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2 Mídias Pós-Vanguardistas e Ciência da

2.3 Tradução intersemiótica entre códigos informacionais

2.3.3 Analógico e Digital

Traduzir criativamente é, sobretudo, inteligir estruturas que visam a transformação de formas Júlio Plaza No que concerne às traduções intersemióticas, encontra-se neste ponto uma nova fronteira entre linguagens e operações de análise e síntese, entre construções do analógico e do digital que colocam em jogo diferentes tipos de pensamento, mais objetivos ou mais

ambíguos, razão que pode criar distorções em traduções intersemióticas, mas também otimizá-las.

Se o digital se aplica melhor aos processos lógicos e inteligíveis de pensamento, o analógico está mais nivelado com o sensível. Processos e meios são divididos em quentes e frios, dependentes de alta ou baixa definição imagética. Pode haver na hibridização ou construção conjunta nos meios, analógico e digital, benefícios relativos à recepção preenchendo espaços sensoriais. Nos meios eletrônicos, essa hibridização propicia uma visão simultânea das coisas, uma formatação inclusiva do ícone: “ [...] o híbrido, ou encontro de dois meios, constitui um momento de verdade e revelação do qual nasce uma forma nova.” (MCLUHAN apud PLAZA, 2003, p. 64-65). Novas formas apresentam a questão exaustivamente discutida na atualidade, de implicações éticas e modificações na crença instituída da autoria, descendente do anterior hábito da escrita impressa:

Tanto multimídia quanto intermídia são categorias interdisciplinares que, como colagem ou síntese-qualitativa, colocam em questão as formas de produção-criação individual e sobretudo a noção de autor. A criação é hoje o resultado da interação dessas práticas, como forma de tradução e inter- relação. O que não quer dizer que já não seja possível instaurar um estilo: ele é hoje a marca invariante que estabelece a diferença transmutadora em quaisquer dos suportes utilizados. O dialogo entre o singular – individual (ego) e o coletivo (superego) é uma das características da prática tecnológica. Por outro lado, os meios tecnológicos absorvem e incorporam os mais diferentes sistemas signicos, traduzindo as diferentes linguagens históricas para o novo suporte. Essas linguagens transcodificadas efetivam a colaboração entre os diversos sentidos, possibilitando o trânsito intersemiótico e criativo entre o visual, o verbal, o acústico e o tátil. (PLAZA, 2003, p. 66).

As qualidades materiais e estruturais dos suportes passam a ser assim interfaces cujas transmutações intersígnicas são, na verdade, mais relevantes de que os movimentos de passagem de uma codificação para outra (verbal/imagética/verbal). Melhor dizendo, são inventados, criados signos de uma nova ordem e definidos como híbridos.

O importante para se inteligir as operações de transito semiótico é se tornar capaz de ler, na raiz da aparente diversidade das linguagens e suportes, os movimentos de passagem dos caracteres icônicos, indiciais e simbólicos não apenas nos intercódigos, mas também no intracódigo. Ou seja, não é o código (pictórico, musical, fílmico, etc) que define a priori se aquela linguagem é sini qua non icônica, indicial ou simbólica, mas os processos e leis de articulação de linguagem que se efetuam no interior de um suporte ou mensagem. (PLAZA, 2003, p. 67).

Se em um primeiro nível, tensão e adequação ao suporte são mais inteligíveis, uma análise sígnica mais cuidadosa deve levar ao aprendizado da interação de seus movimentos internos, no intracódigo, que sofre a “interferência da materialidade do suporte, seleção do

repertório, movimento sintático, etc. Sem a leitura dessa rede-diagrama de conexões perde-se o visor para a materialidade constitutiva da estrutura da linguagem”. (PLAZA, 2003, p. 83).

É importante também somar algumas teorizações de André Lemos, que em texto posterior ao de Plaza, elabora uma complementação relevante dos aspectos levantados. O conceito de ciber-cultura-remix pôde ser inferido nos últimos anos com a explosão da comunicação via rede, e trata de aspectos conseqüentes à Tradução Intersemiótica.

Como visto, as novas tecnologias de informação e comunicação (TICs), entre elas as mídias pós-vanguardistas, estabelecem os tráfegos informacionais e de distribuição de conhecimento interativo. Além das novas formatações propiciadas pelas traduções inter e multimidiáticas, propõem novas formas de sociabilidade, que reconfiguram a cultura e alteram os “processos de comunicação, produção, criação e circulação de bens e serviços no contemporâneo em nova configuração cultural” (LEMOS, 2005), denominada por André Lemos “ciber-cultura-remix”.

Do termo remix ou re-mixagem, pode-se subtender as formas de produção nas práticas culturais, a partir de recortes, releituras e recombinações, citações e colagens, tornadas possíveis pelas novas tecnologias. Também por um olhar que se permite fugir das imposições de originalidade e que diferencia a cultura pós-moderna do século XX, caracterizado por esta exigência do original, como propaga o conceito de avant-garde, olhar à frente. Lemos comenta em Ciber-Cultura-Remix, de 2005:

A cibercultura caracteriza-se por três “leis” fundadoras: a liberação do pólo da emissão, o princípio de conexão em rede e a reconfiguração de formatos midiáticos e práticas sociais. Essas leis vão nortear os processos de “re- mixagem” contemporâneos. Sob o prisma de uma fenomenologia do social, esse tripé (emissão, conexão, reconfiguração) tem como corolário uma mudança social na vivência do espaço e do tempo. (LEMOS, 2005, p1)

