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I. Revisão Bibliográfica

7. Tratamento

7.2. Farmacológico

7.2.2. Opióides

Os opióides são a classe de fármacos mais efetiva no maneio da dor aguda, mas também têm um papel importante no maneio da dor crónica (Epstein et al, 2015). Os opióides podem dividir-se em quatro grupos: agonistas, agonistas parciais, agonistas-antagonistas e antagonistas. Os opióides são fármacos extremamente eficazes e seguros (Mathews et al, 2014). Ainda assim, pouco se sabe sobre o uso a longo prazo de opióides nos felinos, incluindo se são causadores de dependência (Robertson, 2008). Os opióides atuam ligando-se aos recetores opióides no sistema nervoso periférico e central. A sua ligação inibe a libertação de neurotransmissores excitatórios das fibras aferentes da medula espinal e consequentemente inibe a transmissão sináptica do estímulo doloroso. Os efeitos secundários mais comuns estão, na maioria das vezes, associados a doses excessivas e incluem vómitos, náuseas, bradicardia, incontinência urinária, depressão respiratória, etc.(Matews et al, 2014). Os opióides causam frequentemente midríase marcada nos felinos. As consequências deste efeito na sua visão, muitas vezes levam a que os felinos colidam com objetos e possam não detetar a aproximação de pessoas. Como tal, é importante relembrar que durante o tratamento com estes fármacos, a aproximação ao felino seja um processo lento e tranquilo e durante o qual estabelecemos um contacto verbal com o mesmo (Roberston e Taylor, 2004).

7.2.2.1.

Morfina

A morfina é um agonista dos recetores opióides mu. A farmacocinética da administração oral da morfina não está descrita no gato, existindo apenas informação acerca da farmacocinética de opióides injetáveis. Os felinos, comparativamente aos canídeos,

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metabolizam a morfina mais lentamente e produzem uma menor concentração de morfina-6- glicuronídeo, metabolito responsável pela analgesia mediada pela morfina. Como tal, o efeito analgésico da morfina em felinos é mais reduzido e tem um início de ação lento (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b).

A dose recomendada nos felinos é de 0,25 a 0,5 mg/kg PO, três a quatros vezes ao dia, podendo ser administrada a cada três a quatro horas em caso de necessidade (Grubb, 2010b).

Os efeitos secundários associados a doses mais altas são sedação ou disforia. Pode ocorrer náusea e vómito, mas normalmente só depois de uma ou duas semanas de tratamento (Grubb, 2010b).

7.2.2.2.

Buprenorfina

A buprenorfina é um agonista parcial dos recetores opióides mu (Robertson e Taylor,2004). A buprenorfina é especialmente vantajosa no tratamento da dor crónica em gatos uma vez que a administração por via transmucosal é bastante eficaz e fácil de administrar. O pH da boca dos felinos é alcalino (entre oito e nove), o que facilita a absorção da buprenorfina por esta via (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b). Comparando a via endovenosa com a transmucosal, não se verificou diferenças no início da analgesia (em 30 minutos), no pico da ação (90 minutos) ou na duração da ação (seis horas). A dose recomendada nos felinos é de 0,01 a 0,03 mg/kg via SC, IM, IV ou transmucosal (Robertson, 2008; Grubb, 2010b). Raramente se verificam efeitos secundários associados à buprenorfina, ainda assim os mais frequentes são vómitos ou disforia. (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b).

7.2.2.3.

Fentanil

O fentanil é um potente agonista dos recetores opióides mu de ação curta (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b). O fentanil é mais frequentemente utilizado como suplemento na analgesia em procedimentos cirúrgicos. O fentanil também é administrado via transdérmica sob a forma de pensos (Robertson e Taylor, 2004). As concentrações de fentanil no plasma são variáveis quando a via de administração é transdérmica (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b). Como tal é importante uma avaliação cuidada de cada paciente de forma a determinar a efetividade da analgesia. Geralmente a concentração plasmática estável é atingida em 6 a 12 horas e pode persistir até 18 a 20h depois da remoção do penso (Robertson e Taylor, 2004). Os fatores que podem influenciar a concentração plasmática passam por tamanho do penso, peso do felino, permeabilidade da pele e temperatura corporal (Robertson e Taylor, 2004; Robertson, 2008; Grubb, 2010b). Esta abordagem pode ser especialmente vantajosa em felinos difíceis de medicar (Robertson e

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Taylor, 2004). O uso de fentanil transdérmico juntamente com AINEs promove uma melhor analgesia. Os principais efeitos secundários são sedação e disforia (Robertson, 2008; Grubb, 2010b).

7.2.2.4.

