• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1: O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE ADULTOS SOB A VERTICE

1.4 Andragogia, pedagogia e complexidade

Segundo Malcolm Knowles (1980, p. 58), a palavra andragogia encontra o seu melhor significado como “a arte e ciência de ajudar o adulto a aprender, em oposição à Pedagogia, que cuida do ensino de crianças”. O termo remete a um conceito de educação orientado para o adulto, em contraposição à pedagogia, que se refere à educação de crianças (do grego paidós = criança). Se buscarmos a origem de andragogia, encontraremos a sua procedência nas palavras gregas andros (homem) + agein (conduzir) + logos (tratado, ciência).

Assim, neste estudo, vamos considerar andragogia como uma disciplina da parte integrante das ciências da educação, com foco específico ao campo de ensino e aprendizagem de jovens e adultos.

Knowles (1980) apresenta o modelo andragógico que, divergente do padrão pedagógico aplicado para o ensino de crianças, possui preceitos focados na educação de adultos, sendo eles respectivamente:

a) Os adultos são motivados a aprender quando possuem necessidades e interesses que a aprendizagem satisfará; desta maneira, eles passam a serem os pontos de partida apropriados para organizar as atividades de aprendizagem de adultos.

b) A orientação de adultos para a aprendizagem é centrada na vida; sendo assim é importante ter em mente que as unidades apropriadas para organizar a aprendizagem de adulto são as situações da vida, não os assuntos em si.

c) Experiência é o recurso mais rico para a aprendizagem de jovens e adultos, então a metodologia básica da educação de adultos é a análise da experiência.

d) Os adultos, em geral, manifestam uma grande necessidade de serem autodirigidos. Isso faz com que o papel do professor assuma a função de se engajar em um processo de mútua investigação, em lugar de transmitir o

seu conhecimento e então avaliar a adequação deles em relação ao processo.

e) As diferenças individuais entre as pessoas aumentam com a idade; portanto, a educação de adultos deve considerar as diversidades de estilo, tempo, local e ritmo de aprendizagem.

O mesmo autor esclarece que a andragogia é um sistema de conjecturas que, também, incluem teorias herdadas das escolas pedagógicas. Para uma melhor compreensão deste ponto de vista reproduzimos as tabelas que comparam a pedagogia tradicional com andragogia, segundo a ótica de Knowles:

Tabela 1 - Pedagogia e Andragogia: Pressupostos

CRITÉRIOS PEDAGOGIA ANDRAGOGIA

AUTOCONCEITO Dependência Autodireção crescente

EXPERIÊNCIA De pouco valor Aprendizes como fonte de aprendizagem

PRONTIDÃO Pressão social de desenvolvimento biológico Tarefas de desenvolvimento e papéis sociais

PERSPECTIVA

TEMPORAL Aplicação adiada Aplicação imediata ORIENTAÇÃO DA

APRENDIZAGEM Centrada na matéria Centrada nos problemas

Tabela 2 - Elementos da prática

CRITÉRIOS PEDAGOGIA ANDRAGOGIA

CLIMA Orientado para autoridade Formal competitivo Mutualidade / Respeito Informal Colaborativo

PLANEJAMENTO Pelo Professor Compartilhado

DIAGNÓSTICO DE NECESSIDADES Pelo professor Autodiagnóstico mútuo

FORMULAÇÃO DE OBJETIVO Pelo Professor Negociação mútua

DESIGN Lógica da matéria Unidade de Conteúdos Sequência em termos de prontidão Unidade de problemas

ATIVIDADES Técnicas de transmissão Técnicas de Experiência Vivências/indagações

AVALIAÇÃO Pelo Professor

Rediagnóstico conjunto de necessidade

Mensuração conjunta do programa

Fonte: M. Knowles (apud MOSCOVICI, 1998, p. 26)

Se interpretarmos as tabelas 1 e 2, chegaremos, sob a visão de Knowles, às seguintes conclusões:

a) Na Pedagogia tradicional:

- a experiência daquele que aprende não é amplamente considerada; - o importante é a experiência do professor;

- não há necessidade de compreender a necessidade do aprendizado correlacionando com a vida do aprendiz;

- aprendizagem centrada no conteúdo e não no problema;

- motivação está relacionada com fatores de ordem externa ao sujeito (das classificações escolares e das apreciações do professor).

b) Na Andragogia:

- os adultos são portadores de experiências e estas devem ser consideradas e incorporadas no processo de ensino;

- na maioria das vezes são os próprios aprendizes que constituem os recursos para suas respectivas aprendizagens;

- adultos estão dispostos a iniciar uma aprendizagem, desde que compreendam sua utilidade para sua vida real, no que tange as esferas pessoal ou profissional;

- aprendizagem com foco na resolução de problemas;

- motivação está relacionada com fatores de ordem interna, podendo ser associada a satisfação, autoestima e qualidade de vida.

