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A percepção da corrupção pela sociedade no Brasil é crescente nas últimas duas décadas e atingiu níveis muito elevados (Gráfico 1.1). A evolução de tal percepção nem sempre se correlaciona a um aumento real da corrupção, grandeza de impossível medição absoluta, ante o conceito de cifra negra exposto.

Por outro lado, a principal consequência desse fenômeno é afetar a legitimidade do sistema democrático, bem como a qualidade da democracia, uma vez que mitiga o apoio ao regime, abala a confiança da população nas instituições, e desacredita os princípios republicano e do primado da lei (AVRITZER & FILGUEIRAS, 2011; BIGNOTTO, 2011; MENEGUELLO, 2013; MIGNOZZETTI, 2013; MOISÉS, 2013; PINTO, 2011; POWER & TAYLOR, 2011). Infelizmente, a concretização da tese acima descrita vem sendo comprovada já no primeiro ano de governo do presidente Bolsonaro.

Que o tema da corrupção fosse uma das principais pautas da última eleição presidencial, com acusações recíprocas entre os candidatos, não há novidade, pois isso já se tornou uma constante há muito tempo em nossos pleitos eleitorais (SADEK, 2019). Porém, inéditos são os violentos e diretos ataques autoritários perpetrados por autoridades muito próximas à Presidência da República contra o regime democrático e suas instituições, principalmente os demais poderes Legislativo e Judiciário e a imprensa (FREIRE, 2019; TAVARES, 2019; VIEIRA, 2019). Apesar de reações institucionais e da imprensa, tais manifestações autoritárias (e inconstitucionais) têm sido recebidas por parcela considerável da sociedade com aparente normalidade, o que, por si só, já é absolutamente estarrecedor! Sem dúvidas, um retrocesso civilizatório!

Segundo pesquisa do Datafolha realizada nos dias 5 e 6/12/2019 50:

“Em comparação a pesquisa anterior, na semana da eleição do 1º turno do ano passado, a taxa de brasileiros que apoiam a democracia como a melhor forma de governo recuou sete pontos percentuais (era 69%), enquanto cresceu nove pontos percentuais a taxa de indiferentes (era 13%). A parcela de brasileiros que prefere a ditadura à democracia em certas circunstâncias ficou igual (era 12%)”.

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http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2020/01/1988569-apoio-a-democracia - recua-no-brasil.shtml

Utilizando-se as definições legais de corrupção e a metodologia de obtenção dos acórdãos julgados pelos cinco TRFs, pelo STJ e pelo STF entre 1991 e 2014, conforme descritas no Capítulo 4, foram encontrados 15.054 julgamentos, distribuídos de acordo com as tabelas 4.1 e 4.2. Dessa população, somente 9.917 casos (66%) foram classificados como relevantes, ou seja, apresentaram um resultado conclusivo sobre o processo, com a condenação ou a absolvição dos réus, com ou sem a análise de mérito do caso (Tabela 6.1). Por outro lado, os acórdãos classificados como irrelevantes foram aqueles que discutiam questões procedimentais intermediárias, de forma geral conceituados como decisões interlocutórias, tais como validade de provas e prisões cautelares, sem influir no resultado final do processo conforme as variáveis definidas no modelo (A, B1, B2 e B3).

Destacou-se a proporção de acórdãos julgados pelos tribunais superiores classificados como irrelevantes: 66% no STF e 75% no STJ. Isso quer dizer que o Supremo e o STJ despendem, respectivamente, cerca de 2/3 e 3/4 do seu tempo ou energia controlando os procedimentos de seus próprios processos originários e dos recursais oriundos das instâncias inferiores, empregando a menor parte de seus meios às conclusões de mérito das ações. Ainda que se alegue que o tempo ou energia aplicados a uma decisão de caráter interlocutório é menor que aqueles absorvidos por um julgamento de mérito, as diferenças de proporções são tão elevadas que autorizam tal conclusão.

Tais dados corroboram as conclusões no sentido da utilização disfuncional de recursos disponíveis na legislação processual, principalmente aqueles contra decisões interlocutórias que não afetam diretamente o resultado do processo, mas podem em muito atrasar seu andamento (TAYLOR, 2011, p. 171; CORRÊA, 2011, p. 187).

Quanto à distribuição dos julgamentos relevantes em relação à competência (Tabela 6.3), consolidadas todas as instâncias, somente 4% dos acórdãos correspondem a casos de competência originária (foro privilegiado), indicando que a ampla maioria (96%) é de recursos oriundos das instâncias inferiores. Porém, se isolarmos somente o STF, 82% dos processos julgados são de sua competência originária. Assim, a eventual extinção do foro privilegiado, ou sua restrição em relação a congressistas, conforme já decidido pelo Supremo em maio de 2018 na questão de ordem na ação penal no 937, causará forte impacto nas suas atribuições penais.

