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Anamnese e Questionário ao tutor

No documento Clínica e cirurgia de animais de companhia (páginas 35-39)

I. Revisão Bibliográfica

6. Diagnóstico

6.1. Anamnese e Questionário ao tutor

O primeiro passo para chegar a um diagnóstico, passa pela realização de uma anamnese completa e pormenorizada. Deve ser recolhida informação acerca da idade, sexo, raça, estatuto vacinal, desparasitação, cirurgias realizadas, patologias anteriores, medicação em curso, e outros dados relevantes. De seguida, procede-se à recolha de informação sobre o problema particular que levou o tutor a trazer o seu gato à consulta (Okumura e Fujinaga, 2000).

Os felinos domésticos atingem idades cada vez mais avançadas e muitas doenças associadas ao envelhecimento provocam dor crónica (Bennet e Morton, 2009). Os felinos com dor crónica associada a OA demonstram muito poucos sinais aos seus tutores e, tipicamente o que estes detetam são alterações ao nível comportamental e da atividade (Taylor e Robertson, 2004; Bennet e Morton, 2009; Innes, 2012; Reid et al, 2018). Assim, uma forma eficiente e não-invasiva de detetar dor em pacientes felinos passa pela observação comportamental (Merola e Mills, 2016).

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Alguns sinais comportamentais são descritos na literatura como evidência de dor em felinos, nomeadamente: alterações da marcha, claudicação, dificuldade em saltar, alterações na interação tutor – gato, diminuição ou aumento dos hábitos de higiene, alterações da atividade no geral, alterações no apetite ou ingestão de alimento, alterações de temperamento, etc. (Merola e Mills, 2016; Reid et al, 2018). Todas as alterações referidas anteriormente podem ser observadas pelo tutor num ambiente familiar. No entanto, estas podem ser associadas ao processo natural de envelhecimento e por isso não serem relatadas ao médico veterinário, pelos menos até atingirem uma maior severidade (Bennet e Morton, 2009; Merola e Mills, 2016; Reid et al, 2018). Benito et al (2012), relacionou parâmetros considerados importantes pelos tutores, na qualidade de vida dos seus gatos, com a presença de DDA. Ao contrário do esperado, os tutores consideraram menos importantes para a qualidade de vida dos seus gatos, atividades que requerem maior mobilidade. Principalmente, tutores de felinos idosos consideravam atividades de maior mobilidade menos importantes para a qualidade de vida dos seus gatos, tornando percetível que esperavam uma diminuição da atividade com o avançar da idade. Esta redução de atividade pode estar relacionada com a presença de DDA, no entanto essa associação não foi comprovada no estudo. Ainda assim, verificou-se uma diminuição de atividades que requeriam maior mobilidade com o aumento da idade. E, de facto, existe uma forte associação entre idade e DDA. As atividades que requerem menor mobilidade foram parâmetros considerados de grande importância, para a qualidade de vida dos gatos, pelos seus tutores. Assim, uma avaliação mais aprofundada desta categoria de atividades, pode ser essencial para compreender o impacto da DDA e o sucesso terapêutico. Esta abordagem é também muito interessante para demonstrar aos tutores que, determinadas alterações nos comportamentos e atividades dos gatos, não são apenas associados ao envelhecimento, mas sim associadas a uma doença, logo potencialmente reversíveis (Benito et al, 2012).

A realização de um questionário aos tutores, torna-se assim um ponto fulcral no diagnóstico e na monitorização de OA em felinos (Bennet e Morton, 2009; Kerwin,2012; Klinck et al, 2012). No entanto, não existe atualmente nenhum sistema totalmente validado para mensurar a dor crónica associada a OA em felinos (Lascelles et al, 2007; Kerwin,2012; Benito et al, 2013). Atualmente está validada uma escala de dor que permite avaliar a dor aguda no pós-operatório em felinos, a escala de Botucatu (Brodani et al, 2013). Para o diagnóstico de OA em felinos existem atualmente três escalas direcionadas aos tutores e uma escala direcionada aos médicos veterinários. Embora nenhuma das escalas esteja completamente validada, estas foram utilizadas em inúmeros estudos (Monteiro e Steagall, 2019).

