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Anísio e o movimento de (re)construção 106 educacional

No documento ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: (páginas 62-103)

Anísio Teixeira e a educação no Brasil

1.3 Anísio e o movimento de (re)construção 106 educacional

No Brasil dos anos 1910–20, crescia um movimento de reconstrução nacional que passava pela instrução pública e cultura, alem de exigir a criação de uma identidade educacional e cultural. Na década de 20, havia certo frenesi em torno da ideia de formar um “Brasil novo”, uma vez que o país vivia uma fase muito particular de transformações decorrentes de progressos na exploração agrícola, da alta dos preços do café e dos resultados do surto industrial. Mas como deveria ser esse Brasil novo? Tal questão permeava a sociedade.

Em fevereiro de 1922, a Semana de Arte Moderna, concebida por Di Cavalcanti e Menotti del Pichia e realizada no Teatro Municipal de São Paulo, ilustrou um movimento de mudança de paradigmas que abalou os conceitos de arte então vigentes e se tornou marco inicial do modernismo aqui. Com provocações à elite paulistana conservadora, esse evento revelou estilos de pintura, música e literatura (prosa e poesia). Mediante exposições, recitais, declamações, leituras e apresentações musicais, objetivou criar uma arte genuinamente brasileira, até então inspirada em manifestações artísticas da Europa. Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Heitor Villa-Lobos, Manuel Bandeira, Di Cavalcanti, Menotti del Picchia, Graça Aranha e outros que participaram da Semana de Arte Moderna são representantes do modernismo no Brasil.

Paralelamente, havia um movimento semelhante em prol da formação de novas elites e criação de uma identidade nacional por meio da educação. Pagni se refere às inquietações políticas daquele período:

105 WARDE, 2005, p. 203.

106 Utilizamos parênteses para destacar o prefixo re- de reconstrução e para reforçar a ideia de ação repetida, uma

vez que a proposta de Anísio era construir um novo modelo de educação nacional, pois defendia que “[...] nenhum outro dever é maior do que o da reconstrução educacional e nenhuma necessidade é mais urgente do que a de traçar os rumos dessa reconstrução e a de estudar os meios de promovê-la, com a segurança indispensável para que a escola brasileira atinja os seus objetivos”. Cf. TEIXEIRA, Anísio. Condições para a reconstrução educacional brasileira. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v. 18, n. 49, 1953.

A intelectualidade brasileira nascente, durante os anos 1920, viu na educação um modo de formar as “novas elites” para servir o Estado e, ao mesmo tempo, promover a formação da nacionalidade por intermédio de uma cultura nacional e de uma educação moral sólidas que assegurassem o progresso de nossa civilização, dentro da ordem estabelecida e sem ruptura política.107

A criação da Associação Brasileira de Educação (ABE), em 1924, por Heitor Lira,108 ocorreu no movimento de criação de um projeto nacional de nação e educação do

qual participou Anísio Teixeira ativamente. A ABE foi formada por intelectuais, empresários, políticos, profissionais liberais e artistas que se reuniram e se propuseram a ampliar o debate sobre o que era — ou deveria ser — a identidade educacional do país e a promover campanhas pró-instrução pública. Não foi constituída por um grupo homogêneo, com princípios filosóficos e ideais políticos afins e similares. Antes, abrigou grupos de tendências variadas. Desde o seu início, foi marcada por disputa entre católicos tradicionais e intelectuais progressistas. Os católicos defendiam a volta do ensino religioso obrigatório nas escolas públicas e pretendiam recuperar a influência na condução intelectual e moral da nação, perdida desde os primeiros anos da República. Os intelectuais defendiam uma escola para todos, ofertada e administrada pelo Estado e com funcionamento desvinculado do controle de ordens religiosas (em especial da Igreja Católica), ou seja, sem ensino religioso.

Coube à ABE promover e realizar conferências para analisar problemas da escola e trocar experiências sobre as reformas da instrução pública nos estados. Anuais, essas conferências deram uma orientação importante ao debate, de tal modo que a imprensa se interessou em dar visibilidade às ações da associação e propagar as campanhas pró-instrução pública. No período 1927–54, a ABE realizou onze eventos, entre conferências nacionais e congressos brasileiros, para discutir temas de todos os níveis da educação. Cunha109 enumera

as conferências e os congressos:

107 PAGNI, Pedro A. Do manifesto de 1932 à construção de um saber pedagógico: ensaiando um diálogo entre

Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira. Ijuí: ed. Unijuí, 2000, p. 49.

