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3. A MÃE E A REPRODUÇÃO ASSEXUADA

3.3.3. Androginia do papel procriador

A ideia de que o filho brotou da mãe por cissiparidade, fortemente presente no verso “Porção de minha plásmica substância”, evoca novamente uma imagem vista em “Mater Ori- ginalis”, a de que a criatura é um clone de sua progenitora. Neste ponto da terceira estrofe en- contramos uma ressonância com o outro soneto. Enquanto “Mater Originalis” constitui uma pequena “fábula” em que o narrador em primeira pessoa é o filho diante da mãe, Augusto dos Anjos nos apresenta, no “Soneto” ao Filho, uma inversão interessante dessa “historieta”.

13 Essa característica maternal de Zeus será retomada adiante, quando explorarmos a imagem da maternidade

Nele, o eu-lírico fala ao ser por ele criado, lamentando seu destino trágico. Novamente, está ausente qualquer menção ao sexo e, portanto, à procriação sexuada.

Desse modo, chama atenção que, da mesma forma que a “mãe original” produziu como que por mitose a um filho14, do progenitor do Soneto brotou seu “Fruto rubro de carne

agonizante”. Outra forte correspondência entre os dois sonetos pode ser encontrada na fórmu- la “minha morfogênese ancestral”. Aqui há duas possibilidades de leitura: a “morfogênese” pode ser entendida como um atributo (biológico) do progenitor que o remete à ancestralidade evolutiva, do qual ele é descendente tanto quanto o filho; ou, por outro lado, pode ser vista como sua própria gênese imediata, como se ele mesmo fosse a forma ancestral surgida na au- rora dos tempos, ou seja, como se ele fosse a própria “mãe original” do outro soneto.

Assim como o eu-lírico, o “feto esquecido” tampouco tem qualquer identificação inequívoca de gênero, a não ser na dedicatória do poema. Mesmo quando se refere a ele como “Filho da grande força fecundante”, o “filho” (no masculino) é mais um adjetivo que qualifica o “agregado” do primeiro verso do que um substantivo marcando o gênero (masculino) da cri- ança. Essa ambiguidade é mais evidente na confusão causada pela discrepância entre o subs- tantivo feminino “porção” e o adjetivo masculino “anônimo”, ambos se referindo ao mesmo ser. É claro que gramaticalmente “porção” é aposto do “filho” ou do “fruto”, um destes sendo referido pelo adjetivo, mas o jogo de palavras parece propositalmente montado para causar dúvidas a esse respeito.

A indefinição absoluta de sua identidade de gênero e, por extensão, de sua identidade como um todo, vai se fortalecendo à medida em que o eu-lírico se pergunta sobre o destino de seu rebento: “Em que lugar irás passar a infância, / Tragicamente anônimo, a feder?!…” Mais do que o lugar ou não-lugar em que irá viver sua não-vida, a mãe pode estar se perguntando quem será essa criatura indefinida em seu anonimato e fedor.

O feto já é “esquecido” mesmo antes de chegar a ser alguém no mundo, e o ser cria- dor deseja que, ao menos, ele possa “dormir […] / Panteisticamente dissolvido”, quer dizer, numa total indiferenciação, numa identificação, aí sim, com a totalidade da existência, como a divindade numa concepção panteísta, em que ela se confunde com o próprio universo. Porém, ao mesmo tempo em que se compraz com esse possível destino no qual o feto poderá ser o todo, este não poderá escapar de, estando fora do mundo fenomênico, se reduzir à “noumena- lidade do NÃO SER”, ou seja, sequer existir enquanto ser no mundo material, mas apenas

14 Mitose é o processo básico de reprodução assexuada através do qual uma célula se divide em duas, originan- do dois seres geneticamente idênticos. Pensamos na alegoria da mitose como adequada para entender a rela- ção entre os poemas “Mater originalis” e o “Soneto” ao Filho, já que em ambos os casos a produção de um novo ser se dá assexuadamente, além de existir uma identificação entre a criatura progenitora e o ser gerado por essa reprodução.

como númeno fora da realidade concreta. Em mais um contraste pungente, o filho é definido numa qualidade dual: ser tudo e não ser nada. É como se a mensagem do eu-lírico fosse, de fato, a de que, apesar de o feto estar fadado ao “NÃO SER”, ele possa vir a ser algo significa- tivo, mesmo que seja uma abstração, uma ideia que se confunda com qualquer concepção panteísta, na qual se torne um com o universo.

