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PARTE 2 SINGULARIDADES NA CONSTRUÇÃO DE

2.1 Anderson: movimento social e constituição familiar

Companheiro de Janaína e pai de Beatriz, Anderson é também uma das lideranças da comissão São Paulo do Movimento Nacional de Luta e Defesa dos Direitos das Pessoas em Situação de Rua (MNPR/SP). Sua história, em muitos momentos, confunde-se com a própria história da organização e da luta por direitos do grupo social a que pertence: "povo de rua", "morador de rua", "população de rua" foram as expressões que utilizou para definir o grupo.

O intuito central na reconstituição de sua história é argumentar a favor da tese de que a participação política e a constituição familiar podem ser elementos fundamentais para se tecer e renovar redes de suporte de maneira a formar um movimento oposto à desfiliação. Apesar de viver em cotidiano adverso, sem trabalho e moradia estáveis, Anderson, com a participação política, vem ampliando suas redes de proximidade, o que parece contribuir para a construção de novas possibilidades de pertencimento social, ainda que necessite da continuidade do apoio dos serviços sociais.

Ele é conhecido no circuito da assistência social, em suas diferentes esferas, em fóruns e movimentos sociais, principalmente aqueles ligados ao

centro da cidade e às questões da rua. Há dez anos participa de movimentos sociais, tendo suas primeiras experiências com os catadores de materiais recicláveis em São Paulo. Uma liderança, segundo ele, não se forma de um dia para o outro:

— Então, hoje você precisa de uma liderança que saiba discutir, que saiba organizar. Então eu comecei aprendendo, né?, o que era organicidade, o que era organização, e também pelo trecho. Fui andando um pouco por Minas, Rio de Janeiro, e conhecendo um pouco a população de rua, em outros estados, vivenciando, fazendo lideranças, conversando, participando da Pastoral, participando de encontros, indo, vendo a organicidade. Eu comecei no movimento dos catadores, quando eu era catador de material reciclável. Então, eu via como é que se fazia pra organizar os catadores, pra ter capacitação e como era a capacitação, que se organizava um almoço, a reunião, a discussão.

Desde 2004, ao se fixar em São Paulo, Anderson vem se fortalecendo como liderança e como um dos representantes das pessoas em situação de rua em diversos fóruns, nestes anos em que este segmento fortaleceu sua representatividade e sua interlocução com entidades de assistência e com setores do governo (federal, estadual e municipal). Neste duplo movimento, Anderson foi ampliando sua rede de relações através da participação em alguns espaços de organização política e entidades sociais, como a Casa de Oração do Povo de Rua, o Fórum de Debates sobre a População em Situação de Rua, o Fórum da População de Rua, o Fórum Centro Vivo, as Conferências da Assistência Social e eventos ligados às questões da rua e do centro da cidade, entre outros. Participa, assim, de um circuito de lutas com algumas características comuns: a defesa de direitos, a busca por debates e a construção de espaços coletivos.

Anderson narrou sua trajetória itinerante por diversas cidades brasileiras até fixar-se em São Paulo a partir de 2004, período em que teve participação ativa na criação do movimento e que encontrou sua companheira.

Infância, trajetórias de rompimentos e redes de assistência: vida na rua, vida no "trecho"

— Eu sou paulistano, fui criado em Juquitiba. Nasci na Vila Mariana, no Hospital de Mãe Solteira, perto do Santa Cruz. Naquela época, o hospital era chamado assim, e aí depois, eu fui, o Juizado me mandou lá pra Juquitiba. Fui criado num orfanato lá em Juquitiba.

Aos 3 meses de idade, Anderson foi encaminhado para um orfanato em Juquitiba, cidade localizada a 100 km de São Paulo. No contexto do trabalho de campo, foi realizada uma visita ao orfanato que funciona no mesmo local. Haviam transcorrido cerca de 12 anos sem que tivesse contato com a instituição, e, nesta ocasião, Anderson reencontrou um de seus diretores, sendo convidado para a festa de final de ano. O evento desencadeou lembranças e narrativas da experiência lá vivida: mostrou seu quarto, a janela "com uma bela vista para a natureza", lembrou que ia com freqüência à casa de uma das funcionárias com quem também passava férias, ela tinha um filho de sua idade. Ficou satisfeito ao encontrar uma foto sua na parede da sala de televisão. Também lembrou de momentos difíceis, como os maus- tratos de funcionários, e as brigas com os meninos mais velhos, ressaltando que sente muita mágoa dessa época.

