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Perfil biográfico-formativo

No documento ANÍSIO TEIXEIRA E A EDUCAÇÃO BRASILEIRA: (páginas 50-56)

Anísio Teixeira e a educação no Brasil

1.1 Perfil biográfico-formativo

Expor um perfil da vida e da formação de Anísio Teixeira, pontuando projetos e realizações, não pressupõe aqui abarcar todos os eventos que aconteceram nos intercursos de sua trajetória. Tal pretensão foge, de fato, ao escopo desta tese. Da mesma forma, selecionar projetos e ações como relevantes para a pesquisa aqui descrita supôs excluir outros que podem ter igual importância ou ser mais importantes do que os que constam deste estudo. Mesmo os eventos que escolhemos poderiam ser considerados para outros propósitos de pesquisa. Depende do enfoque. Dito isso, esta seção apresenta um perfil desse personagem: sua história, suas realizações e as posições ocupadas no campo político-educacional para situá-lo no Brasil das primeiras décadas do século XX. Não se trata de biografá-lo67 em

sentido estrito. Trata-se, sim, de uma seleção de fatos desencadeados no processo de sua formação como intelectual e educador, assim como na construção de sua proposta de educação nacional. Enfocar essas dimensões exige, naturalmente, tocar em aspectos de sua vida pessoal-familiar, sociopolítica, acadêmica e profissional. Subjaz a tal intenção a premissa de que a vida de uma pessoa não se desdobra como uma narrativa livresca, com encadeamento linear e coerente dos eventos, com percurso orientado; e de que os acontecimentos que constituem tal percurso podem ter interpretações diferentes.

De família oligárquica, Anísio Spínola Teixeira nasceu em 12 de julho de 1900, em Caetité, sertão baiano. Faleceu em 11 de março de 1971, na cidade do Rio de Janeiro. O pai, Deocleciano Pires Teixeira,68 era médico e político. A mãe, Anna de Souza Spíndola, era

67 Sabemos que até as biografias são incompletas. Na ação de lembrar o passado para reconstruí-lo, o biógrafo

julga e filtra os acontecimentos de vida a que tem acesso, ou seja, seleciona os que vão ser relatados segundo suas intenções (ideias, pontos de vista, posicionamentos) e as intenções do editor. Cf. CARDOSO, Silmara de Fatima; MORAES, Dislane Zerbinatti. Viajar é inventar o futuro: narrativas de formação e o ideário educacional brasileiro nos diários e relatório de Anísio Teixeira em viagem à Europa e aos Estados Unidos (1925–1927). Jundiaí: Paco, 2014.

68 Deocleciano Pires Teixeira (1844–1930), médico e político do sertão baiano, fixou-se em Caetité em 1885,

herdeira de famílias ricas e aristocráticas.69 Cursou os anos finais do ensino primário no

Instituto São Luiz Gonzaga, em Caetité, e o ensino secundário no Colégio Antônio Vieira, em Salvador — colégios católico-jesuítas tradicionais. Disso se infere uma formação religiosa. De acordo com Hermes Lima, Anísio iniciou o curso primário na escola de Maria Teodolina das Neves Lobão, primeira professora municipal de Caetité e que lecionou em classes de homens.70 Depois, transferiu-se para a escola de sua tia, professora Priscila Spínola. Enfim,

foi para o recém-inaugurado Instituto São Luiz Gonzaga, onde terminou o primário.

médico, serviu durante a Guerra do Paraguai, diplomando-se em 1870. Pertencente ao Partido Liberal, abandonou a medicina para se eleger deputado provincial de 1888 a 1889. Não participou da campanha para a República, mas tinha fé abolicionista. Considerado um líder no sertão, presidiu o Conselho Municipal e, “[...] na legislatura de 1893 a 98, figurou entre os senadores estaduais, mandato que se renova para a seguinte de 1899 a 1904. Às sessões de 1901 a 1902 não compareceu e, recebendo os subsídios, destinou-os ao abastecimento de água da cidade. Renunciou em 1903”. Casou-se, sucessivamente, com Mariana, Maria Rita e Anna, três irmãs da tradicional família Spínola, ou seja, filhas de Antônio de Souza Spínola e Constança Teixeira de Araújo, proprietários de imensos latifúndios no São Francisco, “[...] talvez uns sessenta quilômetros ao longo do rio, campos da tradicional, largada criação extensiva”. Um tio de Deocleciano, “[...] o major Francisco Teixeira de Araújo, casado sem descendentes, legou fazendas aos sobrinhos, sendo esta a origem das propriedades da família Spínola Teixeira, de Caetité” — cf. LIMA, Hermes. Anísio Teixeira: estadista da educação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1978, p. 23–27. Conforme Carneiro, Deocleciano teve quatorze filhos nos três casamentos. Do terceiro e último casamento, com Anna Spínola, nasceram Evangelina, Celsina, Hersília, Celso, Oscar, Leontina, Jaime, Anísio, Nélson, Angelina e Carmem. Do segundo, com Maria Rita Spínola, nasceram Mário e Alzira; do primeiro, com Mariana Spínola, nasceu Alice — cf. CARNEIRO, Giane Araújo Pimentel. As práticas educativas familiares no processo de distinção geracional criança/adulto. (Caetité-BA, 1910–1930). 2011. Dissertação (Mestrado em Educação) — Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, p. 29.