Porém, cabe lembrar que as teorias pedagógicas construtivistas assumem uma postura diferente da pedagogia tradicional, o que faz com que se aproximem da andragogia.

Para melhor exemplificar esta correlação elaboramos a tabela 3, que tem como objetivo fazer comparações entre a pedagogia tradicional, o construtivismo e a andragogia.

Tabela 3 - Comparações entre Pedagogia Tradicional, Construtivismo e Andragogia

PEDAGOGIA

TRADICIONAL CONSTRUTIVISMO ANDRAGOGIA

A experiência do aluno não

é amplamente considerada A experiência do aluno é sempre considerada

Os adultos são portadores de experiências e estas devem ser consideradas

O importante é a

experiência do professor O aluno é um ser pensante, com desenvolvimento próprio

Aprendizes constituem os recursos para suas

respectivas aprendizagens Aprendizagem centrada no

conteúdo e não no problema

O estudante é quem constrói o conhecimento, por meio da formulação de hipóteses e da resolução de problemas

Aprendizagem com foco na resolução de problemas

Motivação está relacionada com fatores de ordem externa ao sujeito

Motivação está relacionada com a integração com o mundo externo e interno do aluno

Motivação está relacionada com fatores de ordem interna, podendo ser associada a satisfação, autoestima e qualidade de vida

Professor tem um papel de transmissor do

conhecimento

Professor é um orientador que facilita a aprendizagem, tenta criar situações que estimulem e motivem as respostas

Professor faz a gestão do conhecimento, mediando as situações sempre com foco no aluno

PEDAGOGIA

TRADICIONAL CONSTRUTIVISMO ANDRAGOGIA

Não há necessidade de compreender a

necessidade do aprendizado

correlacionando com a vida do aprendiz

Aprendizagem deve ter algum significado para o aluno

Aprendizagem deve ter alguma utilidade para sua vida real, no que tange às esferas pessoal e/ou profissional

Fonte: elaborado pelo autor

Se analisarmos a tabela 3, chegaremos à conclusão que construtivismo e andragogia possuem semelhanças tanto no conceito de ensino (professor) como no de aprendizagem (aluno), com a diferença que as teorias construtivistas foram elaboradas pensando nas fases do desenvolvimento infantil, enquanto que a andragogia possui foco específico e direcionado para indivíduos na idade adulta.

Nesse sentido, podemos pensar as teorias andragógicas como uma metodologia que pudesse dar continuidade à linha de pensamento construtivista, mas completamente focada para o ensino e a aprendizagem dos indivíduos em idade adulta, visto que os autores do construtivismo não abordam questões desta ordem.

Nessa linha de raciocínio, consideramos de suma importância fazer referência a uma parte da teoria construtivista que dá ênfase à aprendizagem significativa e que também indica a experiência como fator determinante na aprendizagem do ser humano e, dessa maneira, mais uma vez se assemelhando às teorias andragógicas:

Se eu tivesse de reduzir toda a psicologia educacional a um único princípio, diria isto: o fator singular mais importante que influencia a aprendizagem é aquilo que o aprendiz já conhece. Descubra o que ele sabe e baseie nisso os seus ensinamentos. (AUSUBEL; NOVAK; HANESIAN, 1980 p. 34)

Outro autor que fez contribuições significativas para questões educacionais andragógicas, considerando a experiência como um fator decisivo no processo de ensino e aprendizagem, foi Lindeman, que em sua publicação “The meaning of adult education”1 declarou:

...a fonte de maior valor na educação de adultos é a experiência do aprendiz. Se educação é vida, vida é educação. A aprendizagem

consiste na substituição da experiência e conhecimento da pessoa. A psicologia nos ensina que, ainda que aprendemos o que fazemos, a genuína educação manterá o fazer e o pensar juntos... A experiência é o livro vivo do aprendiz adulto. (LINDEMAN, 1926, p. 9-10)

