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RACIAL: PENSAR, DIALOGAR E TRANSFORMAR

João Brigola9 Maria Célia da Silva Gonçalves10 Rosa Jussara Bonfim Silva11

Introdução

Ao iniciarmos nossas considerações, trazemos a reflexão de Arendt (2008, p. 36), “[...] vivemos tempos sombrios, momentos em que o preconceito, o desrespeito e a intolerância ao outro se fazem constantes e se manifestam das mais variadas formas”. Basta olharmos as guerras em curso para termos certeza de que o pensamento da autora continua muito válido.

O questionamento elaborado por Arendt (2010, p. 241) [sic.], da qual adotamos a expressão tempos sombrios, continua atual: “Como construir uma

polis em que o homem – qualquer homem – não seja visto como supérfluo?”.

A resposta certamente passa pela educação, não qualquer educação, mas aquela

9 Doutor em História (Universidade de Évora). E-mail: joaobrigola@uevora.pt. 10 Doutora em Sociologia (UnB). E-mail: mceliasg@yahoo.com.br.

que promova verdadeiramente formação de seres de ação e que não se esqueça da condição humana desse ser. Situação, que podemos considerar como um fenômeno educacional. Ou seja, uma educação que prime pelo diálogo em suas práxis.

Ao retomarmos o título, utilizamos o termo diálogo, que é uma palavra que, além da sua plenitude de sentido e significações, perpassa pela dinâmica pessoal, social e educacional, ou seja, pelo que é dito e pelo não dito nas relações humanas, conforme aponta Síveres (2016, p. 16): “[...] por isso a razão de compreender o diálogo como um procedimento relacional entre o princípio dialógico e o processo da dialogicidade”. Portanto, abordar a questão dialógica na educação antirracista é pensar na questão do “outro”, no respeito às diferenças e, consequentemente, o papel da educação nesse processo.

Diante dessa constatação, faz-se necessário e urgente pensar na formação de professores que sejam capazes de responder aos desafios da contemporaneidade, que acompanhem as transformações, sociais, econômicas e políticas, sem perder de vista a condição humana da educação. Arendt (2010) afirma que a condição humana não é a mesma coisa que natureza humana. Neste viés, conforme aborda Fernandes (2011), a fenomenologia reflete a dinamicidade entre o ser humano e o meio em que este se encontra inserido.

A condição humana reflete as formas de vida que o homem impõe a si mesmo para sobreviver. Nela, conforme salienta Fernandes (2011, p. 37), “[...] o humano se faz poeta e pensador”, ou seja, são condições que voltam a suprir a experiência do homem. As condições variam conforme o lugar e o período histórico do qual o homem é constituído, portanto, a educação deve ser trabalhada de maneira que provoque mudanças positivas e significativas por meio da humanização dos saberes.

Coerente com as reflexões propostas, Freire (2000, p. 10): enfatiza que “precisamos da esperança crítica, como o peixe precisa da água despoluída”. Retomando a questão da humanização, a escola precisa contribuir com um pensar dialógico, que seja crítico no sentido de perceber que o racismo se manifesta não apenas na expressão, mas no silêncio e na persuasão, e dialógico como projeção do ouvir, do sentir e do refletir sobre a função social da escola.

Diálogo e educação étnico-racial: pensar, dialogar e transformar | 109

educacional e pela relevância de reflexão sobre o racismo e sobre as discriminações tão presentes em nossa sociedade e também no contexto escolar. Pensando nesta questão, o estudo busca responder às seguintes questões: na representação dos professores entrevistados existe racismo em sala de aula? Quais são as estratégias utilizadas em seu cotidiano escolar para minimizar as práticas racistas? Como esses professores avaliam e buscam superar o silenciamento das memórias afro- brasileiras e o racismo na escola?

A discussão acerca do cotidiano escolar e das práticas racistas sempre foi um nó górdio da educação brasileira, fato que vem se acentuando nas últimas décadas em função das rápidas mudanças provocadas pela inserção de grande volume de informações sobre a temática proposta. De acordo com Castells (1999), as informações que os meios tecnológicos oferecem, não determina a sociedade, mas proporciona uma rápida transformação de hábitos e valores na sua estrutura.

Castells (1999, p. 25) não distingue nitidamente tecnologia e sociedade, ao afirmar que “[...] a tecnologia é a sociedade e a sociedade não pode ser entendida ou representada sem suas ferramentas tecnológicas”. Considerando as ideias de Bauman (2001), é formidável o poder que a tecnologia exerce sobre a população. Hoje temos mais informações e, consequentemente, conhecemos e debatemos mais sobre os problemas da educação brasileira, mas está em evidência a carência de significado destas informações.

Neste viés reflexivo, elevamos o diálogo como meio de inferência crítica sobre o racismo, as informações e a formação humana. Quais fatores favorecem um diálogo entre a informação, a formação e a transformação? Entre os debates que a tecnologia trouxe para a sociedade, e, consequentemente para a educação, estão os Direitos Humanos, entendidos neste trabalho tal como foram definidos pela ONU (1948), como inclusivos do direito à vida, à liberdade, ao trabalho e à educação.

Evidenciando o Direito Humano, ou melhor, delineando o Direito de Ser na educação, é mister salientar que uma educação realmente transformadora tem que propiciar o diálogo acerca do racismo e da discriminação. Portanto, a temática educação das relações étnico-raciais é algo primordial no contexto educacional brasileiro. Para essa discussão, trazemos a assertiva do educador Freire (2016), ao afirmar que o compromisso da educação brasileira deve ser com a vida e com a

possibilidade de fazer uma sociedade menos injusta e desigual.

Na formação do Brasil colônia, uma ampla diversidade étnica se fez presente. Somando-se aos índios que aqui viviam, chegaram os portugueses, os negros, que para cá foram trazidos para trabalhar nas lavouras e nas minas, e, posteriormente, brancos imigrantes das mais diversas regiões. Apesar dessa variedade demográfica, o Brasil conservou ao longo de sua história a herança de uma cultura de segregação racial, notadamente quanto aos negros e seus descendentes, certamente, tributário do passado escravocrata e, de certa maneira, corroborado por políticas públicas ineficazes no campo social.

Também há de se levar em consideração o paradoxo de que, apesar de o país ter suas origens na miscigenação, ainda impera na sociedade uma grande carga discriminatória. Cavalleiro (2005) salienta a relevância de reflexões sobre a temática e da realização de debates que nos possibilitem (re)pensar a presença do racismo, preconceito e discriminação como sendo passo fundamental em direção a uma educação pautada pela humanização e preservação dos direitos humanos.

De acordo com Cavalleiro (2005, p. 11), “[...] a promoção do respeito e da igualdade no ambiente escolar, a reflexão sobre a dinâmica das relações raciais vivenciadas nesse espaço não pode mais ser protelada, especialmente pelos educadores”. Na concepção da autora, ao reconhecermos a existência do racismo, preconceito e discriminação racial na sociedade, é preciso atentar para a existência dessas situações no cotidiano escolar, e, preponderantemente, dialogar sobre suas causas e consequências.