As características do pai, neste poema, o remetem às representações tradicionais de gênero que associam a capacidade reprodutiva ao feminino, e dessa forma o eu-lírico assume uma função materna. O “Soneto” ao Filho é transgressor por ser escrito de forma ambígua quanto ao gênero das duas figuras que o encenam: a imagem do eu-lírico não tem o gênero marcado, de tal forma que uma mãe do sexo feminino que perdeu uma criança no parto, talvez até mais do que um homem pai e de forma ainda mais visceral, pode perfeitamente se identifi- car com ele. Dessa forma, o “Soneto” pode ser lido também como a voz de uma mãe reivindi- cando o papel da mulher como procriadora numa sociedade patriarcal e androcêntrica. Assim, a empatia do poeta para com os sentimentos de uma mãe, de uma mulher, nos mostra o la- mento de quem tem seu próprio corpo alienado de si mesma. De fato, a dominação masculina constrói a experiência do corpo feminino como a de um objeto e não a de um sujeito:

Tudo, na gênese do habitus feminino e nas condições sociais de sua realiza- ção, concorre para fazer da experiência feminina do corpo o limite da expe- riência universal do corpo-para-o-outro, incessantemente exposto à objetiva- ção operada pelo olhar e pelo discurso dos outros (BOURDIEU, 2002, p. 79) Em qualquer papel que a sociedade sexualmente dividida ofereça às mulheres, “elas se vêem obrigadas a experimentar constantemente a distância entre o corpo real, a que estão presas, e o corpo ideal, do qual procuram infatigavelmente se aproximar” (BOURDIEU, 2002, p. 83). Essa condição alienada se encontra na subjugação da mulher ao papel de recep- táculo da semente do homem, este entendido como sujeito da procriação. A condição social da mulher enquanto ser desprovido de uma existência para si mesma é contestada pela mãe do “Soneto”. De tal forma ela se identifica com o feto ao repetir e reforçar a “morfogênese” de ambos, que podemos compreender que quando ela se refere ao “feto esquecido” e à “noume- nalidade do NÃO SER”, ela está se referindo à própria condição de invisibilidade social. É ela, enquanto sujeito, que está esquecida; é ela, enquanto ser objetificado, que experimenta a vivência de um não ser, senão um ser para o outro.

Além disso, ao se referir ao anonimato do feto em sua condição de abandono ao es- quecimento, podemos nos referir ao aspecto patrilinear da cultura patriarcal ocidental, pelo

qual as mulheres perdem seu nome de família, adotam o nome do esposo e o passam para os filhos, como que num processo de perda de identidade e de alienação em sua relação com a criança, com a qual a mãe não se identifica, pois não pôde legar a seus herdeiros sua “morfo- gênese ancestral”. A cultura patriarcal nega à mulher a possibilidade de se ver como procria- dora de seus próprios filhos, como autora de sua própria obra. De acordo com Simone de Be- auvoir:

Pensou-se durante muito tempo, pensa-se ainda em certas sociedades primi- tivas [sic] de filiação uterina, que o pai não participa de modo algum na con- cepção do filho: as larvas ancestrais infiltrar-se-iam sob a forma de germes no ventre materno. Com o advento do patriarcado, o macho reivindica acre- mente sua posteridade; ainda se é forçado a concordar em atribuir um papel à mulher na procriação, mas admite-se que ela não faz senão carregar e ali- mentar a semente viva: o pai é o único criador” (BEAUVOIR, 1980, p. 29). Cabe refletir sobre uma possível leitura androcêntrica do “Soneto” ao Filho, na qual se poderia ver a ideologia machista segundo a qual a criança é mais fruto do pai do que da mãe. Tal leitura vem de encontro à nossa interpretação, pois consideraria apenas a óbvia iden- tidade masculina do poeta e veria no poema um mero reflexo dessa identidade. Porém, o que percebemos na poesia de Augusto dos Anjos, ao menos nas peças aqui estudadas, é a constru- ção de um eu-lírico andrógino que permite a extrapolação das representações tradicionais dua- listas de gênero e sexualidade.