Aos 13 anos, como todas as crianças do orfanato, foi transferido para uma república na cidade de São Paulo. Vale observar como relatou esta transição.

— Bem, minha história é assim: até os 13 anos, fiquei no orfanato em Juquitiba. Dos 13 aos 15 anos, mais ou menos nesta faixa, eu fiquei na república do mesmo orfanato, aqui em São Paulo. Daí eu saí da república, porque eu não concordava com as regras, e eles não concordavam comigo, então eu vim pra pensão. Com 15 anos, fui pra pensão, no Morumbi. No Morumbi não dei certo. Nessa época, eu tava trabalhando de office boy. Aí,

já na pensão, não consegui ficar, sempre eram roubadas as coisas; eu saí, vim para o centro. Aí, do centro já fui para a rua, morei numa pensão, e fui morar na rua.

Seus primeiros momentos na rua foram vividos embaixo do túnel do Anhangabaú, no centro da cidade. A região lhe traz péssimas lembranças, pois neste local foi violentado sexualmente por um policial. A violência da rua e a violência institucional fizeram parte da sua história, como fazem parte da realidade de outras parcelas da população brasileira.

Anderson encontrou solidariedade em um companheiro de rua, o Ceará, que passou a chamar de tio. Com o Ceará, dormiu em diferentes regiões da cidade, em albergues e na rua, em busca de proteção e melhores oportunidades de sobrevivência. Separaram-se quando Anderson foi participar de um evento de Páscoa. Por volta de 1995, conheceu a Organização de Auxílio Fraterno (OAF), após participar da vigília pascal do povo de rua:

— Quando era umas nove ou dez horas da manhã, eu estava passando na São Bento e recebi um panfleto dizendo: venha participar da Páscoa do Povo da Rua, debaixo do viaduto do Glicério, onde você vai gostar, onde vai ter muita música, muita dança e comida. Aí eu falei: que ótimo, nunca vi isso na minha vida, eu vou. [...] Aí eu comecei a conhecer a OAF, as coisas assim. E papo vai, e papo vem, a Ivete me convidou pra ir participar da comunidade povo da rua, certo. Comunidade dos Sofredores da Rua, ali no Glicério, na Rua dos Estudantes. E de quarta-feira tinha uma sopa que era feita pra quase quinhentas, seiscentas pessoas

debaixo do viaduto do Glicério, e aí eu também participava dessa sopa. Eu disse pra ela que gostava da cozinha, que já trabalhei com cozinha, era cozinheiro. E aí ela começou a me convidar pra ir trabalhar. Pra ir trabalhar, não: pra ir viver a sopa, conviver. Trabalhar, não, porque você fala trabalhar, aí você vai ganhar, é registrado. Mas de viver a sopa, de ir participar. E aí eu comecei a participar na sopa, a participar no centro comunitário, fazendo parte do grupo de canto, do canto da rua, já participando. E aí desse tempo, né, veio surgindo depois de 97 a Casa de Oração, onde comecei também. Já participava do centro comunitário, Casa de Oração, a Pastoral, que foi feito tudo nesse mesmo englobamento, que foi feito pela OAF, pela Pastoral, pelo padre Júlio Lancelotti, e que praticamente inclui um patamar só, que é tudo por elas. E aí eu participava de tudo que tinha a ver, no sentido a OAF.