Bennet e Morton (2009) verificaram que, a deteção de alterações comportamentais em gatos com OA por meio de um questionário, pelos seus tutores, é bastante precisa e vai de encontro à avaliação feita pelo médico veterinário. Além disso, os tutores conseguiram detetar melhorias a nível comportamental depois de aplicada uma terapêutica analgésica (Bennet e

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Morton, 2009). Num outro estudo realizado por Klinck et al (2012), as alterações detetadas pelos tutores contribuíram, de forma substancial, para diagnóstico de OA. Em 30% dos casos o diagnóstico inicial foi apenas realizado com base no relato dos tutores e em 64% dos casos o diagnóstico foi realizado através de alterações detetadas pelos tutores em combinação com exame físico e radiográfico. As alterações mais frequentemente detetadas pelos tutores, associadas à mobilidade, foram alterações na marcha, no salto e no uso de escadas, seguidas de alterações no nível de atividade, tempo passado em repouso, hábitos de higiene, alterações sociais, nomeadamente interação tutor – gato, temperamento, alterações no uso da caixa de areia, no comportamento de brincadeira e caça, e postura (Klinck et al, 2012).

Um estudo preconizado por Zamprogno et al (2010) permitiu determinar quinze parâmetros potencialmente úteis na realização de um questionário, bem como o tipo de questionário mais facilmente percetível para os tutores. Os parâmetros identificados com úteis consistiam na capacidade de andar, saltar para cima ou para baixo, altura do salto, correr, subir ou descer escadas, interagir com membros da família, interagir com outros animais, levantar depois do repouso, hábitos de higiene, comer, brincar, dormir, espreguiçar, qualidade de vida no geral e nível de atividade geral. Os tutores consideraram a forma mais fácil de avaliar estes parâmetros através de uma escala descritiva de 5 pontos: não interfere, raramente interfere, por vezes interfere, interfere frequentemente, interfere completamente. Foi possível verificar diferenças substanciais nos comportamentos entre gatos sem DDA e com DDA, reforçando que os parâmetros podem de facto ter utilidade na construção de um questionário importante não só a nível diagnóstico mas também na monitorização do sucesso terapêutico (Zamprogno et al, 2010).

Lascelles et al (2007) desenvolveu uma escala sob a forma de questionário aos tutores (CSOM), que se encontra em processo de validação. Esta escala consiste na identificação das atividades afetadas pela doença e classificação do grau no qual estão afetadas. A CSOM permite avaliar a evolução depois de aplicado um tratamento (Lascelles et al, 2007). Foi também desenvolvido um índice de dor musculoesquelética nos felinos (FMPI), sob a forma de questionário aos tutores. Neste questionário foram abordadas maioritariamente questões sobre atividade, seguidas de intensidade da dor e qualidade de vida no geral. O FMPI apresentou uma excelente capacidade de distinção entre gatos normais e com DDA. Não se verificou a possibilidade de distinguir diferentes graus de severidade de DDA (Benito et al, 2013). Posteriormente, o FMPI foi também validado como instrumento de deteção da eficácia terapêutica em gatos com OA (Gruen et al, 2015). Recentemente foi desenvolvida uma outra escala de dor, também sob a forma de questionário aos tutores, a MI-CAT(C)-v2. Na MI- CAT(C)-v2 são avaliadas as categorias agilidade, comportamento de brincadeira e exploratório, comportamento social, manutenção e condição física. Nestas categorias são avaliados vários parâmetros aos quais os tutores respondem “sim” ou “não” e no final é calculado o valor total. Verificou-se que felinos que apresentavam mais alterações a nível musculoesquelético