O “Soneto” ao Filho ressoa a mesma indefinição do gênero, tanto da força criadora quanto de sua criatura, presente em “Mater Originalis”, configurando uma subversão na re- presentação tradicional daquilo que chamamos função ou papel materno. O pai, de certa for- ma, se vê como mãe, mas extirpa dessa representação qualquer marcação de gênero referente ao binarismo masculino/feminino, sendo condizente com a visão, onipresente em sua obra, da universalidade da tragédia humana (e, mais além, de todos os seres da existência).

Podemos, portanto, enxergar neste soneto específico uma representação quase não- alegórica de uma identidade de gênero queer (LOURO, p. 7-8)15, tendo em vista a indefinição

do gênero do eu-lírico (talvez neutro ou não-binário) e a não conformação do papel tradicio- nal feminino da maternidade, que neste caso pode, dependendo da leitura que se faça, estar atribuída a um homem ou a um ser andrógino/hermafrodita.

David Greven (2009), em Gender and Sexuality in Star Trek (Gênero e Sexualidade

15 “Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias da sociedade, que assume o desconforto da ambigüidade, do ‘en- tre lugares’, do indecidível.”

em Jornada nas Estrelas, sem tradução para o português), um ensaio sobre a teoria queer apli- cada alegoricamente às representações de gênero e sexualidade na franquia de séries televisi- vas Jornada nas Estrelas, toma emprestado de Bruno Bettelheim a noção psicanalítica de que existe nos homens uma “inveja do útero” das mulheres para explorar uma imagem presente em várias obras audiovisuais da televisão e do cinema: a “male mother”, ou seja, “mãe mascu- lina” ou “homem mãe”16. Nas palavras de Greven,

the Male Mother can be seen as a man who retains his gender and also (po- tentially) his heterosexuality while enjoying the benefits of womanhood. The figure of the Male Mother is then, in Bettelheim terms, a brilliant new stra- tegy for men to avoid not just the labor and menstrual burdens and “curses” of women but also the arrested development of homosexuality (to use loaded and outdated terminology all aronnd). Male Motherhood, then, allows men to correct the treacheries of sexual difference while reveling in the potentiali- ties of difference17 (GREVEN, 2009, p. 75).

O eu-lírico do “Soneto” ao Filho traz potencialmente a figura de um “pai materno” ou do “homem mãe”, pois, ao mesmo tempo em que oculta a mulher que com ele gerou o feto, assume o papel tradicional desta. Nesta fantasia poética, o artista joga com imagens que nos levam a pensar o “pai” como gerador exclusivo da nova vida, ou seja, não se resume a se atribuir somente um papel de cuidado e nutrição.

Há aqui, obviamente, um perigoso flerte com a noção androcêntrica da exclusividade masculina na procriação, a cujo risco já atentamos. Porém, um dos problemas fundamentais dessa noção é a relação de poder exercida sobre a mulher e seu corpo, colocados em posição submissa e como objetos ou instrumentos da ação do homem. Quando concebemos a fantasia da maternidade masculina sendo exercida exclusivamente pelo pai, não temos essa relação de poder.

O “pai” deste soneto nos remete ao deus supremo do Olimpo, no panteão da Grécia Antiga. Na história dos deuses olímpicos, é interessante relembrar a tragédia familiar, referida anteriormente, em que Urano é suplantado por seu filho, Crono, que, por sua vez, é destrona- do por Zeus, seu caçula. Este não repete a postura defensiva e agônica de seus antecessores, 16 É difícil traduzir o termo inglês sem perder algumas nuanças de indeterminação de gênero presentes na ex- pressão original; vamos utilizar a expressão “homem mãe” para evitar que se veja em “mãe masculina” a fi - gura de uma mulher, o que não é o caso.