69 Segundo Rego, “[...] na maioria dos casos, entretanto, pode-se afirmar que as uniões matrimoniais eram bem-

sucedidas em seus objetivos: preservar e reforçar os laços familiares e providenciar os descendentes que iriam continuar a saga da família”. Cf. RÊGO, André Heráclio do. Família e coronelismo no Brasil: uma história de

poder. São Paulo: A Girafa, 2008, p. 51.

70 LIMA, 1978, p. 16. Destacamos que Hermes Lima nasceu no dia 22 de dezembro de 1902, em Livramento do

Brumado (BA). Estudou com Anísio em Salvador e teve participação política importante não só na Bahia, mas também no cenário nacional. Advogado diplomado pela Faculdade de Direito da Bahia, em 1924, foi eleito deputado estadual nesse mesmo ano. Em 1926 transferiu-se para São Paulo, onde se tornou livre-docente de direito constitucional da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Instalando-se no Rio de Janeiro, em 1935 tornou-se diretor da Faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal e colaborador do jornal A Manhã, porta-voz da Aliança Nacional Libertadora (ANL), organização ligada ao Partido Comunista fechada pelo presidente Getúlio Vargas em julho daquele ano. Na onda repressiva que se seguiu à insurreição, Lima foi afastado da Faculdade de Direito, tendo permanecido preso durante treze meses. Ao deixar a prisão, foi trabalhar na revista Vamos Ler, onde assinou artigos com pseudônimos. Passado o período de repressão mais forte,

retornou ao Rio, onde trabalhou no Correio da Manhã. Foi diretor da Faculdade de Direito da Universidade do

Brasil entre 1957 e 1959 e, ao longo da década de 50, representou o Brasil em diversos eventos internacionais. Em setembro de 1961, foi convidado a chefiar o Gabinete Civil no governo de João Goulart. Em julho de 1962, assumiu o Ministério do Trabalho e em setembro de 1962 assumiu o cargo de primeiro-ministro, acumulado com o de titular da pasta das Relações Exteriores. No dia 6 de janeiro de 1963, o plebiscito determinou o retorno do presidencialismo. Permanecendo no posto de primeiro-ministro até o final de janeiro, Lima foi mantido como ministro das Relações Exteriores até junho. Nesse mês, tornou-se ministro do Supremo Tribunal Federal, aí permanecendo mesmo após o afastamento de Goulart pelos militares, em 31 de março de 1964. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em dezembro de 1968, no mês seguinte perdeu sua cadeira no tribunal, ao ser aposentado pelo ato institucional n. 5. Além de estudos e teses sobre direito, deixou publicados Introdução à

ciência do direito (1933), Problemas do nosso tempo (1935), Tobias Barreto, a época e o homem (1939), Notas à vida brasileira (1945), Lições da crise (1955), Idéias e figuras (1957), Travessia (memórias, 1974) e Anísio Teixeira, estadista da educação (1978). Faleceu no dia 1o de outubro de 1978, no Rio de Janeiro. Cf. Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro pós-1930. 2. ed. Rio de Janeiro: ed. FGV, 2001.

Lima aponta que, no período em que Anísio estudou nessa escola, despontou nele “[...] a atração admirativa pela Companhia. [...] Tinha alma de missionário. [...] A seriedade de pensamento, a pureza de costumes talhavam Anísio para um destino que bem podia ser sacerdotal”.71 No Colégio Antônio Vieira, foi, enfim, seduzido pela Companhia de Jesus.