Ao entrar em contato com a Comunidade dos Sofredores de Rua, Anderson passou a pertencer a um circuito em que articulação política, religiosidade e a atenção à população em situação de rua estiveram sempre

presentes*. O trabalho da OAF-SP havia passado por intensas

transformações desde a década de 80. Sob forte influência da Teologia da Libertação e da Carta de Puebla (documento que resultou da Conferência dos Bispos da Igreja Católica da América Latina realizada em 1979 na cidade de Puebla, no México), a organização investiu esforços no sentido de reinventar suas propostas. Vieira et al.8 reconstituíram esta história:

Primeiramente a OAF trabalhava com a população de rua através dos Albergues Modelos, Oficinas Abrigadas, Rondas, etc. Simultaneamente ao momento em que a Igreja renovada faz a sua opção pelos pobres, numa perspectiva crítica e libertadora, a OAF questiona a sua prática institucional, o que a leva a fechar todos os serviços com aquela população, e parte ao seu encontro nos locais onde esta mora e sobrevive,

*

Algumas pesquisas e livros recuperam experiências da OAF-SP e seu histórico: Castelvecchi48,49; Rosa22; Vieira et al.28.

ou seja, a própria rua. O modelo utilizado neste encontro com a rua apoiou-se nas Comunidades Eclesiais de Base, escolhendo locais que propiciassem a formação de uma comunidade, usando como uma das alavancas a Casa de Oração e a inserção em alguns pontos da cidade.

Dentro deste cenário, Anderson passou a participar de diversas ações promovidas ou coordenadas pela OAF-SP e pela Pastoral do Povo de Rua. Estas entidades, juntamente com outras organizações que trabalham com adultos em situação de rua, procuraram investir na articulação política da população. A perspectiva adotada é de que não se trata de uma situação que possa ser isolada nem deve recair na culpa individual, pois o fenômeno relaciona-se com as transformações econômicas, políticas e sociais brasileiras, como opinou Barros50.

Após algum tempo, Anderson resolveu "pegar o trecho", seguindo para outras cidades brasileiras. Refletiu sobre suas motivações para as viagens e concluiu que estavam ligadas às condições em que a população em situação de rua era tratada em determinado momento:

— Mas eu fui, sabe por quê? Porque eu via a situação aqui de São Paulo. Então eu sempre fui uma pessoa assim. Quando eu via desgraças, a tristeza, gente morrendo, gente apanhando, muito frio, eu saía fora de São Paulo.

Momentos de tensão com a OAF também motivaram suas saídas. Ao avaliar sua atitude crítica nos espaços que freqüentava e a dificuldade em permanecer neles, ele expôs:

— Minha boca, ela é muito felina, ela é muito feroz, ela é muito felina, assim, no sentido do que ela vê de errado, ela começa a criticar. E aí eu começava a meter a boca em todo mundo, a falar, e aí veio a expulsão. Expulsão da Casa de Oração, expulsão da

comunidade, expulsão dos lugares aonde eu estava. Então eu já começava a ficar revoltado com isso. Aí, de tempos em tempos, eu fugia do Centro Comunitário, fugia da OAF, fugia de todo mundo, tem isso. Hoje eu tô um pouco mais firme, mais voltado, mas eu ainda guardo alguma coisa dentro de mim.

Durante as entrevistas, ele contou suas experiências "no trecho", em alguns momentos com muitos detalhes das aventuras e dos dissabores que viveu, tentando chegar às cidades que procurava. O intuito nesta reconstituição é assinalar uma passagem importante desde o último retorno de Anderson à cidade de São Paulo e não recompor toda esta trajetória.

Após um ano estabelecido em Salvador, período durante o qual trabalhou na comunidade da Igreja Trindade, que atende pessoas em situação de rua, uma decepção amorosa, seguida de uma "crise nervosa", motivou seu retorno a São Paulo, onde permanece desde então (ou seja, desde 2004).

Em São Paulo novamente: espaços de moradia, trabalho e família

Ao chegar a São Paulo, Anderson restabeleceu seu contato com a OAF. Após alguns meses dormindo em albergue, conseguiu apoio no projeto A Casa Acolhe a Rua, moradia provisória coordenada por aquela organização.

Sua relação com a OAF e com a Pastoral, via Casa de Oração do Povo de Rua, voltou a ser intensa. Houve momentos em que trabalho, moradia, lazer e outras atividades cotidianas estiveram fortemente vinculadas a tal circuito. Neste período, participou ativamente do Fórum da População de Rua realizado quinzenalmente no espaço da Casa de Oração.