17 “o Homem Mãe pode ser visto como um homem que retém seu gênero e também (potencialmente) sua hete- rossexualidade, enquanto usufrui dos benefícios da feminilidade. A figura do Homem Mãe é então, nos ter- mos de Bettelheim, uma nova estratégia brilhante para os homens evitarem não apenas o trabalho de parto, o fardo menstrual e as “maldições” das mulheres mas também o estado neotênico da homossexualidade (para usar uma terminologia completamente carregada e ultrapassada). A Maternidade Masculina, portanto, permi- te aos homens corrigir as armadilhas da diferença sexual enquanto usufruem das potencialidades da diferen- ça” (tradução livre).

resolvendo esse potencial conflito geracional através da assunção de um comportamento ex- tremamente liberal e permissivo para com os filhos. O laço matrimonial com sua irmã Hera não impediu que ele tivesse, ao longo de sua vida, diversas amantes, entre deusas e mortais, com as quais teve muitos filhos. Nenhum deles foi encarado pelo senhor do Olimpo como po- tencial usurpador de seu trono, mas foram em sua maioria convidados a partilhar de um lugar na morada dos deuses.

Além disso, é importante mencionar que, em pelo menos duas ocasiões, Zeus deu à luz: sua filha Atena eclodiu de sua cabeça e Dioniso foi gerado em uma de suas coxas. Mesmo que ambos tenham sido concebidos com a participação de uma contraparte feminina, é a rela- ção com seu pai que define Atena e Dioniso como deuses do Olimpo, e Zeus pode assim ser visto como uma representação desse Homem Mãe (as mães de ambos não participaram da gestação nem do parto), esse indivíduo que desmonta as representações tradicionais de gênero e a divisão sexual de papéis em nossa sociedade.

Ao identificarmos a voz lírica do “Soneto” ao Filho com Zeus, encontramos duas correspondências interessantes. Primeiro, a ideia de um indivíduo que experimenta o ato de parir e, portanto, assume um papel feminino, independentemente do gênero com o qual se identifique. E segundo, trata-se de uma personagem amorosa e acolhedora, que demonstra simpatia por todos os seres da existência, característica que ressoa o próprio Eu enquanto grande poema que versa sobre solidariedade e empatia.

Também podemos encontrar analogias entre, por um lado, os primeiros patriarcas do panteão grego em contraste com Zeus e, por outro, o Deus do Antigo Testamento em oposição a Jesus, no Novo Testamento. O Deus que inicia a saga bíblica, conhecido, entre outros no- mes, por Javé, é uma divindade controladora e belicosa, sendo um de seus epítetos “Senhor dos Exércitos”. Seu caráter autoritário o identifica de diversas formas com Urano e Crono. Por outro lado, o filho e sucessor de Javé é um deus (ou semideus) amoroso e acolhedor, pronto a se sacrificar por seus filhos da mesma forma que uma certa mãe idealizada o faria, e neste ponto ele se assemelha a Zeus. É interessante apontar para este trecho de “Gemidos de Arte”, em que a voz lírica do Eu afirma que lhe vem “Uma vontade absurda de ser Cristo / Para sacrificar-me pelos homens!” (p. 262). Essa identificação com Jesus Cristo está total- mente de acordo com a caracterização que eu-lírico faz de si mesmo, como alguém dotado de solidariedade e empatia, imbuído de características tradicionalmente atribuídas ao feminino.

Este pai conciliador é o oposto da figura paterna opressora que vemos em Urano e Crono, e que corresponde, na mitologia augustiana, ao pai de “A Árvore da Serra”, que por um embate geracional, mata o próprio filho. Veremos adiante que este soneto traz o tema da

opressão patriarcal sobre o feminino e sobre a prole. Além disso, ele se opõe ao “Soneto” ao Filho, tendo em vista que neste existe a conciliação do pai com o feminino e com seus des- cendentes.

O Eu-lírico é a voz de uma grande força que conjuga essas características, concentra- das nas figuras da Sombra que protagoniza o primeiro poema do Eu (“Monólogo de uma Sombra”), na “Mater Originalis” indiferençada que produz todas as formas de vida em sua imensa diversidade, na mãe que dá à luz e nutre seu filho (“Mater”). O feminino está em todas essas forças cósmicas, valorizado de várias formas pela voz lírica, sempre representado como livre de poderes opressores masculinos e exercendo sua fertilidade e capacidade reprodutora sem a intervenção de um terceiro. Quando essa reprodução é falha e seus frutos são moribun- dos ou natimortos, é devido à intervenção de uma fatalidade externa que rouba da mãe o do- mínio sobre sua própria criatividade.