Acreditava em sua vocação religiosa e no desejo de se tornar jesuíta. De início, pensou em ser padre; mas desistiu da ideia — segundo ele, por causa de sua timidez. Como jesuíta, acreditava ter realizado seus sonhos de infância. Com frequência era motivado pelo mestre e amigo padre Luiz Gonzaga Cabral, como se lê em carta escrita a Anísio em 1921: “Coragem pois, meu Anísio! Considere-se desde já como um religioso forçado a viver entre mundanos; santifique-se cada vez mais, [...] e confie que as dificuldades de seus pais, o Pai do Céu pode resolvê-las de um momento para o outro”.72

De várias formas e em ocasiões variadas, ele tentou convencer os pais de suas intenções religiosas, como se infere de carta datada de 25 de março de 1920,73 onde ele busca justificar aos pais sua “resolução firme” de se tornar jesuíta:

Com o meu acanhamento, as minhas inaptidões absolutas para falar em público e uma natureza no fundo muito desanimada — as minhas ambições de apóstolo, que antes de tudo um lutador — eram quase ridículas. Então veio-me a ideia de trabalhar de sociedade, já que via a minha incapacidade. E nestes numerosos exércitos, que lutam pela Igreja, nenhum me fascinava mais que a Companhia de Jesus da qual, além de conhecer muitos membros, tive, incidentemente, em alguns estudos ocasião de ler a história estupenda feita de um batalhar contínuo, de inenarráveis sacrifícios e de grandes vitórias. Eu sabia, porém, o que era ser jesuíta.

Após elencar os motivos de sua decisão, ele finaliza a missiva com este apelo: “Este ano não tive a consolação de obter o vosso consentimento. Esperarei outro, ainda. Porque não desejo partir sem esta bênção de meus pais, que é consentimento e que será para mim o mais doce e suavizante bálsamo para a despedida”. Anísio não teve êxito, os argumentos apresentados não sensibilizaram os pais. Eles não desejavam que o filho se tornasse padre ou

71 LIMA, 1978, p. 17

72 Cf. CABRAL, Luiz Gonzaga. Carta a Anísio Teixeira, Salvador, 20 de abril 1921. No Colégio Antônio Vieira,

Anísio ganhou a admiração dos colegas, além da admiração e do respeito de padre Cabral, a ponto de tornar seu pupilo. De acordo com Lima, o padre — “[...] “humanista, conferencista exímio, atraente na conversa e estrategista da ação apostólica [...]” — considerou Anísio a maior recompensa da nova ida dos jesuítas à Bahia. Não por acaso, em 1924, já como diretor-geral de Instrução da Bahia, Anísio discursou e relembrou seu passado como ex-aluno em solenidade do colégio — cf. TEIXEIRA, Anísio. Discurso pronunciado por Anísio Teixeira no Colégio Antônio Vieira, em 30 de novembro de 1924. Diário Oficial do Estado, Salvador, BA, 2 de dezembro de 1924.

73 Cf. TEIXEIRA, Anísio. Carta a Anna Spínola Teixeira e Deocleciano Pires Teixeira. Caetité, BA, 25 de março

jesuíta. Firme na decisão de não permitir seu ingresso na Companhia de Jesus, a mãe manifesta reprovação e argumenta com o filho em carta de abril de 1921:74

Recebi a carta que você deixou, achei muito boa e criteriosa, mas, me é impossível lhe dar a resposta que você deseja. Meu filho, você não compreende o que é o amor de uma mãe! Como hei de concordar que você seja jesuíta, e fazer uma separação eterna em vida. Isto para mim parece impossível. A resposta que tenho para lhe dar é o mesmo que lhe dizia aqui: se você quer servir a Deus e tem vocação para ser Padre, vai ser Padre secular, porque assim você servirá a Deus, à família e à sociedade, e com os bons exemplos que você há de dar, servirá muito para a religião. Tenho certeza que assim você será mais feliz do que sendo jesuíta. [...] Lembre-se que você tem seus pais que muito precisam de você. Compreendo que você cumprindo com o seu dever está também servindo a Deus, talvez mais, do que enclausurado em um convento.