108 Heitor Lira (1879–1926), educador carioca dedicado ao ensino de física experimental, foi fundador da ABE,

em 1924.

[...] I Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1927),110 que discutiu o

ensino primário, a formação de professores etc.; II Conferência Nacional de Educação (Belo Horizonte, 1928),111 com os temas educação política, sanitária, agrícola, doméstica, ensino secundário etc.; III Conferência Nacional de Educação (São Paulo, 1929),112 sobre ensino primário, ensino secundário, ensino profissional, organização universitária etc.; IV Conferência Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1931):113 grandes diretrizes para a educação popular; V Conferência Nacional de Educação (Niterói, 1932–1933):114 sugestões à Assembléia Constituinte; VI Conferência Nacional de Educação (Fortaleza, 1934):115 educação pré- escolar etc.; VII Congresso Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1935):116 educação física; VIII Congresso Nacional de Educação (Goiânia, 1942):117 ensino primário etc.; IX Congresso Brasileiro de Educação (Rio de Janeiro, 1945):118 educação democrática; X Conferência Nacional de Educação (Rio de Janeiro, 1950):119 poder do Estado e instituições de ensino; XI Conferência Nacional de Educação (Curitiba, 1954):120 divulgação das Nações Unidas e financiamento do ensino.

Dentre os integrantes da ABE havia intelectuais atuantes no jornal O Estado de S. Paulo ou que circulavam pela redação. Defendiam a instrução pública como indispensável ao progresso dentro da ordem estabelecida; como meio de preparar as elites governantes, as quais deveriam retirar os analfabetos da situação de ignorância em que se encontravam para que se tornassem cidadãos produtivos e participativos. Colaborador do jornal121 e integrante do “grupo do Estado”,

110 O documento que relata a I Conferência Nacional de Educação, em dezembro de 1927, em Curitiba, PR,

contém as 111 teses apresentadas e contou com a participação de delegados de Ensino de 18 estados e se encontra disponível em <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/123679>. Acesso em: 30 mai. 2017.

111 Cf. SILVA, Arlette Pinto de Oliveira e (Org.). Páginas da história: notícias da II Conferência Nacional de

Educação da ABE. Belo Horizonte, 4 a 11 de novembro de 1928. Brasília: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, 2004.

112 Cf. CORREIO PAULISTANO. “Pela saúde, pela Pátria – A III Conferência Nacional de Educação

desenvolve o seu programa”. São Paulo, SP, 12 de setembro de 1929, p. 7.

113 Relatório da IV Conferência Nacional de Educação, realizada no Rio de Janeiro, em 1931, encontra-se

disponível em <https://repositorio.ufsc.br/handle/123456789/101121>. Acesso em: 30 maio 2017.

114 Cf. SILVA, Arlette Pinto de Oliveira e. A presença do educador na ABE. Educação, Rio de Janeiro, v. 32, n.

101, abr./jul. 2000, p. 12–17.

115 Cf. CAVALCANTE, Maria Juraci Maia. Algumas indagações sobre o silêncio em torno da 6ª conferência

Nacional de Educação. História da Educação. ASPHE/FaE/UPel, Pelotas, n. 8, p. 193–209, set. 2000.

116 Cf. Anais do VII Congresso Nacional de Educação promovido pela Associação Brasileira de Educação, Rio

de Janeiro, 23 de Junho a 7 de Julho de 1935.

117 Cf. Anais do VIII Congresso Nacional de Educação promovido pela Associação Brasileira de Educação,

Goiânia, junho de 1942.

118 Foi sintomaticamente denominado de Congresso Brasileiro de Educação Democrática, realizado no Rio de

Janeiro, no período de 23 a 28 de junho de 1945. Cf. “Conclusões do IX Congresso Educacional Brasileiro”,

Revista de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro: Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, v. 5, n. 4, p. 259–

60, ago.1945.

119 Cf. VIEIRA, Carlos Eduardo. Conferências Nacionais de Educação: intelectuais, Estado e discurso

educacional (1927–1967). Educar em Revista, Curitiba, PR, n. 65, p. 19–34, jul./set. 2017.

