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Para subsidiar as discussões sobre grupos terapêuticos, como os grupos de NA, nesta seção são apresentadas as abordagens sobre grupos originadas principalmente dos trabalhos de Kurt Lewin.

Como psicólogo importante do campo da Gestalt, Lewin considera que a ação social, não menos que ação física, é guiada pela percepção (LEWIN; GRABBE, 1945). Desta forma, o mundo no qual se pode agir é o mundo apreendido pela percepção. As mudanças no conhecimento ou nas convicções (orientação de valor) resultarão em mudança de ação, se ocorreram mudanças na percepção de si próprio e da situação.

Os mecanismos grupais que subsidiam associações de Anônimos (Alcoólicos Anônimos, Narcóticos Anônimos etc.) se organizam em processos de autogestão voltados para resolver tarefas específicas, definidas pelos próprios membros, e são dignos de observação e estudo. Alguns elementos e formas de trabalho dos grupos inspirados em Alcoólicos Anônimos (AA) podem ser de utilidade para a formação de outros tipos de grupo. Além disso, é um tipo de estrutura social que, desde o seu início na década de 1930, teve um crescimento sustentado muito importante, e por esta simples razão, destaca-se como um fenômeno social. Sobre o surgimento deste tipo de grupo, Mota (2004, p. 41) comentou:

Nascidos a partir da incapacidade das instituições em oferecer- lhes uma alternativa, os indivíduos procuram nos grupos de ajuda mútua o apoio para superar problemas que envolvem dependências e perturbações de ordem psicológica. Os grupos são atrativos para a contemporaneidade: associações voluntárias com critérios mínimos para participação, estruturas administrativas sem hierarquias fixas, além de um ethos baseado em valores relacionais comuns. É fácil entrar e sair desses grupos e eles constituem um espaço alternativo ao mundo competitivo e uma oportunidade concreta para o desenvolvimento de relações íntimas baseadas em inovador sistema social.

Como dito anteriormente, os grupos de Narcóticos Anônimos (NA) nasceram a partir dos Alcoólicos Anônimos, em 1953, na Califórnia (EUA).

A influência dos grupos de NA nas vidas de seus membros pode ser medida a partir de informações publicadas na revista internacional The NA Way Magazine. Estudos realizados por Narcóticos Anônimos com 13.500 membros de várias

partes do mundo permitiram fazer um mapeamento de seus frequentadores (NARCOTICS ANONYMOUS, 2012, p. 02).

As áreas da vida que tiveram melhorias entre os membros de NA pesquisados foram as relações familiares, citadas por 92% dos entrevistados; a conectividade social, declarada por 88%; além de hobbies e interesses (80%), habitação estável (76%), emprego (72%) e avanço educacional (56%) (NARCOTICS ANONYMOUS, 2012, p. 02).

Alguns dos valores cultivados pelos grupos de NA são materializados em Passos, Tradições e Conceitos, conjunto de regras que acabou se transformando em base de um modelo terapêutico: a) DOZE PASSOS, que marca a vivência de cada membro, sendo de aplicação individual; b) DOZE TRADIÇÕES, que se referem às relações de convivência entre os membros de NA (NARCÓTICOS ANÔNIMOS, 2015b); c) DOZE CONCEITOS, que têm a finalidade precípua de mediar a forma como os serviços de NA são executados com a finalidade de atender à 5ª Tradição que é “levar a mensagem ao adicto que ainda sofre” (ANEXOS A, B e C).

Retomando os estudos de Kurt Lewin (1978) acerca das mudanças de valores que, partilhadas por um grupo resultam em mudanças culturais e sociais, pode-se dizer que quando esta mudança ocorre em um indivíduo, ela pode ser reconhecida como um processo de “re-educação”. Re-Educação é um conceito concebido por Kurt Lewin entre 1930 e 1940 quando estudava os grupos.

[...] um processo semelhante a uma mudança de cultura. Trata-se de um processo em que as mudanças de conhecimento e crenças, mudanças de valores e padrões, mudanças de ligações e necessidades emocionais e mudanças da conduta cotidiana não ocorrem aos poucos, e independente umas das outras, mas dentro do quadro da vida total do indivíduo no grupo (LEWIN, 1978, p. 74).

Soma-se a este conceito, outro, publicado em 1957, por Leon Festinger, num trabalho sobre Dissonância Cognitiva. Esse trabalho confirma a afirmação de Lewin sobre os desconfortos que podem levar a um processo de re-educação, e como tal, considera-se que a dissonância cognitiva é um mecanismo importante para se estabelecer o processo de re-educação.

Para fazer a ponte entre Lewin e Festinger, será usado o conceito de “atitude” como a tendência que um indivíduo tem de responder a um objeto social (situação, pessoa, grupo, acontecimento) de modo favorável ou desfavorável. Esta resposta atitudinal permite interpretar, organizar e processar o objeto social a partir dos componentes cognitivo, afetivo e o comportamental. Estes vários elementos que podem se relacionar entre si compõem a cognição, isto é, “as coisas que uma pessoa conhece sobre si mesma, sobre seu comportamento e sobre o meio que a cerca” (FESTINGER, 1975, p. 18).