Anísio atendeu à vontade e determinação de seus pais. Em vez de jesuíta, tornou-se bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro,75 em dezembro de 1922. De acordo com Lima, “[...] no período acadêmico, não o empolgou o estudo do direito. [...] No Rio, pouco assíduo às aulas da Faculdade [...] não se ligara em camaradagem mais ativa com os colegas. [...] Seu ‘sonho loyoliano’ levava-o a curtir o noviciado ainda que fora dos muros do Seminário”.76 Supomos, então, que o desinteresse pelo

curso e as poucas amizades feitas foram motivações para a dedicação às leituras e aos estudos jesuíticos, uma vez que os biógrafos de Anísio atestam seu interesse e predileção pelos livros desde a época da escola primária.

Com essa presença jesuítica em sua formação, Anísio se tornou educador, gestor educacional, escritor e intelectual, cuja produção inclui livros, textos avulsos, discursos, depoimentos e pareceres. Vários intelectuais, amigos ou companheiros registraram a importância e a presença da filosofia jesuítica na obra e pensamento de Anísio. Conterrâneo e amigo dele, o educador Péricles Madureira de Pinho considera que sua constituição como intelectual e educador tem um legado da religiosidade adquirida e cultivada nos ambientes e atividades das escolas católicas: “Ficou-lhe, da formação jesuítica, como tanto já se tem repetido e ele próprio não contesta, uma atitude de mortificação diante da vida. Só o trabalho

74 Cf. TEIXEIRA, Anna Spínola. Carta a Anísio Teixeira, Caetité, 14 de abril de 1921.

75 O original do diploma em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro se encontra

disponível no PROEDES/FE/UFRJ, Programa de Estudos e Documentação Educação e Sociedade da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Cf. Anexo 2.

o diverte, seus encantamentos resultam dele [...]” — disse Pinho.77 Esse autor indica, ainda,

que Anísio tinha as qualidades de consciência de missão, ascetismo, simplicidade e generosidade, tão presentes na filosofia jesuítica.

Nenhuma dissipação o atrai. É um religioso do dever, que não perdeu o temor das tentações. Pode ter perdido a fé em Deus, mas continua acreditando no Diabo. De outra maneira não se explica a linha de absoluta temperança em todos os seus hábitos, de sobriedade em todas as suas atitudes, de simpleza no trato, compondo a figura de um místico, em contradição com o materialista desabusado dos que não sabem vê-lo.78

Também educador, o amigo Afrânio Coutinho considerava que Anísio tinha vocação para o debate, a reflexão e o exercício da intersubjetividade. Mas ressalta que a fé era muito presente em sua vida: conviviam fé e inteligência, espírito religioso e dilemático.

Espírito dilemático, seu maior conflito resulta no esmagamento e repressão da raiz religiosa de seu espírito por essa inteligência que não respeita limites e desafia todos os obstáculos. Espírito eminentemente religioso ele o é. Poucos homens mais dotados de fé. Fé nas causas em que se empenha, fé na humanidade, fé no ideal. Fé tout court. Uma fé ardente, envolvente,

comunicativa, que arrasta, que conquista, que arrebanha, que comanda.79

Britto adjetiva Anísio como o “arquiteto da educação brasileira” ao afirmar que, vindo de “[...] pai republicano, positivista, mãe católica e educado em escolas inacianas, o contraponto já estava na raiz da formação”; em que pese não ter realizado seu “sonho” de virar jesuíta, “[...] acabou cumprindo a profecia de seus mentores na Sociedade de Jesus de que haveria de desempenhar papel relevante na educação brasileira”.80 Como se pode inferir dessa extração sociopolítica do pai de Anísio, ou seja, da ideia de um ambiente familiar afeito à formação educacional, República e educação permearam a trajetória de vida de Anísio desde idade tenra.

77 PINHO, Péricles M. de. Anísio Teixeira, episódios de sua vida e de sua luta. In: AZEVEDO, Fernando (Org.).

Anísio Teixeira: pensamento e ação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960, p. 188–190.

78 PINHO, 1960, p. 189.

79 COUTINHO, Afrânio. Pensando com a cabeça. In: AZEVEDO, Fernando (Org.). Anísio Teixeira: pensamento

e ação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1960, p. 106–17.

80 Cf. BRITTO, Jader de Medeiros. Anísio Teixeira: arquiteto da educação brasileira. Conferência [abertura das

comemorações do centenário de Anísio Teixeira realizado]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2 de setembro de 1999. Vide o evento “Um olhar para o mundo — contemporaneidade de Anísio Teixeira”, 1999. O prof. Britto foi ex-colaborador de Anísio no Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), nos anos 50 e 60.