120 Cf. VIEIRA, 2017.

121 O jornal O Estado de S. Paulo foi fundado em 4 de janeiro de 1875, como A Província de São Paulo, por um

grupo liderado por Américo Brasiliense de Almeida Melo e Manuel Ferraz de Campos Sales. Em 1885, ingressou em sua redação Júlio César Ferreira de Mesquita, que logo assumiu a direção do jornal, que desde permaneceu nas mãos da família Mesquita. O jornal sempre opinou sobre a vida política de São Paulo e do país,

Fernando de Azevedo desenvolveu o “Inquérito sobre a situação da instrução pública no Estado de São Paulo”, conhecido como “Inquérito de 1926”, a pedido dos companheiros da ABE. Segundo Pagni, o objetivo era entrevistar várias personalidades da época para conhecer a opinião delas sobre a escola pública em São Paulo e, assim, levantar os problemas educacionais que mais afetavam o estado e as soluções possíveis. Como escreveu esse autor,

[...] se diagnosticou que o principal problema da instrução pública seria o da inexistência de uma política de educação clara e completa que, distante dos interesses particulares e partidários, pudesse desempenhar a tarefa de formar as nossas “elites”. Somente essas “elites” que pensassem e agissem conforme os interesses gerais poderiam orientar um projeto político e social de formação da nacionalidade — concluía o Inquérito.122

Para Venâncio Filho, havia um dilema a ser enfrentado: “[...] ou nós educamos o povo para que dele surjam as elites, ou formamos elites para compreenderem a necessidade de educar o povo”.123 O caminho indicado pelo inquérito foi o de formar novas elites; definíveis

não segundo suas posições sociais, políticas ou econômicas, e sim conforme sua capacidade intelectual. Como anotou Pagni, para Fernando de Azevedo a universidade e a educação popular eram centrais a tal processo:

[...] a necessidade da criação das universidades era eminente no país, pois só assim seria possível formar nossas “elites dirigentes” por meio de uma “cultura superior”. Seguir-se-ia, assim, a transformação ocorrida em outros países, onde, a formação das “elites”, precedeu a educação das “massas”. [...] pondera que para ocorrer essa modificação em conformidade com os “ideais democráticos”, seria necessário que a “educação popular” fosse desenvolvida concomitante com a criação das instituições superiores, afinal ambas tinham como único objetivo a formação cultural nacional.124

Pagni informa que constava do inquérito a proposta de “educação das elites”, a ser desenvolvida nos níveis secundário e superior, e de “educação das massas”, a ser desenvolvida no ensino primário e no profissional; esse autor acrescenta que, ao fazer a divisão entre “elite” e “massa”, o inquérito fazia uma reflexão sobre o social e o projeto modernizante dele advindo, que trouxe as marcas do nacionalismo e do fortalecimento do

seja como apoiador ou opositor de campanhas e processos políticos. Cf. FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS/FGV. Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil. O Estado de S.

Paulo. Verbete.

122 PAGNI, 2000, p. 52.

123 VENÂNCIO FILHO, Alberto. O manifesto dos pioneiros da escola nova: 1932. Rio de Janeiro: Companhia

Brasileira de Artes Gráficas, 1989.

Estado, então característicos.125 Sobre a publicação do inquérito em O Estado de S. Paulo, em

1926, Soares disse que foi feita aos poucos, entre 11 de junho e 15 de dezembro de 1926.

Na publicação do Inquérito em livro, em 1937, Fernando de Azevedo diz que sua duração foi de quatro meses. Entretanto, consultando o próprio jornal “O Estado de São Paulo” da época, vemos que o Inquérito teve o seguinte ritmo de publicação: o primeiro artigo de introdução à primeira parte do Inquérito (Ensino Primário e Normal) foi publicado no dia 11 de junho de 1926, seguindo-se os depoimentos normalmente em dias alternados (a primeira resposta já saiu no dia 12 de junho), tendo a segunda conclusão dessa primeira parte a data de 30 de junho. A segunda parte (Ensino Técnico-Profissional) seguiu o mesmo ritmo, iniciando dia 7 de setembro e terminando dia 10 de outubro. A última parte, a do Ensino Secundário e Superior, teve início no dia 16 de novembro, com um primeiro artigo de Fernando de Azevedo sobre esse nível do ensino, e terminou, após a publicação de oito depoimentos, com um segundo artigo de conclusão do orientador do Inquérito no dia 15 de dezembro de 1926.126

Havia descontentamento com a política educacional, em especial entre os integrantes do “grupo do Estado” ou entre os “reformadores liberais” paulistas, em meio aos quais Azevedo circulava também. Em virtude do apoio dado ao governo de Vargas na Revolução de 1930,127 o “grupo do Estado” esperava ver atendidas suas reivindicações de mais autonomia e mais participação de São Paulo nas decisões nacionais.

