conforme comparação entre as Tabela 6.1 e o Gráfico 6.2. A distribuição interna dos TRFs permanece quase inalterada quando se retiram os julgados irrelevantes.

Destaca-se que a distribuição acima descrita é somente uma descrição dos dados obtidos pela metodologia de sua captação e não representa, por exemplo, como se distribuiu o trânsito em julgado dos casos analisados nas três instâncias possíveis: TRFs, STJ e STF. Primeiramente, lembra-se que um mesmo caso pode ter sido contado mais de uma vez: se for um caso mais antigo (do início da série temporal) e caso tenha ocorrido todos os recursos possíveis, a metodologia aplicada “contou” o mesmo caso três vezes, no TRF, no STJ e também no Supremo. Observa-se, ainda, que, como será demonstrado a seguir (Gráfico 6.12), o número de julgados por ano cresceu exponencialmente no período de 24 anos estudado, o que privilegia, na distribuição acima descrita, o acúmulo de casos identificados nos TRFs, uma vez que os processos mais recentes, já computados nos TRFS, ainda não foram “contados” nas instâncias superiores, de acordo com a metodologia utilizada.

A questão da distribuição do trânsito em julgado dos casos pelas três instâncias, com forte ligação com a utilização das amplas possibilidades de recursos previstos em nossos sistemas processuais, poderá ser mais bem compreendida no capítulo seguinte, por meio da análise da amostra realizada, mais especificamente mediante a investigação dos dados constantes do Quadro 7.10.

A Tabela 6.3 a seguir apresenta a distribuição dos julgados relevantes por competências originária e recursal para cada uma das instâncias.

Tabela 6.3 – Julgados relevantes originários e recursais por instâncias. TRIBUNAL ORIGINÁRIOS RECURSOS No JULGADOS % No JULGADOS % STF 96 82% 21 18% STJ 80 20% 311 80% TRFs 173 2% 7.974 98% Subtotais 349 4% 8.306 96% TOTAIS 8.655 100%

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/ . Destaca-se a enorme proporção de ações originárias julgadas pelo Supremo (82%) em relação aos casos de sua competência recursal (18%), quando se restringe a observação somente aos casos conclusivos de corrupção, em que o mérito dos processos é analisado, dispensando-se as decisões de caráter interlocutório. Por outro lado, as competências originárias do STJ e dos TRFs são acentuadamente decrescentes, 20% e 2% respectivamente, o que os caracterizam como instâncias eminentemente recursais no âmbito aqui discutido. Ou seja, se retirássemos dos casos julgados conclusivamente pelo STF e pelo STJ aqueles relacionados com suas competências originárias (o que aconteceria com o fim do foro privilegiado) a discrepância ilustrada pelo Gráfico 6.2 ficaria ainda mais acentuada, mantendo-se a larguíssima base da pirâmide (TRFs) e diminuindo-se ainda mais seu intermédio (STJ) e seu topo (STF).

Ressalta-se, novamente, que as informações acima não autorizam conclusões a respeito da influência do sistema recursal da legislação processual penal e cível brasileira, o que somente seria possível no caso de o fluxo de processos contados pela metodologia de obtenção dos dados utilizada fosse constante ao longo dos 24 anos examinados, o que, muito pelo contrário, não aconteceu, conforme pode ser verificado pelo Gráfico 6.12 a seguir.

Ainda que os respectivos acórdãos tenham sido descartados no prosseguimento da análise, interessa-nos a investigação sobre a composição interna das decisões interlocutórias, ou seja: aquelas em que não há uma conclusão sobre o mérito do processo (condenação ou absolvição), as quais, para este trabalho, foram classificadas como irrelevantes. Conforme a Tabela 6.4 abaixo, em média, para as três

instâncias analisadas (STF, STJ e TRFs), 78% dos casos irrelevantes correspondem a ações de habeas corpus, ou a recursos ordinários em habeas corpus ou ainda a embargos de declaração em habeas corpus ou nos respectivos recursos. Reitera-se que os habeas corpus classificados como irrelevantes são somente aqueles que não interferiram na ação penal principal, ou seja: suas ordens foram denegadas ou seus recursos foram improvidos. Aqueles que cujas ordens forma concedidas ou seus recursos providos e extinguiram a ação penal principal, normalmente determinando-se o “trancamento da ação por falta de justa causa” foram classificados como relevantes, seja com análise de mérito (classe B.1) ou, preponderantemente, sem ela (classe B.2), de acordo com o contexto do caso.