Os republicanos idealizaram a escola não apenas como possibilidade e instrumento de regeneração do país e do povo, mas também como propulsora do progresso e do desenvolvimento social e econômico. Na esteira dos ideais republicanos, Anísio Teixeira compôs o grupo dos pioneiros — reformadores da ordem vigente — que propunham uma escola essencialmente pública, sem privilégios econômicos de uma elite minoritária e com ensino laico, gratuito e obrigatório. Inspirado na filosofia pragmática de John Dewey,81 ele

apresentou seu conceito de educação e sua proposta de escola, que iam além do ensino e da transmissão de conhecimentos, base do simples “saber ler, escrever e contar”.

Anísio entendia a educação como processo vital e integral. Escola e sociedade não constituíam lugares apartados da vida real em seu pensamento. Mais que isso, ele via a educação e a escola como a própria vida. Afirmava que “[...] todos os órgãos da sociedade têm função educativa, pois a educação não é um fenômeno ‘escolar’, mas um fenômeno social que se está a processar permanentemente em toda a sociedade. Sociedade é comunicação. E comunicar é educar”. Dito de outro modo, a sociedade era lugar de aprendizagem por excelência. Nela, a escola seria a instituição “conscientemente planejada” para educar; enquanto as outras instituições executariam uma ação educacional “sem planejamento”, “sem expectativas” quanto a resultados definidos e controlados.82

Como sugere a inclinação de Anísio a ser jesuíta na Companhia de Jesus, atuar em prol da educação não era seu propósito inicial. No dizer de Nunes, ele passou por “[...] uma

81 John Dewey nasceu em Burlington, estado de Vermont, em 20 de outubro de 1859. Morreu na cidade de Nova

Iorque, em 1º de junho de 1952. Ingressou na universidade desse estado aos 15 anos de idade. Aos 20, já estava formado e iniciava sua carreira de magistério em sua cidade natal. Entre 1882 e 1884, realizou seu doutorado em Filosofia, na Universidade John Hopkins, defendendo uma tese sobre a psicologia do filósofo alemão Immanuel Kant. Tornou-se filósofo, pedagogo e pedagogista e um dos principais representantes da corrente filosófica conhecida por “instrumentalismo pragmático”, de início desenvolvida por Charles Sanders Peirce, Josiah Royce e William James. O objetivo da filosofia de Dewey era aliar o conhecimento e a prática na realização livre de experiências que iria guiar a vida dos humanos. Seu instrumentalismo o levou a valorizar a experiência humana como o meio principal para o desenvolvimento da capacidade prática. Escreveu numerosas obras, dentre as quais

Interest and effort in education (1913), traduzido para o português por com o título de Interesse e esforço (vide a

coleção “Os pensadores”, da editora Abril Cultural, 1980); The child and the curriculum (1902), traduzido para o

português por Anísio sob o título de A criança e o programa escolar (vide a coleção “Os pensadores”, da Abril Cultural, 1980); How we think (1910), traduzido para o português com o título de Como pensamos: como se

relaciona o pensamento reflexivo com o processo educativo: uma reexposição (vide Companhia Editora

Nacional, 1959); Democracy and education: an introduction to the philosophy of education (1916), traduzido

para o português sob o título de Democracia e educação: capítulos essenciais (Ática, 2007); Experience and

Nature (1925), traduzido para o português sob o título de Experiência e natureza (vide coleção Os Pensadores,

da Abril Cultural, 1980); Art as experience (1934), traduzido para o português com o título de A arte como experiência (vide a coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, 1980); Experience and education (1938),

traduzido para o português por sob o título de Experiência e educação (Companhia Editora Nacional, 1971);

Logic: the theory of inquiry (1938), traduzido para o português sob o título de Lógica — a teoria da investigação

(vide a coleção Os Pensadores, da Abril Cultural, 1980) — cf. PILETTI, Claudino; PILETTI, Nelson. História da educação: de Confúcio a Paulo freire. São Paulo: Contexto, 2013, 270p.

lenta e silenciosa preparação na eleição da educação como foco de trabalho [...]”, de modo que sua obra expõe um “[...] núcleo de reflexão que se abre incessantemente de forma original”.83 Essa autora esclarece que, durante a gestão da instrução pública na Bahia (1924–

8), Anísio construiu sua identidade pessoal como educador, enquanto sua gestão no Distrito

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