A Tabela 6.4 demonstra que nos tribunais superiores (STF e STJ) há uma alta taxa de incidência de ações de habeas corpus (71% e 77% respectivamente), que é conjugada com a também altíssima incidência de julgados irrelevantes em relação ao universo de processos (66% e 75%, conforme Tabela 6.1). No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, dos 1.147 processos criminais, 912 (80%) não influenciaram diretamente a conclusão do caso (classificados como irrelevantes), e, desses, 706 eram processos de habeas corpus ou seus derivados (recurso ordinário ou embargos de declaração). Ou seja: 62% de todos os processos criminais de corrupção julgados pelo STJ no período foram ações de habeas corpus (ou seus recursos ordinários ou seus embargos declaratórios) que não afetaram a conclusão dos casos, isto é: não resultaram em alguma das formas de absolvição.

Ainda que não calculável precisamente, uma vez que os processos classificados como irrelevantes não foram separados em categorias subsequentes (como o caso dos relevantes), pode-se estimar que a grande maioria dos habeas corpus e seus derivados contidos no conjunto dos julgados irrelevantes tiveram como resultado suas denegações ou improcedências. A cultura jurídica aceita uma exagerada utilização do

habeas corpus, não só contra ameaça direta da liberdade, mas para contestar aspectos

banais do processo em todas as instâncias judiciais. O que seria para ser somente uma extraordinária proteção tornou-se uma tática de defesa rotineira (TAYLOR, 2011, p. 172). Dados relativos à Operação Lava Jato apontam no mesmo sentido: nos seus dois primeiros anos de existência, “432 pedidos de habeas corpus foram apresentados a

tribunais superiores. Destes, somente 17 tiveram resultados favoráveis à defesa, um percentual de 3,9%” (NETTO, 2016, pp. 373/374).

Mesmo sendo absolutamente essencial para a concretização do estado democrático de direito e um excelente instrumento assegurador das garantias dos réus, a utilização indiscriminada da ação de habeas corpus, no âmbito dos julgamentos dos casos de corrupção, é uma causa de ineficiência da prestação jurisdicional dos tribunais federais, principalmente nos tribunais superiores. Tal fato já foi sentido pelo Supremo Tribunal Federal, que começou a limitar seu uso, com alteração de entendimento fixada no HC no 109.956, em que a Corte Suprema, em agosto de 2012, passou a vedar a utilização de uma nova impetração de habeas corpus originário como substitutivo de recurso ordinário em habeas corpus, restringindo prática tradicionalmente utilizada pelas defesas dos réus.

Em relação à evolução temporal, constatou-se um altíssimo crescimento (em níveis exponenciais) do número de julgamentos realizados pelos tribunais no período analisado nesta pesquisa, principalmente em sua última década (Gráfico 6.12). Tais crescimentos ocorreram em todas as três instâncias investigadas, porém, com preponderância nos TRFs, uma vez que representa 95% da população dos casos relevantes (Gráfico 6.2). De acordo com o Gráfico 6.4, o crescimento global do número de julgamentos nos TRFs foi fortemente influenciado pelas performances dos tribunais da 5ª Região e da 1ª Região, as quais, por sua vez, foram devidas aos crescimentos dos julgamentos das ações de improbidade administrativa, que, a partir de 2011, suplantaram os processos criminais julgados em 2ª instância (gráficos 6.5 a 6.7).

Assim, não se verificou a hipótese de Arantes, no sentido de que se frustrou a expectativa de utilização da ação de improbidade administrativa criada pela Lei no 8.429/1992, ante “os parcos resultados obtidos e seu baixo grau de efetividade

processual” (ARANTES, 2011, p. 123). Ao que parece, o fenômeno constatado por

Arantes restringiu-se ao TRF da 3ª Região, com ênfase no Estado de São Paulo.

Também não se constatou que “o deslocamento das ações de combate à

corrupção da esfera estadual para a federal está diretamente associado ao movimento da esfera cível para a criminal” (ARANTES, 2011, p. 126). Pelo contrário, dados

obtidos nos relatórios do Conselho Nacional de Justiça relativos aos cumprimentos das metas nos 18/2013 e 4/2015 demonstram que 74% e 87% das movimentações de processos definidos como combate à corrupção naqueles anos de 2013 e 2015, respectivamente, ocorreram nas justiças estaduais comuns. Por conseguinte, as menores partes (26% e 13%) de todos os processos de corrupção que tramitaram naqueles anos foram processadas pela esfera federal.