Foram também computados junto aos TRFs os recursos em sentido estrito - RSE contidos no conjunto dos julgados irrelevantes, uma vez que tal recurso, em tese, é, na maioria das situações, o mais adequado para a impugnação de decisões interlocutórias em segunda instância no processo penal brasileiro; não sendo cabível, entretanto, em relação ao STJ e ao Supremo. Obviamente, por tratar o habeas corpus e o recurso em sentido estrito de instrumentos tipicamente penais, os cômputos em questão não abrangeram a modalidade de corrupção referente à improbidade administrativa (no 19 do Quadro 4.1), cuja natureza é exclusivamente cível.

Tabela 6.4 – Proporção de HCs e RSEs nos julgados irrelevantes por instâncias.

TRIBUNAL

HABEAS CORPUS Recurso Sentido

Estrito IRRELEVANTES HC + RSE No JULGADOS % No JULGADOS % No JULGADOS %

STF 157 71% - - 222 71%

STJ 706 77% - - 912 77%

TRFs 1.517 69% 202 9% 2.184 79%

TOTAIS 2.380 72% 202 6% 3.318 78%

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/ . No que tange aos tribunais superiores (STF e STJ), lembra-se que a alta taxa de incidência de ações de habeas corpus (71% e 77% respectivamente) é conjugada com a também altíssima taxa de julgados irrelevantes em relação ao universo de processos (66% e 75%, conforme Tabela 6.1). No Superior Tribunal de Justiça, por

exemplo, dos 1.147 processos criminais (modalidades 1 a 18 do Quadro 4.1) julgados entre 1991 e 2014, 912 (80%) não influenciaram diretamente a conclusão do caso (classificados como irrelevantes), e, desses, 706 eram processos de habeas corpus ou seus derivados (recurso ordinário ou embargos de declaração). Ou seja: 62% de todos os processos criminais de corrupção julgados pelo STJ no período foram ações de habeas

corpus (ou seus recursos ordinários ou seus embargos declaratórios) que não afetaram a

conclusão dos casos, isto é: não resultaram em alguma das formas de absolvição.

Ainda que não calculável precisamente, uma vez que os processos classificados como irrelevantes não foram separados em categorias subsequentes (como o caso dos relevantes), pode-se estimar que a grande maioria dos habeas corpus e seus derivados contidos no conjunto dos julgados irrelevantes tiveram como resultado suas denegações ou improcedências.

Ademais, os prazos céleres previstos na legislação para a tramitação dos

habeas corpus 31 são mera ilusão. De acordo com pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de 2014, o STF levava em média 310 dias para finalizar o julgamento de um HC (FALCÃO, HARTMANN & CHAVEZ, 2014, p. 80). Matéria de 2008 da Revista Consultor Jurídico de 2008 32 indicava um prazo médio de 439 dias para o julgamento de mérito de um HC no STJ. Ainda que um tanto desatualizada tal informação, não há motivos para supor que houve alteração drástica.