1.3.1 Reforma na instrução pública da Bahia, 1924–8

No movimento nacional pela instrução pública da década de 20, a educação popular se destacou. São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará, Pernambuco, Minas Gerais e Bahia, dentre outros estados, reformaram a instrução pública sob a guia de intelectuais que visavam, prioritariamente, reorganizar a educação e “atacar” o analfabetismo. Em 4 de abril de 1924, Anísio Teixeira, então com 23 anos de idade e bacharel em Direito, foi nomeado para exercer interinamente o cargo de inspetor-geral do Ensino da Bahia,128 pelo governador Góes Calmon, convém frisar. A nomeação gerou protestos, afinal o cargo era ocupado por um profissional

125 PAGNI, 2000, p. 53.

126 Cf. SOARES, Manoel de Jesus Araújo. A educação preventiva: Fernando de Azevedo e o inquérito sobre a

instrução pública em São Paulo, 1926. 1978. Dissertação (mestrado) — Instituto de Estudos Avançados em Educação da Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.

127 Cf. FAUSTO, Boris. A Revolução de 1930: historiografia e história. 12. ed. São Paulo: Companhia das

Letras, 1994.

128 O original da nomeação de Anísio Teixeira para o cargo de inspetor-geral de Ensino da Bahia, datada de 4 de

abril de 1924, encontra-se disponível no Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cf. Anexo 3.

havia mais de 20 anos; e Anísio, como se sabe, não tinha experiência em administração educacional.

FIGURA 3. Anísio à época da primeira gestão da Instrução Pública na Bahia, 1924–7

FONTE: dados da pesquisa129

Em 29 de agosto, foi nomeado e empossado como inspetor-geral do Ensino do Estado da Bahia pelo secretário de Interior, Justiça e Instrução Pública da Bahia, ou seja, deixou a inspetoria interina. Conforme Warde, subjaz a essa nomeação a influência política da família de Deocleciano Teixeira, ou seja, a retribuição ao apoio político recebido nas eleições de 1923.

Em 1924, cedendo à pressão de seu pai, ele foi ver o recentemente eleito governador do estado, para pedir “uma modesta vaga de defensor público” em sua cidade natal. Em vez de responder afirmativamente à solicitação, o governador ofereceu a ele a mais alta vaga de diretor geral da instrução pública no estado da Bahia como forma de recompensar a família Teixeira pelo apoio na eleição.130

Em virtude de extinção legal do cargo de inspetor-geral de ensino, Anísio foi designado, em 2 de dezembro de 1925, para o cargo correspondente, diretor-geral de Instrução Pública. Consta, no termo de designação, que “[...] designou para Director Geral da Instrucção o bacharel Anísio Spíndola Teixeira, que vinha exercendo o cargo de Inspetor Geral de Ensino, extincto em virtude da nova lei”.131 Quanto ao cargo ocupado, Lima relata

que, a despeito de sua inexperiência, Anísio “[...] iniciaria na gestão da Inspetoria de Ensino a atividade crítica, reformadora e criadora que o atrelaria definitivamente à obra da educação”.132 Em levantamento para conhecer as condições materiais e humanas das escolas

baianas, Anísio logo concluiu: tinha de renovar quase tudo. Lima aponta, ainda, que a renovação seria difícil em razão da “[...] pouquidade dos recursos, a parte burocrática do ensino dominava os serviços e, mais que os serviços, a própria mentalidade da administração escolar”.133 Sob o olhar crítico de opositores ao governo de Góes Calmon, logo começaram as

críticas ao trabalho. Correligionários acreditavam que os opositores desconheciam que a proposta de Anísio presumia não só uma instrução pública diferente, mas igualmente um país diferente; afinal — cabe frisar —, ele via o processo educacional como processo de construir a nação. Eis o que diz Lima sobre tal proposta:

130 WARDE, 2005, p. 206.

131 O original da nomeação de Anísio Teixeira para o cargo de diretor-geral de Instrução Pública da Bahia,

datada de 2 de dezembro de 1925, encontra-se disponível no Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cf. Anexo 4.