As informações acima induzem à realização de novas pesquisas para investigações semelhantes às desenvolvidas neste trabalho no campo da Justiça Estadual. De acordo com Pinto (2011, p. 82), analisando-se os três níveis governamentais brasileiros, a corrupção como forma de governar é mais intensamente praticada nos municípios de pequeno e médio porte do que nos âmbitos estaduais e federal. Essa corrupção ocorrida em nível municipal, se submetida à Justiça, será, de modo majoritário, julgada pela Justiça estadual comum.

As simples evoluções temporais dos julgamentos dos casos de corrupção pelos tribunais, de formas isoladas, não trazem as informações mais significativas; mas sim as comparações, por exemplo, com as produções globais dos respectivos tribunais. Como demonstram os gráficos 6.9, 6.10 e 6.11, os grandes crescimentos experimentados nos julgamentos dos casos de corrupção pelos tribunais federais são compatíveis com os crescimentos das produções globais dos respectivos tribunais. Ou seja: o crescimento temporal experimentado pelos julgamentos dos casos de corrupção desses tribunais pode ser explicado pela melhoria de performance geral do Poder Judiciário federal.

Quanto aos Tribunais Regionais Federais, constatou-se que o crescimento dos julgamentos dos casos de corrupção apresentados pelo TRF3 apresentou uma taxa menor que aquela relativa à sua produção global. Já o TRF1 demonstrou uma taxa de crescimento da análise dos casos de corrupção ligeiramente inferior àquela com que apreciou as ações em geral; e nos TRFs das 2ª e 5ª regiões constataram-se crescimentos dos julgamentos dos casos de corrupção ligeiramente superiores às suas respectivas produções globais. Finalmente, só no TRF4 verificou-se uma taxa de crescimento de julgamento dos casos de corrupção significativamente superior àquela constatada para sua produção global. De forma geral, o TRF da 4ª Região apresentou uma eficiência melhor que os demais tribunais regionais federais. A Tabela 6.2 e o Gráfico 6.4 demonstram uma produção do TRF4 em números absolutos superior a dos tribunais das 2ª e 3ª regiões, principalmente a partir de 2006, apesar de a população e o movimento econômico correspondentes serem relativamente menores. Aventa-se que essa performance superior seja por sua precoce informatização e uma gestão mais eficiente, talvez facilitada por seu menor porte.

Apesar da compatibilidade entre os ritmos de crescimento dos julgamentos das ações de corrupção e da produção global dos tribunais federais no período estudado, não há como se negar o impressionante crescimento da apreciação dos casos de corrupção, acima de proporções exponenciais, principalmente no primeiro mandato de Dilma Rousseff, conforme ilustrado no Gráfico 6.12.

Como já decorrido no Capítulo 6, vários fatores podem ser elencados para explicar o crescimento dos julgamentos dos casos de corrupção de 1991 a 2014:

- A transformação delineada pela Constituição de 1988 nas competências institucionais do Ministério Público, tornando-as mais amplas e vigorosas, bem implementadas por seu ramo federal (CASTILHO & SADEK, 1998);

- A reforma administrativa realizada a partir do primeiro governo FHC, que possibilitou a implantação de critérios gerenciais, investiu na capacitação dos servidores e na profissionalização das carreiras de Estado (ABRUCIO, 2007);

- O desenvolvimento institucional ocorrido na Polícia Federal durante os dois governos Lula (ARANTES, 2010 e 2011, SADEK, 2019), cujos investimentos realizados em estrutura e capacitação do órgão propiciaram um forte crescimento de suas atividades, tanto em quantidade como em qualidade, amplamente reconhecido pela população (ARANTES, 2011);

- A criação em 2001 da Controladoria-Geral da União – CGU, cujo constante desenvolvimento vem aperfeiçoando o controle interno dos gastos públicos e a gestão da Administração Pública federal, com a colaboração do Tribunal de Contas da União, que também teve suas competências constitucionais ampliadas em 1988 e seu corpo técnico reestruturado no período em análise;

- O antigo Conselho de Controle de Atividades Financeiras – COAF criado em 1988, atual Unidade de Inteligência Financeira – UIF, mais recentemente passou a ter sua importância reconhecida (SADEK, 2019), principalmente a partir da Operação Lava Jato;

- O crescimento físico experimentado pela própria Justiça Federal em tamanho e estrutura, com valorização de seus profissionais, investimentos realizados em informatização e no processo judicial virtual, criação de varas especializadas em crimes econômicos, como a lavagem de dinheiro (SADEK, 2019), e o aprimoramento do controle sobre a gestão administrativa da Justiça, com a criação do Conselho Nacional de Justiça.

