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O surgimento dos Alcoólicos Anônimos (AA) insere-se em uma história mais ampla que é a dos movimentos de temperança do século 19 e do início do século 20. Sabe-se que este é um período marcado pelos violentos efeitos da Primeira Revolução Industrial que, acompanhada por um crescimento urbano socialmente segregacionista, alastrou entre os trabalhadores europeus uma verdadeira epidemia de alcoolismo (HOBSBAWM, 1994, p. 224).

A Europa assistiu à disseminação do ópio na high society com bons olhos a ponto de considerar a droga como ampliadora dos talentos e virtudes dos homens públicos como “políticos, médicos, pastores ou escritores, que o tomavam habitualmente” (CARNEIRO, 2005, p. 80).

Isso ocorria à revelia de uma epidemia de alcoolismo que atingia os trabalhadores europeus com os efeitos colaterais decorrentes do crescimento propiciado pela primeira Revolução Industrial, as mudanças culturais do tradicional para a modernidade e o alcoolismo como um aspecto da “imoralidade da classe operária” (HOBSBAWM, 1994, p. 223-224).

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Neste trabalho, os termos adicto e dependente químico serão tomados como sinônimos e a grafia adicção sempre quando me referi à representação de adição construída pelo NA.

Foi neste cenário que ocorreu o espalhamento dos Movimentos Temperança que objetivavam moralizar os comportamentos. Na França de 1873, segundo Corbin (1997, p. 579) visavam:

[...] debelar esta nova peste que desorganiza a família, [...] favorece o despovoamento, acelera a degeneração da raça, atiça a desordem social [...] e atenta contra a grandeza da pátria, e as elites consumidoras de ópio, a buscar a cura para sociedade da embriagada.

Enquanto isso nos Estados Unidos os argumentos usados por estes movimentos foram a disseminação do ópio entre os ricos e a falta de civilidade dos imigrantes chineses e o abuso de álcool dos imigrantes irlandeses, geraram conflitos que perduraram por gerações (SPARANO, 2002, p. 57).

O movimento norte-americano iniciado em fins do Século 19 que teve maior destaque foi o Washington Temperance Society, tendo sido fundado por seis alcoólatras de Baltimore, do estado de Maryland, chamados de washingtonianos que ajudavam pessoas com problemas de bebida (TOSCANO JR., 2001, p. 16). Por volta do início do Século 19, o uso abusivo de álcool passou a ser visto pela sociedade como um problema moral e de responsabilidade individual, mas a recuperação passou a ser encarada como de responsabilidade social. Foi neste período que um jovem pastor protestante da Filadélfia, Frank Buchman, passou por uma experiência espiritual que transformou sua vida. Segundo Humphreys e Gifford (2006) esta experiência se deu assim:

Buchman participava de uma convenção religiosa na Inglaterra em uma cidade chamada Keswick. Ouviu falar sobre a Cruz de Cristo, percebendo que sua vida era muito diferente da vida de Jesus, foi quando decidiu adotar padrões de pureza, amor, honestidade e altruísmo absolutos. [...] Resolvido a empreender uma atividade apostólica, Buchman fundou um grupo religioso integrado por muitos estudantes da Universidade de Oxford9 (HUMPHREYS; GIFFORD, 2006, p. 262)

Segundo Humphreys e Gifford (2006), Rowland Hazard, um banqueiro e ex- senador de Connecticut, sofria com o alcoolismo. Depois de três anos de tratamento em Zurique na Suíça com Carl Gustav Jung, com várias recaídas, Dr.

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Jung sentenciou que Hazard nunca poderia recuperar sua posição na sociedade. O psiquiatra então foi perguntado: “Há exceções?”. A resposta do Dr. Jung foi que tivesse “o que são chamados de experiências espirituais vitais” (AA History Pages, 2002, sem paginação).

Retornando da Europa para os Estados Unidos, Rowland Hazard começou a frequentar os Grupos Oxford, liderados pelo reverendo anglicano Samuel Shoemaker, convertido ao movimento por Frank Buchman em 1918.

Na história dos Alcoólicos Anônimos, estes senhores, Rowland Hazard e Shoemaker, foram de fundamental importância. Estabelecidos elos de afinidade e confiança, ambos se dedicaram a converter alcoólatras aos Grupos Oxford ampliando as conexões que caracterizam uma rede social.

Em 1934, Ebby Thatcher, amigo de infância de Bill Wilson, estava prestes a ser preso como um bêbado crônico em Bennington, Vermont. Ele foi visitado por três homens de um Grupo de Oxford; Shep Cornell, Rowland Hazard e Cebra Graves. Posteriormente Rowland Hazard volta sozinho para ver Ebby e como uma espécie de padrinho, contou sua história. Ensinou a Ebby os preceitos que ele tinha aprendido com o Grupo Oxford. Mais tarde, como sabemos, em dezembro do mesmo ano, Ebby teve sua chance para retransmitir esses preceitos para Bill Wilson (AA HISTORY PAGES, 2002, sem paginação).

Algo estava acontecendo. Exista demanda, conhecimento e vontade, mas, precisava ser organizado, e tudo isso ocorreu em 1935 na cidade de Akron, Ohio, quando ocorreu o encontro de Bill Wilson com o doutor Bob Smith, um cirurgião alcoólatra que, por muitos anos, se beneficiou da condição de médico para ter disponível generosas quantidades de álcool que consumia secretamente. Dr. Bob também frequentava os Grupos Oxford, mas não tinha conseguido largar o álcool. A partir deste encontro, ambos, Bill e Bob, abstêmios do álcool, trabalharam juntos na recuperação de alcoólatras internados no Hospital Municipal da cidade, surgindo daí o que passou a ser considerado como o primeiro grupo de Alcoólicos Anônimos (AA).

O estabelecimento de laços de afinidade e confiança entre Bill e Bob foi assim ampliado com a participação de novos alcoólatras em busca de recuperação. A atuação política dos movimentos Temperança resultou em vitórias significativas, como a proibição do consumo e da produção de algumas substâncias até então

difundidas com muita liberdade, como ópio, cocaína, maconha e seus derivados (MACRAE, 2001, p. 29).

A aprovação da Lei Seca nos Estados Unidos, em 16 de janeiro de 1919 (18ª Emenda à Constituição dos Estados Unidos), foi uma grande vitória do movimento, mas, com resultados notoriamente desastrosos, como o significativo aumento da criminalidade e da corrupção pela crescente atuação das máfias.