Desde que Anderson fixou-se em São Paulo, seus espaços de moradia estiveram, de alguma forma, ligados à rede de assistência. O Quadro 2, a seguir, auxilia a visualizar as informações sobre sua mobilidade em relação à moradia e às soluções encontradas:

Quadro 2. Tipos de moradia utilizados por Anderson entre 2004 e 2006

Ano Tipo de moradia Período aproximado Valor

2004 Albergue Três meses Gratuito

2004-2005 Moradia provisória Um ano R$ 50,00, pagos com prestação de serviços 2005-2006 Casa cedida pela

OAF Seis meses R$ 150,00

2006 Albergue para

famílias

De agosto em

diante Gratuito

A situação de moradia de Anderson esteve condicionada à sua situação financeira. Houve momentos em que uma relação de troca era considerada legítima e viável, ou seja, era possível prestar serviços à OAF como forma de retribuição do pagamento do fundo de moradia. As necessidades transformaram-se a partir de 2005, quando Anderson desejou constituir família.

Foi na moradia provisória e nos espaços da Pastoral (Casa de Oração) que conheceu sua companheira. Em 2006, tiveram sua primeira filha. Saíram da moradia provisória para uma casa cedida pela OAF, com a cobrança de um fundo de moradia, espécie de aluguel subsidiado, com valor

mais baixo do no mercado*. Anderson relatou o momento desta passagem e

sua relação com a entidade:

— Hoje eu tô partindo para uma moradia onde a OAF está me cedendo, onde eu vou morar com a minha companheira. Atualmente eu estou lá na Moradia Provisória, gestão participativa com a Prefeitura, mas é a OAF que cuida do projeto. E penso assim em progredir, ter minha casinha, um projeto meu! Meu! E a OAF, nesse sentido, ela tem me respaldado, ela me respalda um pouco, em algumas coisas, no sentido assim: presto alguns serviços, tô sempre lá, participo, vou representar em conferências, falo um pouco da minha convivência com a OAF. O órfão, né?, o menino que hoje vai constituir uma família, que tá sempre participando das coisas da OAF, que está sempre presente, que tem acesso livre, um pouco a participatividade na OAF, e é também mais uma porta que se abre.

Pela primeira vez, Anderson experimentou a vivência em família, e sua rede de suporte foi essencial como apoio para questões afetivas e materiais. A formação da família trouxe novas preocupações, responsabilidades e projeções para o futuro. Acarretou também, como descreveu no relato a seguir, momentos de desejo de "pegar o trecho" de novo, principalmente em períodos de maior tensão. Até hoje, a opção por permanecer vinculado e em família tem prevalecido.

— Tem hora que dá vontade de ir embora! É verdade! Eu ainda tenho o desejo de botar o galo [sacola onde se carregam os pertences] nas costas e ir. Se a Janaína não tivesse comigo, eu já tava longe, já tava na Bahia, curtindo o Carnaval na Bahia, mas agora não posso mais. [...] Então, para mim, não é que seja complicado, tem dia que a gente... Que nem teve um dia aí que a gente comeu macarrão puro. Graças a Deus! Falo para ela: Janaína, jogue tuas mãos, ela tá

*

Para alugar uma vaga ou quarto de pensão, no geral, o morador deve pagar três meses de aluguel adiantado, e os valores podem girar em torno de R$ 80,00 a R$ 100,00 (vaga) e de R$ 150,00 a R$ 250,00 (quarto).

aprendendo isso, o que a gente não pode passar em casa é fome. De forma nenhuma! Eu não quero isso. Você está grávida, você está gestante, nem que eu vá na feira catar, nem que eu vá, mas isso eu não vou deixar! Vou catar latinha! [...] Eu não tenho vergonha, não. Eu digo para ela: a gente não vai comer todo dia caviar, não vamos ter luxo, não, mas a gente vai ter o essencial em casa para comer.

O trabalho com a reciclagem ligado à cooperativa já foi uma realidade em sua trajetória, e "catar latinha" é um alternativa de renda entre outras. Esta alternativa é diferente do trabalho de "catador" que, com seu carrinho, recolhe e separa uma gama maior de materiais e tem nesse trabalho sua fonte de renda, como é o caso do João (ver item 2.2). Em relação às formas de geração de renda, Anderson teve um longo percurso em que se alternaram trabalhos registrados (como office boy, como cozinheiro),

autônomos (como vendedor de pipoca ou de tomate seco), relacionados à rede de assistência, como nas Frentes de Trabalho (estaduais e municipais), e as prestações de serviço à OAF.