Todavia, mais que o desenvolvimento constatado em cada órgão isolado, o que provavelmente mais contribuiu para a eventual evolução da taxa anual de julgamentos de casos de corrupção pela Justiça foram os ganhos decorrentes de suas integrações, transformando-os numa rede de accountability horizontal, por meio da troca de informações, da colaboração efetiva e do estabelecimento de metas e objetivos comuns (ARANTES, 2011; CORRÊA, 2011; FILGUEIRAS, 2011).

Se, por um lado, o crescimento vertiginoso do número de casos de corrupção julgados pelos tribunais federais é decorrente do próprio incremento de suas respectivas eficácias, por outro lado, não se pode negar que a rede de accountability, e, principalmente, a Polícia e o Ministério Público federais tiveram fortes desenvolvimentos institucionais capazes de suprir o Poder Judiciário federal com tal quantidade de processos cada vez mais abundante.

Apesar de a pesquisa englobar 19 modalidades distintas de corrupção, verificou-se a preponderância de somente oito dessas modalidades, que correspondem a 97% de todos os casos selecionados (Tabela 6.7 e gráficos 6.13 e 6.14): Improbidade Administrativa (41%), Peculato (26%), Corrupção Ativa (8%), Corrupção Passiva (6%), Crimes de Licitação (5%), Concussão e Tráfico de Influência (4% cada uma) e Prevaricação (3%).

O Gráfico 6.16 indica que, à medida que as ações judiciais “progridem” na hierarquia do Poder Judiciário federal, a taxa de absolvições sem apreciação de mérito aumenta, quer por defeitos processuais ou por prescrição (categorias B.2 e B.3). Isto é, condenações impostas pelo juiz singular ou pelos tribunais de apelação (TRFs), em primeiro e segundo graus, seriam revertidas em absolvições sem apreciação de mérito nos tribunais superiores (STJ e STF).

Apesar de não ter sido possível investigar a questão da distribuição dos resultados dos processos ao longo das instâncias com a ferramenta das regressões por ausência de significância, foi possível examiná-la no Capítulo 7 pela técnica de análise por etapas. Verificou-se que grande parte das condenações aplicadas pelos TRFs (79%) foi, ao longo das tramitações recursais, convertida em prescrições, pelas suas excessivas demoras, combinadas com as reduções das penas concretas reformadas pelos tribunais superiores. Na fase final da execução da pena, a proporção de condenações remanescente é de apenas 21%. Em contrapartida, as prescrições em segundo grau que eram de apenas 11% saltaram para 63% na etapa conclusiva.

A excessiva demora da tramitação dos processos, principalmente em suas fases recursais, conjugada com a regra da prescrição retroativa pela pena em concreto após o trânsito em julgado (art. 110 do CP) e os prazos fixados pelo art. 109 do CP, consubstanciam grande desfuncionalidade do sistema, uma vez que muitas condenações transitadas em julgado não são executadas pela ocorrência dessa modalidade de extinção da punibilidade. Tais situações são vistas pela população como impunidade e

deslegitimam a atuação do Poder Judiciário. Ou as fases recursais da Justiça Federal precisam ser mais céleres, ou as regras de prescrição devem ser adequadas à realidade.

A conclusão mais expressiva revelada foi que o sistema de Justiça federal, ao processar os casos de corrupção de sua competência, é altamente seletivo em relação ao tipo de réu julgado. Réus classificados como privilegiados têm probabilidade significativamente maior de serem absolvidos por inocência (B1) ou por defeitos processuais (B2) do que réus comuns, mesmo que não sejam detentores de foro privilegiado (quadros 7.2 e 7.5). De forma exemplificativa, foram classificados como réus privilegiados agentes políticos federais ou estaduais, ocupantes de altos cargos comissionados, grandes empresários, pessoas que, em função de seu poder político ou econômico, têm forte potencial de influência sobre o processo judicial, ainda que pela contratação de advogados com maior capacidade de melhor explorar as brechas do sistema judicial.

Por outro lado, réus classificados como comuns, tais como servidores públicos concursados e de cargos comissionados baixos (policiais federais e rodoviários, agentes dos Correios, bancários da CEF, agentes do INSS), prefeitos e secretários de pequenos municípios do interior, membros de comissões de licitações; e terceiros em geral (segurados do INSS, despachantes, contrabandistas, pequenos comerciantes), têm significativa maior probabilidade de serem condenados. Com relação aos réus comuns, o sistema de Justiça federal costuma ser implacável.

