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O currículo engloba as atividades desempenhadas pelos educandos, no conceito de Freire e Macedo (1994, p. 70): “O currículo no sentido mais amplo, implica não apenas o conteúdo programático do sistema escolar, mas também, entre outros aspectos, os horários, a disciplina e as tarefas diárias que se exigem dos alunos nas escolas”. Evidencia-se, assim, a intencionalidade por traz de um currículo; tudo que se propõem tem uma carga de intenções ocultas.

É imprescindível pensar sobre estas questões e suas relações com as decisões políticas, sendo elas incluídas no currículo da escola e refletindo na prática pedagógica dos professores, independente da etapa escolar em que atuam. Pensando nesta perspectiva, nossa segunda pergunta feita aos trinta professores foi referente à forma como avaliam e buscam superar o silenciamento das memórias afro-brasileiras e o racismo na escola. Foram recebidas estas contribuições dos educadores participantes da pesquisa:

Eu acho que ensinar a cultura afro-brasileira dando a mesma im- portância que se dá a outras culturas já ensinadas no currículo escolar, valorizando a pluralidade do patrimônio sociocultural de outros povos e nações, posicionando-se contra qualquer discrimi- nação baseada em diferenças culturais, de classe social, de cren- ças, de sexo, de etnia ou outras características individuais e sociais. (Entrevistado 1).

Em minha opinião deve ser trabalhado mais a respeito, falar mais sobre a memória afro-brasileira e o racismo para que nós não esque- çamos nossas raízes. (Entrevistado 2).

Em minha opinião não há como apagar da memória das pessoas que sofreram racismo, pois é um ferimento que dói na alma. Mas também, por outro lado, é preciso trabalhar as culturas afro-brasi- leiras para que as pessoas compreendam que devemos dar um basta nesse preconceito. (Entrevistado 3).

Eu avalio o silenciamento como decepcionante, mas creio que de- vemos a cada dia lutar para que não silencie essas memórias e que o racismo não tome conta de nossas crianças. (Entrevistado 7). Por muito tempo ficou escondida essa cultura tão importante para

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o conhecimento. Acho que por esse motivo, pela má compreensão da cultura negra que o racismo é tão visível em nossa sociedade. (Entrevistado 8).

Não vejo racismo de forma silenciosa, pelo contrário, fala-se muito. (Entrevistado 13).

É possível perceber que, ainda hoje, a escola se nega a pensar o currículo dentro das suas complexidades subjetivas. Instituição que deveria pulsar a criticidade, a humanização e a solidariedade, perde sua razão de ser.

A escola sempre pintou a África pobre, sem história, com uma po- pulação subalterna, sem cultura e escravizada. Precisamos urgente rever este quadro. E este projeto pedagógico surge para tentar ti- rar do anonimato a verdadeira história da África e do seu povo. (Entrevistado 17).

Eu busco superar esse silenciamento trabalhando com textos infor- mativos e adaptando as atividades ao cotidiano dos alunos, investi- gando-os a ocupar o seu espaço na escola, bem como, na sociedade, exercendo a cidadania. (Entrevistado 18).

De acordo com Cavalleiro (2005), os currículos, tanto oficial quanto oculto não incorporam uma sistemática de combate ao racismo, nem de saberes diversos sobre a história e a cultura africanas e afro-brasileiras. Ela exemplifica citando as religiões de matriz africana que não são mencionadas no contexto escolar, sendo que, geralmente abordam elementos ligados ao catolicismo. A abordagem da questão étnico-racial no currículo é mencionada pelos entrevistados 5 e 19.

No que se refere ao currículo oculto, devem ser levadas em con- sideração as práticas cotidianas das pessoas que compõem a insti- tuição- os professores, diretores e coordenadores pedagógicos que trazem seus valores e atributos morais, atitudes estéticas e diferentes linguagens que refletem o mundo esterno ao ambiente escolar e que, se concretizem dentro dele. (Entrevistado 19).

Buscando trabalhar os conteúdos referentes à história e cultura afro-brasileira em todo currículo escolar, em especial na área de artes, literatura e História. (Entrevistado 5).

A superação do racismo deve ser objetivo de toda escola, sendo necessário inserir no currículo da mesma a pluralidade étnica e cultural, o respeito à diversidade, alteridade, sendo que a preocupação com uma educação antirracista deve estar presente no currículo da escola, não apenas como elemento a ser abordado em disciplina e conteúdo específico. É preciso ter ciência de que antes de ser professor de uma disciplina específica, é papel do professor e da escola contribuir para a formação do aluno como um todo, levando em consideração o pluralismo e diversidade racial na escola.

Nas disciplinas de núcleo comum, como Língua Portuguesa e Geografia, pode-se fazer um trabalho interdisciplinar no estudo dos países que falam a língua portuguesa e sua localização geográfica. Podem ser lidos textos e poesias de autores negros como, Solano Trindade, Elisa Lucinda, Jonatas Conceição entre vários outros consagrados. (Entrevistado 20).

É urgente, portanto, a tomada de consciência por parte dos profis- sionais e escola sobre valores socioculturais trazidos pelos educan- dos, e instituir um currículo que seja capaz de recriar suas histórias, incorporando-as ao saber acadêmico e, dessa forma interagir na formação de cidadãos conscientes e capazes de enfrentar as desi- gualdades. (Entrevistado 21).

Para que esta educação antirracista se efetive, é necessário repensar a prática pedagógica do professor e suas estratégias de ensino, trabalhando por meio da interdisciplinaridade o entrecruzamento dos dados e conteúdos diversos, de modo a contribuir com reflexões que possibilitem o fortalecimento de uma educação antirracista e discriminatória. Nas representações dos professores observamos diferentes concepções acerca do currículo e disciplinas que viabilizam a realização desse trabalho.

Para acabar com o silêncio, é ser uma voz ativa dentro das escolas, sendo transparente e verdadeiro diante da realidade. (Entrevistado 24).

Através de textos, diálogos, depoimentos, filmes onde o aluno pos- sa ver as suas origens e respeitar a individualidade de cada ser en- quanto pessoa. (Entrevistado 26).

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Para superar o silenciamento é necessário encarar a questão como ela é, sem mascaramento da realidade e esclarecer desde cedo as crianças a importância do respeito às pessoas, em suas individua- lidades físicas, emocionais, psicológicas e também da existência da lei que pode punir pessoas em seus atos racistas. (Entrevistado 27).

De acordo com Gomes (2005), cabe à escola exercer o debate da reflexão sobre o respeito ao ser humano e sua cultura. Os professores não podem se calar diante dos preconceitos e discriminações raciais. Ao contrário, cabe a eles exercer o seu papel de educadores, fomentando práticas pedagógicas e táticas de promoção da igualdade racial no dia a dia da sala de aula.

Portanto, é imprescindível o conhecimento sobre a história e a cultura africana e afro-brasileira, suplantar conceitos preconceituosas sobre os negros, denunciar o racismo e a discriminação racial e efetivar ações afirmativas voltadas para o povo negro, rompendo a barreira do mito da democracia racial.