A cultura jurídica aceita uma exagerada utilização do habeas corpus, não só contra ameaça direta da liberdade, mas para contestar aspectos banais do processo em todas as instâncias judiciais. O que seria para ser somente uma extraordinária proteção tornou-se uma tática de defesa rotineira (TAYLOR, 2011, p. 172). Dados recentes relativos à Operação Lava Jato apontam no mesmo sentido: “Em pouco mais de dois

anos de Lava Jato, 432 pedidos de habeas corpus foram apresentados a tribunais superiores. Destes, somente 17 tiveram resultados favoráveis à defesa, um percentual de 3,9%” (NETTO, 2016, pp. 373/374). Corrobora tal fato as conclusões de Mattos:

31

Arts. 660 e 664 do Código de Processo Penal, art. 31 da Lei no 8.038/1990 e arts. 192 e 311 do RISTF.

32

https://www.conjur.com.br/2008-mar-

04/stj_leva_400_dias_julgar_habeas_corpus#:~:text=A%20m%C3%A9dia%20de%20espera%2 0%C3%A9,de%20menos%20de%20um%20ano.

“A banalização do habeas corpus para legitimar qualquer insurgência defensiva ocasiona diversos problemas processuais e contribui para o assoberbamento do Poder Judiciário. Em outras palavras, a ampliação do habeas corpus para atacar qualquer decisão judicial, mesmo no bojo do inquérito policial, viola inúmeros princípios constitucionais relacionados ao devido processo legal” (MATTOS, 2015, p. 141).

Mesmo sendo absolutamente essencial para a concretização do estado democrático de direito e um excelente instrumento assegurador das garantias dos réus, a utilização indiscriminada da ação de habeas corpus certamente, no âmbito dos julgamentos dos casos de corrupção, é uma causa de ineficiência da prestação jurisdicional dos tribunais federais, principalmente nos tribunais superiores. Tal fato já foi sentido pelo Supremo Tribunal Federal, que começou a limitar seu uso, com alteração de entendimento fixada no HC no 109.956, em que a Corte Suprema, em agosto de 2012, passou a vedar a utilização de uma nova impetração de habeas corpus originário como substitutivo de recurso ordinário em habeas corpus, restringindo prática tradicionalmente utilizada pelas defesas dos réus.

Evolução do número de julgados relevantes por ano e por tribunal Os gráficos a seguir representam a evolução temporal somente dos casos relevantes de corrupção julgados pelos sete tribunais mencionados entre 1991 e 2014:

Gráfico 6.3 – Evolução dos julgados relevantes nos tribunais superiores.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/.

0 10 20 30 40 50 60 70 80

STJ e STF - Evolução Temporal

STJ STF

Gráfico 6.4 – Evolução dos julgados relevantes nos tribunais regionais federais.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/. O forte crescimento do número de julgados consolidados anuais dos cinco TRFs, com ênfase na última década do período analisado, foi provocado pelos crescimentos dos números de julgamentos realizados pelos TRFs da 5ª, principalmente, e 1ª regiões. Os gráficos a seguir demonstram que esses crescimentos se deram pelos consideráveis aumentos das ações de improbidade administrativa julgadas por esses dois tribunais nos últimos anos. Os TRFs das 2ª (RJ e ES), 3ª (SP e MS) e 4ª (RS, PR, SC) regiões apresentaram crescimentos mais modestos, porém contínuos e significativos. Nota-se, que, proporcionalmente à importância econômica e populacional de São Paulo, o TRF da 3ª Região deveria apresentar uma parcela maior de julgados (12% - Tabela 6.2) e uma melhor evolução no período. Ao contrário, sua performance é ligeiramente inferior aos TRFs das 2ª e 4 regiões (12% e 18%, respectivamente).

Gráfico 6.5 – Evolução dos julgados criminais e de improbidade no TRF da 5ª Região.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/.

0 200 400 600 800 1000 1200 1400 1600 1800

TRFs - Evolução Temporal

1a Região 2a Região 3a Região 4a Região 5a Região TRFs

0 100 200 300 400 500

TRF 5 - No de Julgados: Crime X Improbidade

Gráfico 6.6 – Evolução dos julgados criminais e de improbidade no TRF da 1ª Região.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/. As evoluções dos números de julgados de improbidade administrativa nos TRFs das 5ª e 1ª regiões são tão preponderantes que, nos últimos anos do período estudado, determinaram a proporcionalidade entre os casos de improbidade e os criminais para a evolução consolidada dos cinco TRFs, com os primeiros ultrapassando os segundos a partir de 2011, conforme se depreende do Gráfico 6.7 a seguir.