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apresentavam uma maior pontuação na escala MI-CAT(C)–v2, bem como felinos de idade mais avançada. Esta escala permite a diferenciação entre a eficácia terapêutica, neste caso específico do meloxicam, e efeito placebo (Klinck et al, 2018). Existe também a escala MI- CAT(V) direcionada aos médicos veterinários para auxiliar o diagnóstico de OA. Face a uma primeira fase de validação, foi possível concluir que esta escala permite a distinção entre gatos com e sem OA, no que diz respeito à marcha e postura. No entanto, não permitiu avaliar a eficácia terapêutica (Klinck et al, 2015). A versão mais recente é a MI-CAT(V)- v5 e avalia a postura, marcha, movimentos horizontais, saltar, claudicação, etc. O Mi-CAT(V)-v5 permite a distinção de gatos com dor músculo-esquelética de gatos saudáveis, apresentando assim potencial para identificar pacientes de risco. No entanto, o Mi-CAT(V)-v5 não consegue detetar a evolução terapêutica, embora algumas das subcategorias avaliadas se tenham mostrado promissoras (Klinck et al, 2017).

Tendo em consideração que os questionários são formas de avaliação subjetivas, o uso de coleiras contento acelerómetros pode ser útil na validação dos mesmos. Em diversos estudos verificou-se que, após um período de tratamento houve uma melhoria da qualidade devida dos felinos, o que foi demonstrado não só através dos relatos dos tutores, mas também pelo aumento da atividade detetado nos acelerómetros (Lascelles et al, 2007; Klinck et al, 2018).

Uma das grandes dificuldades relatadas em vários estudos na avaliação de evolução terapêutica por meio dos questionários é o efeito placebo. O efeito placebo verificado em vários estudos é bastante alto, o que torna difícil demonstrar a eficácia do tratamento (Gruen et al, 2017c). Gruen et al (2014) concluiu que utilizando os questionários CSOM e FMPI os tutores de felinos com OA conseguiram detetar a recorrência de sinais clínicos depois de cessar a terapêutica durante um período de tempo, o que não se verificou nos felinos aos quais estava a ser administrado o placebo. Este tipo de abordagem pode ser uma forma de contornar o efeito placebo e detetar a eficácia da analgesia implementada (Gruen et al, 2014).

Uma abordagem interessante não só para monitorizar o sucesso terapêutico, mas também para perceber o impacto da OA nos felinos é a avaliação do índice de qualidade de vida. Os índices de qualidade de vida têm em consideração todos os aspetos da vida de um animal enquanto que os índices de qualidade de vida relacionados com a saúde, são mais específicos para os efeitos de uma determinada patologia. A avaliação do índice de qualidade de vida é sempre recomendada em gatos com dor crónica. Foram desenvolvidos alguns questionários, atualmente também já foram parcialmente validados. Alguns são direcionados a uma patologia em particular, enquanto que outros são genéricos (Monteiro e Steagall, 2019). O VetMetrica é um dos questionários genéricos que avalia o índice de qualidade de vida. O VetMetrica é um questionário digital, que quantifica o impacto das doenças crónicas ao nível afetivo e motivacional nos felinos. Este questionário avalia três grandes domínios: vitalidade,

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conforto e bem-estar emocional. Foram demonstradas diferenças nos resultados dos diferentes domínios para gatos saudáveis e gatos doentes, o que indica que este questionário permite diferenciar gatos doentes de gatos saudáveis (Noble et al, 2018a). Foi realizado um estudo para testar o VetMetrica como ferramenta de medição de dor crónica associada a OA em felinos. Demonstrou-se evidências que suportam o uso deste questionário em pacientes felinos com OA, uma vez que permitiu a distinção entre gatos saudáveis, gatos com OA ligeira e gatos com OA moderada a severa (Noble et al, 2018b).

No documento Clínica e cirurgia de animais de companhia (páginas 35-39)

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