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DA ANAMNESE NOS IMIGRANTES À CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS CULTURAIS NOS ENFERMEIROS

PADRÕES CULTURAIS: Sentidos nas Experiências dos

H.4) São uma “extensão” da família

5- DA ANAMNESE NOS IMIGRANTES À CONSTRUÇÃO DE COMPETÊNCIAS CULTURAIS NOS ENFERMEIROS

“O lucro do nosso estudo é tornarmo-nos melhores e mais sábios” Michel de Montaigne

Desenvolvemos até agora a discussão dos dados com base nos padrões

culturais identificados na cena cultural em estudo, assumindo como eixos centrais neste movimento os que respeitam aos participantes enfermeiros, sendo eles:

A - No desenvolvimento da consciência cultural B - Explorando conhecimentos culturais

C - As habilidades específicas

D - Particularidades dos encontros, discutidos no capítulo anterior e a discutir neste capítulo:

E - A motivação do “particular” pela aplicabilidade no “geral” (cf. Figura 15 anterior).

Procurámos de acordo com Strauss e Corbin que a caraterização do relato etnográfico no estudo descrevesse “ as perspetivas e as ações dos atores retratados, combinadas com um ordenamento explícito daqueles em relatos plausíveis não-ficcionais” (2008, p.33), sustentando o entrosamento dos dados obtidos no diagrama sequencial atrás referenciado (Figura 5).

Procurando os “constructos-fronteira” que estabelecessem de acordo com Miles e Huberman (1984, 1994) as ligações com os dados do estudo, em linha com a perspetiva interpretativa que desenvolvemos, identificámo-los – na especificidade dos primeiros quatro padrões culturais emergentes (A, B, C e D, da Figura 15) – como parcialmente sobreponíveis aos constructos do modelo de competências culturais de Campinha-Bacote (2002, 2003): consciência

cultural, conhecimento cultural, habilidade cultural e encontro cultural;

registámos no entanto uma exceção face ao seu constructo – desejo cultural – uma vez que ao procurarmos no grupo de discussão com os enfermeiros a

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reinterpretação/validação com estes participantes, da sua motivação para cuidarem imigrantes, as respostas obtidas foram evasivas e inespecíficas. Neste sentido, face à questão que colocámos no momento da discussão em grupo: “A ideia de cuidarem imigrantes é motivadora? E porquê?”, a resposta consensual obtida foi:

“conseguimos trabalhar (…) na diferença, seja ela qual for” (G.D.Enf)

Desta forma não nos foi possível obter dados a favor de uma avaliação objetiva da motivação destes participantes, nem de caraterísticas de sobreposição com o constructo-fronteira “desejo cultural”, no momento da validação referenciada.

Contudo para Campinha-Bacote (2002, 2003) é o desejo cultural dos enfermeiros que está na origem do desenvolvimento das suas competências culturais, sendo que nos questionámos dada a pouca clareza dos resultados obtidos a este respeito no terreno, que outros conceitos se evidenciariam para os participantes enfermeiros a favor de uma adequada interpretação na realidade cultural no estudo, para a génese da construção deste tipo de competências.

Tendo em conta estes pressupostos procuramos nesta fase da investigação de acordo com Strauss e Corbin (2008), desenvolver a melhor declaração teórica que com base na interpretação dos resultados obtidos, nos forneça a explicação mais plausível sobre o fenómeno – construção das competências culturais nos enfermeiros – procurando contributos para o desenvolvimento do corpo de conhecimentos em enfermagem. Nesta linha de pensamento damos continuidade à procura da nossa perspetiva teórica sobre a construção deste tipo de competências de acordo com o movimento “ascendente” de que vimos dando conta desde o capítulo anterior, procurando o nosso “discurso da ciência a partir dos fatos observados” (Carvalho, 2009, p.86).

Continuaremos a análise interpretativa do fenómeno em estudo, elencando as proposições de outras investigações para a continuidade da discussão dos dados, concluída neste capítulo. Mobilizaremos deste momento em diante o pressuposto de que se torna necessário compreendermos o que está, de

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acordo com Spradley (1980) “implícita ou explicitamente” na base da

construção das competências culturais dos participantes enfermeiros, de acordo com o “novo” padrão cultural identificado, aparentemente em dissonância com o “desejo cultural” apontado por Campinha-Bacote (2002, 2003).