Gráfico 6.7 – Evolução dos julgados criminais e de improbidade nos 5 TRFs.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/.

0 50 100 150 200 250 300 350

TRF 1 - No de Julgados: Crime X Improbidade

CRIME IMPROBIDADE 0 100 200 300 400 500 600 700 800 900

TRFs - N

o

de Julgados: Crime X Improbidade

De acordo com Da Ros (2019), a accountability legal civil (improbidade administrativa), por pressupor maior número de comportamentos sancionáveis, assim como de órgãos responsáveis por suas detecção ou exposição, investigação, acusação e adjudicação (julgamento), tem maior potencial de produzir uma quantidade maior de sanções que a accountability legal penal (criminal), ainda que de severidade menor, já que a aplicação da sanção penal também depende da interdependência de um maior número de órgãos (polícia, Ministério Público e Justiça, em diversas instâncias), ou seja, de uma maior incidência de veto players.

Os dados obtidos nesta pesquisa e ilustrados pelo Gráfico 6.7 acima corroboram tal tese, pois o número de processos de improbidade administrativa (criada em 1992 pela Lei no 8.429) julgados pelos tribunais do Poder Judiciário federal começou a apresentar crescimento contínuo em 2003 (cerca de 10 anos para atravessarem as etapas de detecção/exposição, investigação, acusação e julgamento em 1ª e 2ª instâncias), com taxas superiores de crescimento a partir de 2008, e suplantando o número de processos criminais em 2011 em valores absolutos.

Segundo Arantes (2011), a criação da ação de improbidade administrativa pela Lei no 8.429/1992 teve por razão viabilizar punições mais rápidas e eficazes dos casos de corrupção, pois, ausente o foro privilegiado das altas autoridades públicas, presumiu-se que um grande número de procuradores e promotores, espalhados pelas diversas comarcas do País, proporiam aos juízes de primeira instância uma infinidade dessas ações. Ademais, achava-se que o processo civil seria menos complexo que o criminal, já que, nesse último, a prova necessária para uma condenação é de difícil construção, ante as variadas garantias processuais de proteção aos réus.

Porém, as evoluções ilustradas nos gráficos acima não corroboram suas conclusões no sentido de que “um balanço de quase vinte anos de experiência com esse

tipo de ação é capaz de demonstrar os parcos resultados obtidos e seu baixo grau de efetividade processual” (ARANTES, 2011, p. 123). Acrescenta ainda Arantes que:

“(...) o deslocamento das ações de combate à corrupção da esfera estadual para a federal está diretamente associado ao movimento da esfera cível para a criminal – e ambos estão associados à maior articulação entre as instituições responsáveis por conduzir a investigação e o processo judicial por essa via” (ARANTES, 2011, p. 126).

Ao contrário, o que constatamos é uma crescente importância das ações de improbidade administrativa na esfera federal a partir de 2005, suplantando numericamente a quantidade de casos criminais julgados a partir de 2010. Ao que parece, de acordo com o Gráfico 5.8 a seguir, o fenômeno identificado por Arantes restringe-se, no âmbito deste estudo, ao TRF da 3ª Região, em que há predominância do Estado de São Paulo, em confronto com o Estado do Mato Grosso do Sul (Figura 3.1). Especula-se a existência, no passado recente, de alguma dificuldade da Procuradoria da República no Estado de São Paulo em propor ações de improbidade administrativa perante os juízos federais de primeiro grau, cujo reflexo se constata no Tribunal Regional Federal respectivo abaixo ilustrado. Verifica-se que a partir de 2012 pode estar havendo alguma correção em relação à deficiência aventada.