No conceito de remix (“a informação quer ser livre” [...] LEMOS, 2005, p.2) compreendem-se as apropriações, desvios e criações livres que partem de outros formatos, modalidades e tecnologias de informação. Produtos remix são –“potencializados pelas características das ferramentas digitais e pela dinâmica da sociedade contemporânea” (LEMOS, 2005, p.2). Nesta contextualização da informação recupera-se o termo “conectividade” de Derrick de Kerkhove, diretor do McLuhan Program in Culture and

Technology. O que se instaura na cibercultura não é uma novidade, mas uma radicalidade

proposta pela estrutura midiática, momento que Kerkhove considera ímpar na história da humanidade: “ [...] pela primeira vez, qualquer indivíduo pode, a priori, emitir e receber informação em tempo real, sob diversos formatos e modulações, para qualquer lugar do

planeta e alterar, adicionar e colaborar com pedaços de informação criados por outros” (LEMOS, 2005, p.2).

A radicalidade tem, porém, seu sistema de legislação próprio, em que a primeira lei é o que Lemos qualifica como a da liberação do pólo da emissão: “ [...] As diversas manifestações socioculturais contemporâneas mostram que, o que está em jogo com o excesso e a circulação virótica de informação, nada mais é do que a emergência de vozes e discursos, anteriormente reprimidos pela edição da informação pelos mass media”. (LEMOS, 2005, p.2).

A segunda lei, do princípio de conectividade generalizada, ou do “tudo em rede”, “a rede está em todos os lugares”, ou ainda, “o verdadeiro computador é a rede”, foi popularizada pelos conceitos do computador coletivo, derivados da disseminação da Internet nos 1990 e do computador coletivo móvel, “a era da ubiqüidade e da computação pervasiva desse início de século XXI com a explosão dos celulares e das redes Wi-Fi” (LEMOS, 2005, p.2-3). Lemos identifica ainda uma terceira lei, da reconfiguração ou do “tudo muda, mas nem tanto”, como máxima (LEMOS, 2005, p.3). Nesta se incluem a remediação e modificação das estruturas sociais, das instituições e das práticas comunicacionais. Aponta, entretanto, que “A novidade não é a recombinação em si, mas o seu alcance” (LEMOS, 2005, p.3) e que a cultura ocidental tornou-se uma cultura de participação que se dá pelo uso e livre circulação de obras. Desta maneira, a cibercultura e as mídias a ela pertencentes colocam “ [...] em sinergia processos interativos, abertos, coletivos e planetários, problematizando as noções de espaço e de tempo, o lugar do espectador e do autor, os limites do corpo e do humano, as noções de real e de virtual”. (LEMOS, 2005, p.3).

Lemos conclui que determinadas mídias como expressões da cibercultura “potencializam o compartilhamento, a distribuição, a cooperação, a apropriação dos bens simbólicos, ao contrário daquelas mídias representativas das culturas de massa, nas quais todos os que as consumiam deveriam ser levados a uma concordância no consumo dos mesmos bens e na apreciação das mesmas crenças. Nas culturas contemporâneas, segundo citação de Lev Manovich que Lemos traz para a conclusão de seu texto “todo o cidadão pode construir seu próprio estilo de vida customizado, selecionando de um amplo, porém não infinito número de escolhas. A “lógica das tecnologias das novas mídias reflete esta nova lógica social”. (MANOVICH, apud LEMOS 2005, p8, tradução nossa). Lemos localiza três formas históricas de remixagem e volta às questões de hibridização homem-máquina:

No prefácio do seu livro publicado na Coréia, Manovich afirma que “remix” é a melhor metáfora para compreender as novas mídias. Ele vai apontar três

formas históricas. A primeira é a que nos referimos, como vimos, ao pós- modernismo, o “remixing de formas e conteúdos culturais prévios em uma

media ou forma cultural”. A segunda é o que chamamos de globalização,

mistura e reconfiguração de culturas nacionais em um estilo global, não necessariamente homogêneo. O terceiro tipo de re-mixagem aparece com as novas mídias. Aqui as tecnologias da cibercultura fazem o “remix entre as

interfaces de varias formas culturais e as novas técnicas de software –em resumo,a remixagem entre a cultura e os computadores”. (LEMOS 2005, p.8, tradução nossa)

Nesse sentido, sua abordagem ganha dimensões que vão além do estudo das poéticas de traduções intersemióticas realizado por Plaza. Tais dimensões reconfiguram a sociedade contemporânea pela construção coletiva do saber.

O texto de Lemos reclama o olhar para a participação, mas não entra em detalhes sobre os processos e metodologias de que as novas mídias se valem para tornar presente esta remixagem; nem como estes novos métodos se constituem em novas codificações de signos relacionados intersemioticamente; e semioticamente interpretáveis, distinguíveis e passíveis de aprendizagem, como métodos que são, por aqueles que desejam participar e construir coletivamente os processos sociais contemporâneos e que por alguma razão estão à margem dele.

Parece que o anteriormente discutido na recuperação das teorizações do Traduções

Intersemióticas responde justamente a este aspecto. O ‘como’ potencializar as trocas

informacionais de maneira apropriada às novas inteligências mobilizadas pelos novos meios deve impulsionar buscas de um aprofundamento nas formas de funcionamento do sistema midiático na cultura contemporânea, para multiplicá-las em conhecimento e saber compartilhado.