Orientaremos a finalização da discussão dos dados neste capítulo, de acordo com o diagrama analítico que nos estruturou a sua triangulação. Mobilizámos para a sua interpretação, a exploração de um padrão cultural conceptualmente divergente da proposta referenciada (Campinha-Bacote, 2002, 2003), em conjugação com os que discutimos anteriormente; consideraremos assim na discussão, pelas razões explicitadas – A motivação do “particular” pela

aplicabilidade no “geral”.

Culminaremos este capítulo com uma proposta de novas relações entre os conceitos teóricos mobilizados e emergentes para a construção de competências culturais nos enfermeiros, corporizada no esquema interpretativo que apresentamos na Figura 24 (ponto 5.1).

O padrão cultural identificado pelos enfermeiros – A motivação do

“particular” pela aplicabilidade no “geral”, surgiu da valorização das suas

próprias capacidades para ultrapassarem desafios e dificuldades nos encontros com imigrantes. Surge aparentemente mobilizada de forma indiferenciada para os sujeitos de cuidados, independentemente da sua origem, como podemos verificar pelo excerto apresentado no início deste capítulo, referente ao grupo de discussão. Associamos os enfermeiros, ao assumirem uma postura compatível com a “diluição” das diferenças culturais nos encontros com imigrantes (como ocorreu no seu grupo de discussão e nalguns momentos no terreno) de acordo com o modelo de desenvolvimento de competências de Bennett (1986, 2004), a um estadio de “minimização” das diferenças culturais, ainda numa fase de etnocentrismo na sua visão do mundo.

A dimensão da motivação parece mesmo assim estar presente para os enfermeiros, se não pelas particularidades da interação “com os imigrantes por serem imigrantes” nas suas especificidades, então pelos subsídios que identificam para os sujeitos de cuidados em geral, o que nos parece um ponto passível de ser explorado e compreendido.

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De acordo com o que registámos em relação aos padrões culturais anteriores, este outro emergiu igualmente associado a temas culturais, neste caso exclusivamente ligados aos participantes enfermeiros – sabendo cuidar

na diferença de “uns” (imigrantes) sabemos cuidar de todos (sujeitos de

cuidados) e mais-valias das competências culturais para “todos” de quem se

cuida (E.1 e E.2 – Figura 15).

Em relação aos enfermeiros quando se referem ao sabendo cuidar na

diferença de “uns” sabemos cuidar de todos, fazem-no por vezes numa

perspetiva de negação de que há necessidades de atenção específica na interação com imigrantes – ao invés do que havíamos registado com alguns enfermeiros em momentos de observação, indo buscar estas pessoas à sala de espera, para reforço do elo de ligação e da confiança estabelecida. Ao contrário, outros enfermeiros parecem não assumir uma atenção diferenciada às pessoas imigrantes, desconsiderando que cuidados iguais para pessoas diferentes é, tal como apontam Degazon (2011) e Ingleby (2011), uma forma de discriminação embora inconsciente, como verificamos na situação evidenciada pela enfermeira, neste excerto:

“Isso (ir buscá-los à sala de espera) acontece com alguma pessoa, ou porque não ouve, ou porque não está atenta ao «placard» de uma maneira geral vai acontecendo quase todos os dias (com todas as pessoas), não propriamente com pessoas... com imigrantes” (G.D.Enf)

De acordo com Bennett (2004), o que acontece com as pessoas quando têm dificuldade em apreciar a diversidade nas outras culturas, é que elas não conseguem identificar as caraterísticas da sua própria cultura de forma clara, como nos parece acontecer aqui, a favor de uma postura de etnocentrismo (inconsciente) destes enfermeiros. Neste outro excerto podemos verificar de novo a minimização das diferenças no discurso destes participantes:

“Isso (caraterísticas pessoais) vai da especificidade daquela pessoa e não tanto do aspeto de ser estrangeiro” (G.D.Enf)

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Uma das caraterísticas dos enfermeiros “competentes” consideradas por Benner é ser “capaz de fazer frente a muitos imprevistos que são o normal da prática de enfermagem” (2001, p.54), sendo que nos surge que algumas das situações de interação e cuidados com imigrantes serão geridas como na situação explicitada, com um “avançar” para a avaliação inicial e planeamento dos cuidados, de acordo com os padrões profissionais e organizacionais dominantes, embora culturalmente desenquadrados. A situação do excerto apresentado parece configurar também conhecimentos deficitários destes enfermeiros na área da diversidade cultural, bem como dificuldades inerentes à autorreflexão que atrás discutimos.