Gráfico 6.8 – Evolução dos julgados criminais e de improbidade no TRF da 3ª Região.

Fonte: Autoria própria, a partir de consulta em https://www2.jf.jus.br/juris/unificada/. Em relação ao universo de julgados relevantes (9.917 casos), a improbidade administrativa tem participação proporcional destacada: 40% dentre os 391 julgados do STJ e 41% daqueles 9.409 analisados pelos TRFs, assim distribuídos: 49% no TRF1, 28% no TRF2, 19% no TRF3, 25% no TRF4 e 58% no da 5ª Região. Como era de se esperar, tendo em vista que para os processos cíveis de improbidade administrativa não existe o foro privilegiado como na distribuição de competência criminal, somente 5% dos 117 casos julgados pelo Supremo foram dessa modalidade de corrupção (no 19 de acordo com o Quadro 4.1).

0 20 40 60 80 100 120 140

TRF 3 - No de Julgados: Crime X Improbidade

Ademais, o relatório gerado pelo Conselho Nacional de Justiça - CNJ sobre a implementação da Meta no 18 de 2013, criada para promover o combate à corrupção33, atualizado até 11/03/2014, mostrou que, dos 110.047 processos de crimes contra a Administração Pública e de improbidade administrativa identificados para justiças comuns federal e estadual, 42.4380 referem-se à segunda hipótese, ou seja: quase 38,6% do total, parcela bastante significativa para caracterizar eventual desuso do procedimento. Se restringirmos esses dados somente à esfera federal, conforme a amplitude desta pesquisa, não há grandes variações: 34,3% (9.742) de todos os processos (28.396) correspondem à improbidade administrativa. Os dados atualizados até junho de 2016 relativos à Meta no 4 de 2015, sucessora da Meta no 18 de 2013, indicaram panorama muito semelhante, no qual 37,6% do estoque de 115.644 processos de corrupção correspondiam à modalidade de improbidade administrativa 34. Ressalta-se que os números indicados neste parágrafo referem-se a todo o Poder Judiciário, incluindo-se as justiças comuns estaduais e os juizados de primeiro grau, não incluídos no escopo deste trabalho. Acrescenta-se que a definição criminal de corrupção utilizada pelo CNJ (crimes contra a Administração Pública) é mais ampla que aquela definida nesta pesquisa. Todavia, tais diferenças não invalidam a comparação ora efetivada quanto à proporção de casos de improbidade administrativa no universo de processos submetidos ao Poder Judiciário relativos à corrupção lato sensu.

Quanto ao segundo movimento mencionado por Arantes da esfera estadual para a federal (2011), os dados do CNJ também não corroboram essa conclusão. Dos mesmos 110.047 processos de corrupção identificados em todo o Poder Judiciário no acompanhamento da Meta no 18 de 2013, atualizado até 11/03/2014, 81.651 pertencem à Justiça estadual comum (74,2%), enquanto a Justiça Federal responde por 28.396 casos, ou 25,8% do movimento judicial total. Já os dados atualizados até 22/02/2016, relativos à Meta no 4 de 2015 35, demonstram uma concentração ainda maior dos casos de corrupção na Justiça estadual: 86,6% das 103.402 ações em estoque em todo o Poder Judiciário (excetuando-se o STF e o STJ). As mesmas ponderações referentes às diferenças de escopos e definições são reiteradas para este parágrafo.

33 https://www.cnj.jus.br/wp- content/uploads/2011/12/aad0457c13dabd66e2c512d0b4bbc5fc.pdf 34 https://www.cnj.jus.br/wp- content/uploads/conteudo/arquivo/2016/07/2610e043bc7d99c761fc5e33569c203c.pdf (Gráfico 9, pg. 28). 35 https://www.cnj.jus.br/wp- content/uploads/2015/03/2bc6b6d8aee3adab368e7f5ad1314add.pdf

Comparação da evolução anual do número de julgados de corrupção com a produção geral dos tribunais

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