Festinger também inclui sob o termo cognição as opiniões, crenças, valores ou atitudes mesmo reconhecendo que existam distinções entre eles, porém, o mais importante deles é a “realidade” que todos os outros elementos devem refletir (espelhar). Ela:

[...] pode ser física, social ou psicológica, mas, em qualquer dos casos, a cognição descreve-a mais ou menos fielmente [...], um mapa verídico [...] exercerá pressões na direção do estabelecimento de correspondência entre os elementos cognitivos apropriados e essa realidade (FESTINGER, 1975, p. 19).

Em qualquer dos casos, a cognição descreve-a mais ou menos fielmente:

[...] dois elementos são dissonantes se, por uma razão ou outra, não se ajustam entre si [...] o inverso de um elemento decorrer do outro (FESTINGER, 1975, p. 21).

Os estudos sobre dissonância cognitiva consideram que a cognição significa todo conhecimento que se adquire de si mesmo, do seu comportamento, bem como do meio que a cerca; e consideram que as opiniões e crenças são consequências destas cognições. Já a dissonância é o mesmo que desarmonia, discordância, e o seu contrário, a “consonância” é a harmonia, acordo, convergência.

Assim, e um processo re-educativo pode se iniciar quando o indivíduo ou um grupo que havia se afastado de valores e “condutas benéficas para a sociedade em que vive”, estabelecendo uma divergência em relação ao que é normal, revê os seus atos e condutas e aproxima-os a essa normalidade social. Bernardin (2013) acrescenta que:

Se é evidente que nossos atos, em medida mais ou menos vasta, são determinados por nossas opiniões, bem menos claro nos parece que o inverso seja verdadeiro, ou seja, que nossos atos

possam modificar nossas opiniões [...] A experiência prova que

um indivíduo em uma situação de dissonância cognitiva apresentará forte tendência a reorganizar seu psiquismo, a fim de reduzi-la (BERNARDIN, 2013, p. 23-24, grifo nosso).

Diante disso, é possível inferir que a convivência frequente de novos membros nos grupos de NA os leva a confrontar os valores que até então conduziram suas vidas, com aqueles que guiam os Narcóticos Anônimos em um convívio de camaradagem e acolhimento.

Há uma convergência entre os cientistas sociais quanto ao fato de que as diferenças de conduta não são inatas; são adquiridas, assim como as divergências da norma social. Diante disso Lewin formula uma hipótese sobre estas condutas afirmando que: “São fundamentalmente semelhantes os

processos que governam a obtenção do normal e do anormal” (LEWIN, 1978,

p. 73).

A influência que o grupo exerce no indivíduo, assim como as circunstâncias de sua vida, é o que efetivamente tem valor:

[...] são de natureza idêntica os processos responsáveis pela criação de imagens visuais inadequadas (ilusões) e as que provocam imagens visuais adequadas (realidade) [...] a 'realidade' não é um absoluto. Difere com o grupo a que pertença o indivíduo, exercendo forte pressão no que respeita à submissão de seus membros individuais (LEWIN, 1978, p. 73-74).

Dentro desta ótica – os processos que levam a formação de preconceitos e ilusões, e os que levam a percepção correta e a formação de conceitos sociais realistas, são essencialmente os mesmos –, Lewin (1978, p. 74, grifo nosso) considera que: “O processo re-educativo tem de realizar uma tarefa que

equivale essencialmente a uma mudança de cultura”. Considera-se então que

a re-educação é um:

[...] processo em que as mudanças de conhecimento e crenças, mudanças de valores e padrões, mudança de ligações e necessidades emocionais e mudanças de conduta cotidiana não ocorrem aos poucos, e independentemente umas das outras, mas dentro de um quadro de vida total do indivíduo no grupo [...] a re- educação equivale ao processo pelo qual o indivíduo, ao desenvolver-se na cultura em que se encontra, adquire o sistema de valores e o conjunto de fatos que mais tarde lhe irão governar o pensamento e a conduta (LEWIN, 1978, p. 74).

A re-educação é um conceito chave para o modelo proposto nesta tese para compreender as mudanças de valores e de condutas que podem ocorrer em um adicto que ingressa em grupos de NA e assim inicia o seu processo de recuperação. De certa forma pode-se dizer que o processo de recuperação inclui sempre um processo de re-educação.

7 TEORIA DE REDES

Esta seção é constituída de: informações sobre a teoria dos grafos, que permitem compreender os elementos que compõem as representações de redes; informações sobre redes sociais e, por fim, informações sobre redes complexas, suas métricas e propriedades.

A Teorias de Redes surgiu com a Teoria Matemática dos Grafos no século 18, que no século 19 evoluiu para a teoria das árvores, e anos mais tarde foi usada para a representação estrutural de compostos da química orgânica. Mas o interesse pela teoria dos grafos cresceu de fato com o advento dos computadores, que viabilizaram a realização de cálculos complexos (BOAVENTURA NETTO, 2012).

Existem muitas situações do cotidiano como as áreas de educação, transportes, saúde, física, esportes, economia, Internet etc. que podem ser descritas adequadamente através de grafos. Pode-se definir grafos como diagramas de pontos que se ligam uns aos outros através de linhas, formando pares. Estes pontos são ligados a outros e outros de forma a representar graficamente suas relações. Grafos são representados por diagramas, definidos por G = (V, E) que é uma estrutura matemática constituída por dois conjuntos representados por (V) vértices e (E) arestas (GROSS; YELLEN, 1999). A técnica de análise de dados denominada Análise de Redes, está baseada na Teoria Matemática dos Grafos.