Metadona

A metadona é um opióide agonista sintético. Este é um fármaco útil tanto no controlo da dor aguda como da dor crónica, uma vez que além da sua atividade agonista nos recetores opióides mu, também tem atividade antagonista nos recetores N-metil-D-aspartato (NMDA), o que pode auxiliar no controlo da dor em pacientes com dor neuropática. A metadona apenas existe na forma injetável e a dose recomendada para os felinos é de 0,1 a 0,5 mg/kg a cada duas a seis horas via IV, IM ou SC. Os efeitos secundários verificados são semelhantes aos restantes opióides, no entanto a metadona pode ter um maior impacto ao nível cardiovascular, causando uma maior depressão cardiovascular, por exemplo, em comparação coma a morfina (Robertson, 2008; Grubb, 2010b).

7.2.2.5.

Tramadol

O tramadol é um fármaco analgésico que atua a nível central. O tramadol tem alguns efeitos semelhantes aos opióides e também inibe a captação da serotonina e norepinefrina. O tramadol é uma mistura racémica e ambos os enantiómeros que o constituem, contribuem para o efeito de analgesia por mecanismos diferentes. O enantiómero (+) é um agonista dos recetores opióides um e inibe a captação de serotonina. O enantiómero (-) inibe a recaptação de norepinefrina. Estes mecanismos têm uma ação complementar e sinérgica na obtenção de analgesia. Nos felinos o tramadol tem uma biodisponibilidade de cerca de 93% e um tempo de semivida de cerca de 204 minutos. O tramadol é metabolizado em cerca de 30 metabolitos diferentes, no entanto apenas o O-desmetiltramadol (OMD) e N,O-didesmetiltramadol (DDM) têm efeitos farmacológicos. Os gatos produzem uma concentração significativa do metabolito OMD, através de desmetilação hepática. Este também apresenta um tempo de semivida significativamente longo. O metabolito OMD tem uma grande afinidade para os recetores mu e é responsável por uma grande parte da analgesia mediada pelo tramadol (Pypendop e Ilkiw, 2007; Grubb, 2010b; Rychel, 2010; KuKanich, 2013; Adrian et al, 2017).

Foram realizados estudos que avaliam a eficácia do tramadol, isoladamente ou associado a meloxicam, em gatos com dor crónica por OA. No primeiro estudo, felinos com diagnóstico radiológico de OA foram divididos em dois grupos. Num dos grupos o tratamento aplicado foi apenas meloxicam transmucosal em spray (na dose de 0,05 mg/kg a cada 24 horas) enquanto que no segundo grupo foi também adicionado tramadol (na dose 3 mg/kg a cada 12 horas). Para verificar a eficácia do tratamento preconizado recorreu-se ao pico da força vertical de reação ao solo (PVF) e monitorização da atividade motora com acelerómetro,

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como indicadores de alterações funcionais, e response to mechanical temporal summation (RMTS), como indicador de dor crónica associada a sensibilização central. Ambos os grupos mostraram melhorias no PVF, o grupo cujo tratamento era apenas meloxicam apresentou melhorias na atividade motora e o grupo em que foi adicionado tramadol mostrou melhorias no RMTS, indicando que o tramadol poderá atuar na redução da sensibilização central. (Monteiro et al, 2016). No segundo estudo de 20 felinos, 15 apresentavam sinais radiográficos e clínicos de OA. Estes foram submetidos a um tratamento com placebo ou tramadol (na dose de 3mg/kg a cada 12 horas), durante 19 dias, com um intervalo entre tratamentos de três meses. Os métodos para avaliar a eficácia da terapêutica foram os mesmo do estudo referido anteriormente. Neste caso o PVF e RMST permitiram discriminar gatos saudáveis de gatos com OA. E os métodos PVF, RMST e monitorização da atividade por acelerómetro permitiram verificar eficácia terapêutica do tramadol, sendo que se verificou um aumento do suporte de peso, mobilidade e diminuição da sensibilização central. A hipersensibilidade nociceptiva quantificada pelo RMTS foi evidente nos gatos com OA e responsiva ao tratamento com tramadol (Monteiro et al, 2017).

A dose de tramadol recomendada nos felinos é de 1 a 5 mg/kg PO, duas vezes ao dia. O efeito secundário mais comum nos felinos é disforia, podendo também ocorrer obstipação, midríase, sedação e vómitos (Grubb, 2010b; KuKanich, 2013; Monteiro et al, 2016; Monteiro et al, 2017). O tramadol é muitas vezes utilizado em protocolos terapêuticos multimodais em conjunto com AINEs (Grubb, 2010b).