Registámos também outras “visões do mundo” dos participantes enfermeiros, associadas ao padrão cultural em discussão, a partir do tema

cultural – mais-valias das competências “culturais para todos” de quem se cuida, contribuindo para a clarificação da análise interpretativa do fenómeno

em estudo. A identificação e valorização das competências culturais para “todos” os sujeitos de cuidados parece estar na base da motivação para cuidar imigrantes, isto é – “aprender mais” com os sujeitos de cuidados culturalmente diversos e com as suas especificidades para saber “cuidar melhor” em todas as outras situações. Evidencia-se alguma abertura para explorar “novas formas” na prática clínica como apontou Leininger (2001) para a enfermagem transcultural, sem no entanto se registar um reconhecimento claro de como as concretizar:

“enriquece-nos de tal maneira que depois conseguimos trabalhar muito melhor na diferença, seja ela cultural ou não” (G.D.Enf)

Registamos uma aparente motivação para os cuidados multiculturais com imigrantes oferecendo aos enfermeiros novas aquisições e saberes, proporcionados por um contexto organizacional gerador de oportunidades como salientam Costa (1998, 2008) e Amendoeira (2004). Por outro lado constatamos pouca consciencialização dos saberes específicos a mobilizar, configurando-nos a possibilidade de que ideias standardizadas, possam ser prejudiciais nos cuidados a pessoas culturalmente diversas como sublinha Campinha-Bacote (2002). O discurso da mediadora cultural que entrevistámos

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para este estudo, tal como se encontra definido nas medidas 36 e 37 da Resolução do Conselho de Ministros nº 74/2010 de 17 de setembro, vem por outro lado corroborar a necessidade identificada nas unidades de saúde, do incremento da consciencialização e desenvolvimento da sensibilidade dos diferentes profissionais nos contextos de cuidados, face às especificidades culturais das pessoas imigrantes como se evidencia nesta unidade de registo:

“Queremos despertar, digamos, uma maior sensibilidade ou, (…) de podermos considerar, uma consciência para essas situações (cuidados a imigrantes), para essas questões” (E.MC)

A Figura seguinte acrescenta mais elementos definidores ao padrão cultural em análise, a partir do que os sujeitos nos “disseram” e “mostraram” no terreno, para além dos temas culturais já referenciados e discutidos.

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Figura 21. Elementos definidores do padrão cultural dos enfermeiros – A motivação

do “particular” pela aplicabilidade no “geral” – dimensões dos sistemas de

categorias22 e domínios culturais associados.

Considerámos as categorias: estratégias ativas, sinergia com pares

profissionais e clarificação de objetivos profissionais, da dimensão – Buscando conhecimentos culturais, do sistema de categorias resultante da análise do

discurso dos enfermeiros. Discutimos este padrão cultural em busca da clarificação de elementos valorizados por estes participantes na anamnese

______________

22

De acordo com a Figura 21, a dimensão associada à discussão deste padrão cultural, refere- se ao tema do sistema de categorias de entrevistas e narrativas dos participantes enfermeiros: “Em situação de cuidado cultural” (Dimensão – Buscando conhecimentos culturais). O tema do sistema de categorias dos participantes imigrantes, para este padrão cultural é: “Sentir-se cuidado no país de acolhimento” (Dimensão – As expetativas).

PADRÕES CULTURAIS: Sentidos nas Experiências

dos Sujeitos Enfermeiros: *Buscando conhecimentos culturais _______________ (Imigrantes) *As expetativas (nos cuidados)

Em relação aos imigrantes (temas culturais identificados): E.1) Sabendo cuidar na diferença de “uns”

(imigrantes) sabemos cuidar de todos (sujeitos de cuidados)