A seletividade acima descrita é extremamente danosa, uma vez que, percebida pela população, alimenta sua desconfiança quanto ao combate à corrupção e à efetividade da atuação do Poder Judiciário, mitiga a percepção da observância dos princípios republicano e do primado da Lei, e prejudica a legitimidade da democracia e do Estado de Direito, como tão reiterado na introdução desta tese.

Um sistema eficaz e eficiente de combate à corrupção não pode prescindir de qualquer das três formas de accountability legal (administrativa, civil e penal) e deve utilizá-las de modo complementar e adequadamente calibradas. Assim, pondera-se que

“a petty corruption possa ser enfrentada com base em sanções administrativas, por um lado, mas que a grand corruption deve ser punida judicialmente, por outro”(DA ROS, 2019). Dessa forma, a situação acima descrita em relação à seletividade do sistema judicial federal quanto ao tipo de réu julgado reitera sua desfuncionalidade, uma vez que

é processada e condenada uma enorme quantidade de réus comuns (preponderantemente ligados à pequena corrupção), enquanto que uma pequena porção de réus privilegiados (com maior envolvimento com a grande corrupção, supostamente) é, proporcionalmente, majoritariamente absolvida.

A justiça criminal federal acaba sendo utilizada para tarefas que poderiam ser tratadas administrativamente e, em contrapartida, deixa de utilizar seus recursos para outras que são mais adequadas, mitigando a eficácia e a eficiência do sistema de integridade (DA ROS, 2019). A atuação do Poder Judiciário é imprescindível, principalmente para a aplicação de sanções em casos de corrupção mais complexos e mais graves (grand corruption). Nesse sentido, pertinente a observação de Taylor (2019), de que o acúmulo incremental de pequenas estratégias específicas e pontuais é mais eficaz para elevar o ponto de equilíbrio da accountability de um país do que grandes e apoteóticos projetos reformistas.

Assim, nos parece interessante possibilitar a restrição de casos a serem analisados pelo Poder Judiciário, por meio de medidas como um valor mínimo de alçada para a revisão judicial de uma sanção administrativa ou permitir que o Ministério Público possa não oferecer denúncia criminal em hipóteses sancionáveis pela via administrativa. Nesses casos, estar-se-ia mitigando a aplicação dos princípios da Inafastabilidade da Jurisdição (art. 5º, XXXV, da Constituição Federal) e da Obrigatoriedade da Ação Penal (art. 24 do Código de Processo Penal), construções jurídicas tipicamente liberais inerentes à gênese do Poder Judiciário. Uma solução intermediária seria ampliar as competências dos juizados especiais criminais, alargando- se o espectro do que hoje se define como crimes de menor potencial ofensivo.

A hipótese originalmente sugerida no sentido de que processos envolvendo valores mais altos teriam maior probabilidade de ter resultados finais sem análise de mérito (B2 ou B3) não pôde ser confirmada, ao menos conforme a medida foi arbitrada, uma vez que a respectiva regressão logística multinominal não apresentou significância (quadros 7.2 e 7.3).

Aventa-se que casos envolvendo altos valores não são exclusividade de réus privilegiados, como, por exemplo, as fraudes milionárias praticadas contra a Previdência Social por réus comuns como advogados associados a servidores de agências do INSS. Especula-se também que casos com participação de réus

privilegiados não tiverem seus reais valores completamente desvelados, em que o processo judicial alcançou apenas um de uma série de eventos corruptos que permaneceram ocultos (cifra negra).

Quanto ao prazo de tramitação dos processos, mostrou-se adequada a inserção no modelo explicativo da sua única variável numérica (quadros 7.5 a 7.6), com significância específica somente para a variável dependente absolvição por prescrição (B3), no sentido de que quanto maior o prazo de tramitação judicial maior a probabilidade de resultado prescrição ocorrer.

Os gráficos 7.1 e 7.2 demonstram que o prazo médio dos processos criminais é ligeiramente superior àqueles referentes aos processos de improbidade administrativa, como era de se esperar, ante a maior complexidade do rito criminal, principalmente no que tange à sua instrução probatória. Já a Tabela 6.3 comprova que os acréscimos de prazos relativos aos recursos julgados pelo STJ e pelo STF não são tão expressivos quanto se imaginava: 1,5 e 1,7 anos, respectivamente.

Finalmente, mostrou-se também adequada a inclusão no modelo da variável explicativa tipo de corrupção (quadros 7.5 e 7.6). Especificamente quanto ao resultado absolvição por inocência (B1), a probabilidade de sua ocorrência em um processo

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