7.2.3. Gabapentina

A gabapentina é um análogo estrutural do neurotransmissor inibitório do ácido gama- aminobutírico (GABA). Este fármaco é utilizado no tratamento de dor neuropática crónica. O seu mecanismo de ação não é totalmente conhecido, no entanto sabe-se que a gabapentina não tem afinidade para os recetores GABA-A, não ativa diretamente os recetores GABA-B, não é metabolizada em GABA ou agonistas GABA nem impede a captação de GABA ou diminui o seu metabolismo. O mecanismo atualmente mais aceite diz que a gabapentina tem elevada afinidade para a subunidade alfa-2-delta-1 existente nos canais de cálcio voltagem- dependentes. Face a um estímulo doloroso, ocorre um aumento do fluxo de iões cálcio nos canais de cálcio voltagem-dependentes no gânglio da raiz dorsal e medula espinal. A ligação da gabapentina à subunidade alfa-2-delta-1 resulta na diminuição do fluxo de iões de cálcio, que culmina na redução da libertação pré-sináptica de neurotransmissores (como a substância P e calcitonina) e consequentemente atenuação de excitabilidade pós-sináptica (Lamont, 2008; Grubb, 2010b; KuKanich, 2013; Mathews et al, 2014; Adrian et al, 2017).

A farmacocinética da gabapentina em felinos foi descrita para a forma oral e injetável. Verificou-se uma grande variação da biodisponibilidade devido à alimentação ser à descrição,

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sendo que em média o tempo de semivida é de três horas. A dose recomendada em felinos é de 5 mg/kg PO, duas vezes ao dia até quatro vezes ao dia. Para muitos pacientes esta terapia é usada para o resto da vida, ainda assim é possível realizar um desmame quando há redução da dor. O desmame deve ser feito gradualmente, com uma duração de dias a semanas consoante a duração do tratamento. Remoção abrupta do fármaco pode levar ao aparecimento de dor e convulsões (Grubb, 2010b; KuKanich, 2013; Mathews et al, 2014). Num relato de caso procedeu-se ao uso de gabapentina para o tratamento de dor crónica associada a OA. A dose utilizada foi de 6,5 mg/kg PO a cada doze horas. Depois de quatro semanas de tratamento os tutores relataram redução dos sinais clínicos. Assim a terapêutica foi continuada por mais quatro a seis semanas, sendo depois só administrada gabapentina em caso de recorrência dos sinais clínicos. No total, procedeu-se à administração de gabapentina durante 12 meses. O paciente não apresentou recorrência de sinais clínicos nos 24 meses seguintes, sem medicação. Durante o período de tratamento não foram observados efeitos secundários, sugerindo que a dose de 6 a 7 mg/kg é uma dose bem tolerada durante períodos longos de tratamento (Lorenz et al, 2012).

Os efeitos secundários verificados são mínimos, sendo por isso uma boa opção no maneio da dor em gatos com OA. O principal efeito secundário da gabapentina é sedação e normalmente está associado à dose, sendo que a diminuição da dose efetuada normalmente reduz o efeito de sedação. Existe a possibilidade de voltar a administrar a dose inicial sem que se verifiquem efeitos de sedação, se a reintrodução for feita de forma gradual ao longo de dias a semanas. Os efeitos secundários podem ser exacerbados em pacientes com alterações renais, já que a remoção do fármaco por essa via pode estar alterada (Grubb, 2010b; Rychel, 2010).

Atualmente não existem estudos a avaliar a eficácia da gabapentina no controlo da dor crónica em felinos (Adrian et al, 2017).

7.2.4. Amantadina

A amantadina é um fármaco antiviral que também atua como antagonista dos recetores NMDA, recetores estes responsáveis por amplificar os sinais de dor até ao cérebro, permitindo a perceção de dor. O recetor NMDA e o seu ligando, o glutamato, estão implicados no desenvolvimento e manutenção da sensibilização central. A amantadina, ao bloquear os recetores NMDA, previne o desenvolvimento de sensibilização central e trata essa condição nos pacientes já afetados. (Lamont, 2008; Grubb, 2010b; Rychel, 2010; KuKanich, 2013; Adrian et al, 2017).

Relativamente farmacocinética da amantadina nos felinos, o tempo de semivida é de cerca de 5,4 horas e atinge a concentração máxima 1,5 a 5 horas depois da administração oral. A dose utilizada nos felinos é de 3 a 5 mg/kg PO, uma vez ao dia no mínimo durante 21 dias.