Se adultos são portadores de experiências e elas devem ser consideradas no processo de construção do saber, assim o aprendiz, sob este referencial, assume um papel colaborativo e determinante em sua própria aprendizagem, uma vez que o conteúdo a ser transmitido necessariamente tem que ter significado real e utilidade para sua vida, estabelecendo um sistema de fluxo de informações capazes de promover e facilitar processos de auto-organização, autorregulação e o aparecimento de novas emergências, processos, esses, que caracterizam a própria dinâmica da vida (MORAES, 2008, p. 99).

Vemos assim, o pensamento complexo como uma teoria capaz de suprir a ausência das metodologias pedagógicas para educação de adultos, e por esse motivo construímos a tabela 4 com o objetivo de comparar a andragogia com a teoria da complexidade.

Tabela 4 - Andragogia e complexidade: pressupostos

CRITÉRIOS ANDRAGOGIA COMPLEXIDADE

AUTOCONCEITO Autodireção crescente Auto-organização e autorregulação

EXPERIÊNCIA Aprendizes como fonte de aprendizagem Conhecimento multidimensional

PRONTIDÃO Tarefas de desenvolvimento e papéis sociais Adaptação e inerência a diferentes contextos PERSPECTIVA TEMPORAL Aplicação imediata Dinâmica relacional

ORIENTAÇÃO DA

APRENDIZAGEM Centrada nos problemas Flexibilidade metodológica

Fonte: elaborada pelo autor

Analisando a tabela 4 percebemos muitas relações entre andragogia e complexidade. Dessa maneira, notamos a complexidade, no âmbito da educação de adultos, como uma teoria capaz de superar a fragmentação do conhecimento que as demais abordagens pedagógicas impõem aos estudantes, eliminando o reducionismo do pensar e a linearidade dos processos que envolvem a aprendizagem e o ensino,

superando a rigidez das metodologias que insistem em encaixar o estudante nas teorias.

Segundo Paulo Freire, o ensino deveria dar maior ênfase às questões da alfabetização propriamente dita, dessa maneira os educadores precisariam levar em conta os aspectos culturais, sociais e humanos do estudante. Essa atitude estaria voltada a ouvir o aprendiz, neste processo seria possível ajudá-lo a edificar a confiança para que ele se transforme em um ser capaz de compreender o mundo por meio do conhecimento.

É preciso saber ouvir, ou seja, saber como ouvir uma criança negra com a linguagem específica dele ou dela, com a sintaxe específica dele ou dela, saber como ouvir o camponês negro analfabeto, saber como ouvir um aluno rico, saber como ouvir os assim chamados representantes de minorias que são basicamente oprimidas (FREIRE, 2001, p. 58).

Esse conceito nos remete a um sistema de rede em que alunos e professores estão conectados na construção de um saber em constante evolução. Contudo, isso só é possível, segundo Paulo Freire, quando o educador consegue aproximar-se da realidade do aluno por meio do cuidado e atenção no sentido de saber ouvir o estudante e a realidade em que ele está inserido.

Segundo Moraes (2008, p. 99), para melhor entender a aprendizagem, é preciso compreender as relações que ocorrem entre o aluno e os objetos com os quais ele relaciona-se, perceber as analogias no âmbito do indivíduo e do contexto, entre o que já se sabe e o que está sendo aprendido, conhecido, transformado mediante mecanismos operacionais que catalisam mudanças estruturais na organização viva do ser aprendente.

Nesse ponto vemos claro o pensamento de Morin sobre o princípio da reintrodução do conhecimento em todo conhecimento:

Este princípio opera a restauração do sujeito, e põe a descoberto o problema cognitivo central: da percepção à teoria cientifica, todo conhecimento é uma reconstrução / tradução por um espírito / cérebro numa dada cultura e num dado tempo. (MORIN, 2002, p. 102-103)

Existe uma íntima relação de dualidade no que concerne à capacidade interna de aprendizagem, associada a fatores de ordem externas. Assim, podemos relacionar o conceito do paradoxo autonomia-dependência, descrito por Maturana e Varela (1995) como a tônica do sistema de ressignificação do conhecimento do indivíduo na idade adulta.