Durante o trabalho de campo, pude acompanhar uma situação de intensa transformação do cotidiano de Anderson, quando foi contratado como auxiliar em um restaurante em São Paulo. Sua formação como cozinheiro*, além de suas redes de relações, possibilitou esta nova inserção

no mercado formal de trabalho. Anderson havia participado de um grande evento da Igreja Católica na Alemanha representando a Pastoral, ocasião em que conheceu o dono do restaurante que lhe fez a proposta de trabalho.

*

Anderson formou-se no Complexo Educacional do Grande Hotel São Pedro (mantido pelo Senac), uma escola bem reconhecida pela formação que oferece nessa área.

Anderson experimentou um trabalho estável por cerca de seis meses. Durante o período, pôde se sustentar financeiramente, arcando com gastos de aluguel, água, luz, alimentação, as muitas prestações das Casas Bahia. Além disto, conseguiu organizar uma festa em sua casa, para comemorar seu aniversário junto com amigos do movimento, do Fórum de Debates, da Casa de Oração e da OAF. Entretanto, passou a fazer muitas avaliações negativas daquela configuração da sua vida: a falta de tempo para a família e as articulações do MNPR, o sentimento de estar "sendo escravizado" e as dificuldades de relacionamento com seus companheiros de trabalho. Ponderava e discutia formas alternativas de sustentar sua família e criar condições para deixar aquele emprego. Neste trecho de seu depoimento, explicou parte de suas dificuldades:

— Lá eu estava no bufê de salada, de manhã, e depois ia pro quente. E era um querendo pisar na cabeça do outro. E era uma "fofocaiada", uma "brigaiada"; eu sei que todo emprego tem isso, mas eu não aceito. Você espera, e o ser humano não vale nada! Mas ali era cobra engolindo cobra! Falei: eu vou sair, é melhor sair do que ficar trabalhando com má vontade. Cozinha tem que tá trabalhando com vontade, com amor, com carinho, de coração. Aí eu falei: não é pra mim! Não era pelo dinheiro, pelo salário, eu ganhava R$ 600,00. Tudo bem, eu tenho filha, tenho conta pra pagar, tudo bem, vamos à luta!

Foi insustentável manter-se neste trabalho. Em sua avaliação, há uma dificuldade pessoal que se explica em sua trajetória:

— Eu já trabalhei registrado: há três anos atrás, eu trabalhava lá em Salvador em uma igreja; trabalhei um ano registrado. Trabalhei em outros lugares registrado. Então, mesmo em situação de rua, já passei por alguns; meio difícil, mas já. Mas a minha questão é que, um bom tempo já, assim nessa situação, você não cria mais esse vínculo empregatício, escravizado,

então pra mim é muito difícil! Eu vou ter que passar por esse processo um bom tempo. Ainda tá novo pra mim, é recente isso, mesmo com a obrigação, tá vindo a Maria, tem a Janaína, mas aí eu tenho que batalhar e trabalhar mesmo, mas não nesse sentido.

Suas expectativas em relação ao trabalho refletem ainda, mais do que um tempo de adaptação, uma preocupação com a liberdade e com um determinado modo de vida:

— Eu estou em uma casa agora que eu pago aluguel, é diferente da moradia provisória. Eu trabalhei em um restaurante com uma carga horária muito pesada e eu saí. Então, para mim, eu acho o seguinte: a casa está boa no sentido de moradia, eu fiquei aí tanto tempo numa moradia provisória, então eu já me adaptei. Agora estou na minha casa, pago o fundo moradia, que é outro fundo, é diferente, não é o aluguel. Se eu fosse pagar o aluguel, seria um pouco maior do que o fundo. Pago água, luz, né?, eu e minha companheira. Agora no sentido do trabalho eu não estou adaptado a trabalhar. Então quer dizer, para mim, trabalhar oito horas, depois ir, sair, voltar, todo dia, de segunda a segunda, uma folga na semana... Eu sei que para qualquer um é assim, mas para mim, que tenho tanto