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Como o tempo de semivida é curto pode ser necessário recorrer a administrações a cada 12 horas. Não existe registo de efeitos secundários ou interações com outros fármacos. A amantadina pode ser usada unicamente no maneio da dor a longo prazo ou associada a AINEs ou opióides, já que em conjunto providenciam uma analgesia mais efetiva (Grubb, 2010b; Rychel, 2010; Siao et al, 2011; KuKanich, 2013). Num estudo conduzido por Siao et al (2011), a amantadina não demonstrou resultados significativos no efeito anti nociceptivo da oximorfona a um estímulo térmico em gatos saudáveis. No entanto, é preciso ter em consideração que a amantadina atua face a dor ou sensibilização central já instalada e não é expectável que atue em casos de dor aguda (Siao et al, 2011; KuKanich, 2013).

7.2.5. Corticosteroides

Os glucocorticoides reduzem de forma eficaz a inflamação sinovial, reduzem a produção de COX e lipoxigenases e protegem a matriz da cartilagem articular através da redução da atividade das metaloproteínases. No entanto, são também responsáveis pela redução do metabolismo dos condrócitos e alteram a constituição da matriz através da diminuição da síntese de proteoglicanos e colagénio. Considerando os efeitos secundários sistémicos associados a terapias de longa duração com corticosteroides e os seus efeitos deletérios na cartilagem articular, o seu uso no tratamento de DDA é raramente recomendado (Schutz et al, 2019).

7.2.6. Antidepressivos tricíclicos

A amitriptilina é um antidepressivo tricíclico cujo efeito consiste na inibição da recaptação dos neurotransmissores serotonina, norepinefrina e a dopamina, embora com menor efeito (KuKanich, 2013; Mathews et al, 2014 Adrian et al, 2017). Está descrito o uso de amitriptilina no tratamento de cistites recorrentes, alopecia psicogénica e outras alterações comportamentais nos felinos. Não existe estudos acerca do uso de antidepressivos tricíclicos na analgesia, no entanto o seu uso está referido no tratamento da dor crónica neuropática em algumas revisões bibliográficas (Robertson, 2008; Grubb, 2010b).

A dose recomendada de amitriptilina nos felinos é de 2,5 a 12,5 mg/gato PO a cada 24 horas (Robertson, 2008, Grubb, 2010b; KuKanich, 2013; Mathews et al, 2014). Os efeitos secundários mais frequentes são sedação, redução dos hábitos de higiene e aumento de peso, o que pode ser um fator limitante na sua utilização. Atualmente não existem estudos acerca da farmacocinética da amitriptilina no gato. As informações relativas à farmacocinética da amitriptilina nos felinos são essenciais para que as recomendações terapêuticas sejam mais precisas (Adrian et al, 2017).

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7.2.7. Maropitant

O maropitant é um antiemético de ação central indicado no tratamento de vómito agudo. O maropitant é um antagonista seletivo e potente do recetor neurocinina 1 e atua bloqueando a ligação da substância P ao recetor neurocinina 1. A substância P desempenha um papel nas vias nociceptivas e da inflamação, como tal este fármaco tem potenciais efeitos analgésicos. Atualmente não existem dados suficientes acerca da eficácia analgésica do maropitant que permitam a realização de recomendações terapêuticas, no entanto a sua utilização parece ser promissora. (Epstein et al, 2015; Adrian et al, 2017).

7.2.8. Grapiprante

O grapiprante pertence à classe dos piprantes. Esta é uma nova classe de fármacos que atuam como bloqueadores seletivos de recetores específicos das prostaglandinas, sem interferirem na produção de prostanóides. O Grapiprante bloqueia especificamente os recetores EP4 da PGE2. A PGE2, como referido anteriormente, é um importante mediador

inflamatório e da dor envolvido na OA (Rausch-Derra e Rhodes, 2016; Adrian et al, 2017).

Foi conduzido um estudo para determinar a segurança e toxicocinética do grapiprante em felinos. O grapiprante foi administrado a 24 gatos saudáveis em doses até aos 15 mg/kg PO uma vez ao dia durante um período de 28 dias. Relativamente à farmacocinética, o tempo de semivida apresentou algumas variações, de 2 a 14 horas (sendo em média 5 a 6 horas). Esta variação pode estar relacionada com a formulação da gelatina das cápsulas. A gelatina poderá ter prolongado a absorção trato gastrointestinal de alguns felinos. Não foram registados efeitos secundários ao nível gastrointestinal, hepático ou renal. Embora a avaliação do uso deste fármaco nos felinos ainda esteja numa fase inicial, o seu potencial anti-inflamatório e analgésico associado à segurança da sua administração, são indicativos de que se trata de um fármaco com potencial no tratamento da OA em felinos (Rausch-Derra e Rhodes, 2016; Adrian et al, 2017).

No documento Clínica e cirurgia de animais de companhia (páginas 56-62)

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