132 LIMA, 1978, p. 38. 133 LIMA, 1978, p. 42.

Tenho que a maior novidade intelectual e administrativa desse período na Bahia foi mesmo a posição de Anísio ao traçar para a educação as diretrizes de um pensamento que colocava o sistema de ensino a serviço da reconstrução não apenas da instrução como da própria sociedade. Esse pensamento, aparelhado de substância técnica e filosófica, mostrava na modernização do país quanto importava às conquistas de seu curso evolutivo uma concepção educacional em que elas se apoiassem.134

O cargo de inspetor-geral foi a primeira experiência de Anísio como educador e gestor e cujo pensamento pedagógico refletia a educação aristocrática recebida na escola jesuítica. Com efeito, no “A propósito da escola única”, publicado na Revista do Ensino,135 de

Salvador, em novembro de 1924, Anísio manifestou pela primeira vez sua doutrina educacional, questionando esse tipo de escola preconizada por Carneiro Leão.136 Segundo

Lima, ele mostrou no artigo que “[...] seu pensamento pedagógico refletia a marca do aristocratismo haurido da formação intelectual jesuítica para o qual buscava apoio no sistema francês típico do dualismo classista, o ensino primário independente e isolado do secundário”.137

Ao justificar tal posição, escrevia que o “o ensino secundário, quando bem compreendido, se distancia do ensino primário desde as suas classes preparatórias ou elementares. Assim, enquanto uma educação puramente científica ou empírica produz esses espíritos positivos, que têm dentro da alma fórmulas e etiquetas para tudo: a cultura, no sentido humanista e clássico, forma essas inteligências ornadas e amadurecidas, com vistas próprias sobre as coisas e os homens, sem fórmulas e nem soluções feitas para nenhum problema, mas com uma noção exata da realidade e que sabem que concluir é, muitas vezes, dizer que não se pode concluir”... O ensino primário, explicava, não suportava o sentido de profundidade e acabamento do secundário, pois destinava-se a “formar o espírito para as necessidades imediatas da vida”, ao passo que o outro visava prepará-lo para a cultura amadurecida.

Entendemos que a concepção de escola única, de certa forma, incomodava Anísio, que chegou até a condená-la por acreditar que impossibilitava o ensino particular. Ele defendia a educação particular porque, desobrigada de cumprir programas oficiais do governo, tornava- se mais flexível, a ponto de suprir, com mais qualidade, as necessidades e especificidades sociais. Ironicamente, em meados do decênio de 30, a Igreja Católica e defensores do ensino privado o perseguiram e atribuíram adjetivos como anticristão e comunista.

134 LIMA, 1978, p. 43.

135 TEIXEIRA, Anísio. A propósito da “escola única”. Revista do Ensino. Salvador, v. 1, n. 3, 1924.

136 Carneiro Leão foi diretor-geral da Instrução Pública do Rio de Janeiro, à época Distrito Federal, no período

1922–6. Em 1929, ficou responsável pela reforma educacional de Pernambuco, seu estado natal.

Merece destaque uma característica do trabalho administrativo-educacional de Anísio desde a primeira gestão na Bahia: a presença e o papel relevante de estatísticas, inquéritos e dados objetivos e numéricos. Ele os via como indispensáveis ao trabalho. Afirmava que não conseguia trabalhar no vazio, com incerteza, sem conhecer as condições do que se propunha a mudar e melhorar. Lima destaca a importância que Anísio deu à disciplina da análise, da medida e do controle na administração dos serviços da instrução pública:

Passara o tempo em que se administravam serviços educacionais pelas improvisações mais ou menos autorizadas dos “experimentados”. A autoridade pessoal acentuava o novo Diretor, cedera lugar às conclusões dos inquéritos. À administração competia estabelecer condições de êxito para a obra, que ao mestre e só a ele pertencia: educar. Dessa forma, “ao primeiro ímpeto”, entusiástico, mas tumultuário, tinha-se que trazer, raciocinava Anísio, “a disciplina da análise, da medida e do controle, sem, entretanto, fazer diminuir o calor das convicções”. A renovação esperada haveria de processar-se por “estágios progressivos”, pois, examinada a situação, “perdia-se a ilusão dos planos integrais e perfeitos, desenvolvidos a golpes de lógica e de doutrina”. No método da administração que se inaugurava, a tônica estaria na experimentação gradual das soluções e obediência rigorosa às condições locais.138

Mais tarde, Anísio exerceu outros cargos em que pôde comprovar não ser possível alterar a realidade educacional sem conhecer minimamente as condições locais e os números

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