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“Anatomia” da mente – As instâncias constitutivas do aparelho psíquico

Id (isso), ego (eu) e superego (supereu) são as instâncias constitutivas do aparelho psíquico na segunda tópica.

O id e as pulsões

É o polo pulsional da personalidade, ancorado no corpo biológico.

Do ponto de vista econômico, é o reservatório inicial da energia psíquica, origem das pulsões de vida e de morte. A ideia de um id (um “isso”) surge da observação de que somos movidos por forças desconhecidas e indomáveis, de que há algo em nós que nos faz agir, nos impulsiona, nos faz desejar.

Do ponto de vista dinâmico, o id entra em conflito com as outras duas instâncias, o ego e o superego, e ocupa o lugar que na primeira tópica pertencia ao inconsciente, com algumas diferenças. Na primeira tópica, o inconsciente é formado por representações recalcadas; as pulsões se encontram entre o somático e o psíquico, fora do aparelho psíquico. Na segunda tópica, o id é o reservatório das pulsões e está dentro do aparelho psíquico. Além disso, o

id não se sobrepõe ao inconsciente porque há grandes porções do ego – responsáveis pelos mecanismos de defesa, por exemplo – que também são inconscientes.

Na primeira teoria das pulsões, correspondente à primeira tópica, o conflito se dava entre as pulsões sexuais e as de autoconservação. Os dois princípios do funcionamento mental eram os princípios do prazer e o da realidade. A defesa se exerce contra representações angustiantes. Essa ideia provinha diretamente do campo da neurose.

Na segunda tópica, o conflito se dá entre as instâncias constitutivas da estrutura psíquica. A segunda teoria das pulsões opõe pulsões de vida: a pulsão em seu estado ligado, promovendo ligações, sustentando a complexidade da vida mental − e a pulsão de morte: a pulsão em seu estado não ligado, promovendo disjunções, tendendo a simplificar a vida mental levando-a ao estado de energia mais baixo possível. Freud formula a hipótese de outro princípio para o funcionamento mental, anterior ao princípio do prazer (Freud, 1920), dominado pela lógica da pulsão de morte. Aqui, os mecanismos de defesa se exercem contra o polo pulsional, especialmente contra a pulsionalidade não ligada, que pode atacar tanto o eu quanto o objeto. A meta da pulsão de morte é a descarga da excitação para fora do aparelho psíquico pelo caminho mais rápido. Se isso não ocorre, é porque o ego se encarrega de modular a violência do ataque pulsional e de fazer as necessárias ligações – transformar a energia não ligada em ligada –, mediante o processo secundário. Percebe-se que a segunda tópica é essencial à compreensão das organizações não neuróticas da personalidade.

Na subjetividade neurótica, a pulsionalidade ligada (afeto ligado a representações) predomina sobre a não ligada, ao passo que as pulsões libidinais predominam sobre as agressivas. A agressividade surge em razão da frustração, o objeto erótico deixou de gratificar o sujeito. É uma agressividade ligada: o sujeito é capaz de dizer que está com raiva e por que está com raiva. “Meu pai não me deixa ir à balada.” (Ver capítulo 8, “Psicopatologia do ódio e da raiva”).

O predomínio das pulsões libidinais se deve ao fato de que houve experiências de gratificação suficientes para erotizar o sujeito e permitir a constituição e a identificação com um objeto bom, no qual amor e ódio primitivos estão integrados. O bom objeto tanto

pode ser amado quanto constituir fonte de amor – daí a predominância de pulsões libidinais ou pulsões de vida.

Inversamente, na não neurose, a pulsionalidade não ligada predomina, pois as funções egoicas não são suficientes para fazer as ligações e conter a violência pulsional. As pulsões agressivas dominam a vida psíquica porque o trauma precoce produziu mais experiências de dor (o sem-sentido é fonte de dor) do que de prazer. Aqui, podemos falar de ódio (ver capítulo 8). Não é como no caso da neurose, resultado de uma falha do objeto erótico, mas de uma falha do objeto narcísico. Em lugar de salvar o narcisismo do sujeito, o objeto foi fonte de ameaça. Estamos num terreno em que as vivências subjetivas são de vida ou morte; o ódio arcaico é muito violento, proporcional à ameaça de morte vivida pelo eu. É um ódio que não chegou a ser integrado ao amor; está sempre latente, pronto a ser acionado à repetição da experiência dolorosa. Na contratransferência, sentimos que o vínculo analítico pode ser destruído pelo ódio do analisando.

• Na neurose, as pulsões se organizam como fantasias edípicas e genitais, em que há uma verdadeira triangulação, com o desejo incestuoso e as interdições superegoicas bem caracterizadas.

• Na não neurose, as pulsões se organizam em fantasias arcaicas, em que a triangulação é tão ameaçadora que é recusada/atacada, seja parcialmente, como nas organizações não neuróticas mais típicas, seja completamente, como na psicose.

*** 1) Pulsões e subjetividade neurótica

Na neurose, o investimento pulsional nos objetos edipianos, a caminho para a genitalidade, produziu tamanha angústia de castração que levou ao bloqueio edipiano: já não é possível atravessar o Édipo. A pulsão é obrigada a regredir em busca de um objeto que não produza tanta angústia. A regressão se dá para pontos de fixação da sexualidade infantil pré-genital (fálica, na histeria; anal, na neurose obsessiva). Antes um prazer “regredido” do que nenhum prazer. No caso de não ser possível prazer nenhum, teremos

uma depressão neurótica, que sobrevém quando o sujeito perde toda esperança de obter alguma gratificação pulsional – gratificação que, no neurótico, já é invariavelmente pequena. Isso porque mesmo o prazer regressivo (efeito do bloqueio edipiano) está sujeito às condenações do superego: a sexualidade infantil, perversa, polimorfa, deve ser recalcada no processo civilizatório. O superego é a instância que representa as injunções culturais no interior do aparelho psíquico – tanto o que está interditado, como o que deve ser almejado como ideal. O conjunto afetivo-representacional ligado a fantasias regressivas de gratificação libidinal é recalcado. O retorno do recalcado produz os sintomas neuróticos.

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