A poesia, como vemos, é capaz de tornar visível aquilo que é socialmente invisibili- zado. Um pequenino ser moribundo é cantado nos versos do Eu e imortalizado, ironicamente, por uma voz que lhe lamenta a não-existência. O paradoxo poético traz à tona aquilo que está proscrito pela fatalidade, e ao mesmo tempo o identifica com a voz da mãe a quem é negada a autoria do fruto a quem deu à luz, fazendo com que o leitor se coloque em seu lugar e deseje intensamente que o destino não tivesse imposto de maneira tão violenta aquele terrível aborto.

3.4. “A Árvore da Serra”: o Pai contra o Filho

Quando o farol ideológico ilumina apenas o homem-pai e lhe dá todos os poderes, a mãe passa à sombra e sua condição se assemelha à da criança.

(BADINTER, 1985, p. 26).

A presença de imagens paternas não é tão frequente na poesia de Augusto dos Anjos quanto a da Mãe, mas é bastante significativa quando aparece. Há diversas homenagens a Ale- xandre Rodrigues dos Anjos, pai do poeta, em poemas como “O Caixão Fantástico”, “A Lágrima” e principalmente na trilogia de sonetos que narra o momento de sua morte. Seria bastante profícua uma pesquisa a respeito desses poemas e da forma como o Eu representa po- sitivamente o Pai, mas para o interesse deste trabalho importa mais analisar o simbolismo pa- terno atuando como agente do poder masculino, e neste sentido “A Árvore da Serra”, quadra- gésimo poema do livro, desempenha um papel bastante pertinente.

— As árvores, meu filho, não têm alma! E esta árvore me serve de empecilho… É preciso cortá-la, pois, meu filho, Para que eu tenha uma velhice calma! — Meu pai, por que sua ira não se acalma?! Não vê que em tudo existe o mesmo brilho?! Deus pos almas nos cedros… no junquilho… Esta árvore, meu pai, possui minhʼalma!… — Disse — e ajoelhou-se, numa rogativa: «Não mate a árvore, pai, para que eu viva!» E quando a árvore, olhando a pátria serra, Caiu aos golpes do machado bronco, O moço triste se abraçou com o tronco E nunca mais se levantou da terra! (p. 272).

Aqui temos um soneto com versos decassílabos e esquema de rimas ABBA ABBA CCD EED. O poema se desenrola na forma de um diálogo em que figuram dois personagens, pai e filho, em torno de um objeto de disputa, uma árvore.

No primeiro quarteto, vemos a fala do pai (o diálogo é marcado por sinal de traves- são e pelo vocativo “meu filho”) interpelando seu filho a respeito de uma árvore que lhe “ser- ve de empecilho”, ou seja, cuja presença ou existência, por algum motivo, não explicitado no texto do soneto, o incomoda. Ele fala sobre sua intenção de cortar a árvore com o objetivo de vir a ter “uma velhice calma”, e deixa evidente, logo no primeiro verso, seu argumento de que as árvores “não têm alma”, sem o que, provavelmente, não poderia cortar a árvore.

A segunda estrofe é a primeira parte da resposta do filho, que exorta o pai (com o vo- cativo “meu pai”) a acalmar sua ira. Para ele, a intenção do pai não se pode justificar, tendo em vista que “em tudo existe o mesmo brilho”, ou seja, em tudo “Deus pôs almas”, até mes- mo nas árvores, inclusive nos cedros e no junquilho. Para convencer ainda mais o pai, o filho arremata que a árvore em questão possui sua alma, dando a entender que uma afronta à planta seria uma afronta a si mesmo.

De fato, no primeiro terceto o filho se ajoelha e roga: “Não mate a árvore, pai, para que eu viva!”, sugerindo que a morte da árvore causará sua própria morte. Porém, ato contí- nuo (ou simultâneo), como se sua súplica fosse totalmente inútil, a árvore é cortada. No terce- to, apenas é mencionado o ato de a árvore olhar “a pátria serra”. Na estrofe seguinte, presenci- amos explicitamente a queda da árvore, vítima dos “golpes do machado bronco”, fato que ocorre concomitantemente com a última ação do “moço triste”, que se agarra com o tronco para nunca mais se levantar da terra.

Este soneto, como já mencionado, representa duas figuras em disputa por um objeto.

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