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4.2 As Temáticas das Histórias

4.2.3 Anedotas

Invaria sucedidas de g

confusão resultante da “grossura” destes homens. As anedotas têm um caráter bem mais ficcional, diferente dos causos, que são detalhadamente contextualizados. No caso das anedotas, o f

personagem alegórico: o gaúcho, a guria, a véia, ou ainda, a algum conhecido que se quer neste momento restrinjo-me a apresentar uma narrativa pessoal que representa

rração de um segmento muito especial de contadores, os tropeiros:

Negro [o capataz] clavó la pata y pegó el grito: “Venga ganado! Venga ganado! Venga ganado!” Disparó el ganado y lo siguió aquel cordón nuestro. Cruzó! Fuimos agarrar allá, por

as

velmente têm final cômico e em geral envolvem “gauchadas”, aventuras mal- aúchos, peões campeiros, quando chegam na cidade ou dão conta de alguma

“sacanear”. De indubitavelme

argentinos), “correntinos” (argentinos da província de Corrientes) ou “brasileros” – e permitem ao grupo rir de si mesmo, como se pode acompanhar nesta anedota contada numa roda de causos em Livramento/BR:

Lenço Branco - Mas o Honório Pedruzzi... tinha um torneio de bocha em Quaraí, em 1962. E ele convidou o Castilhano prá ir junto, e o Castilhano gostava de um vinho e gostava de dar

s cansadas, ele: “Chê, chê, chê, vem cá!”, que é bem assim que ele fala: “Chê, chê, chê, vem cá!” Aí o Castilhano pergunta prá um cara: “Tu é daqui, chê?” – “Sou.” – “Me diz uma coisa, onde é que tem uma casa de uma mulher protestante [prostituta] aqui.” [risos] O senhor conheceu ele, né?

Luís Carlos – Conheci...

Lenço Branco – Era fiel, era honesto, trabalhador, mas aí depois que ele começou a tomar cachaça, aí se terminou! Honório Pedruzzi.

Barreto – Onde é que ele morava aqui?

Lenço Branco - Ele morava na baixada da Silveira Martins e a mulher dele era enfermeira, então diz que um dia... Ele me contou: “Tchê, a pobre da mulher chegou as seis da manhã. A pobre da mulher chegou as seis da manhã, tchê. Um ricaço lá, uma operação bárbara!” – “Ah, é?” – “É, uma operação de não sei quantas horas.” – “E de que operaram?” E ele diz: “Olha, tchê, me parece que foi do minhocão.” [risos] Era do miocárdio, né. E ele disse: “Olha, tchê, me parece que foi do minhocão.” Mas ele era fabuloso!

Seu Valter Prata, de Alegrete, fez uma interessante classificação das anedotas, segundo os locais onde elas ocorrem: “Eu tenho anedota de galpão, anedota de

dota nem todas podem ser contadas... e nedotas de salão.” É bem mais comum durante as performances de anedotas do que de causos que hajam comentários por parte da audiência, ainda que isso não seja uma regra. Pela sua característica de comicidade, as anedotas exigem performances elaboradas dos contadores, que freqüentemente caracterizam os personagens através da mudança de postura e/ou de algum gesto específico, do uso de vozes diferenciadas, com alterações dramáticas no volume e da forma de utilização do vocabulário local.

A anedota seguinte, contada por um senhor que participava de uma reunião do Rotary Clube Internacional, de Livramento/RS, da qual eu participava como convidada para expor sta forma, ainda que tratem de temas ou sujeitos alegóricos, as anedotas são, nte, auto-referentes – ou referentes aos vizinhos “castelhanos” (uruguaios ou

uma volta nas gurias, né. Tá bom. Aí chegaram em Quaraí, terminou a partida acho que uma da manhã, e o Pedruzzi falou: “Tchê, Castilhano, agora vamos nas gurias.” – “Pero, nós não semo de aqui, como... Pero es muy tarde...” – “Não, vamos!” Aí diz que lá na

acampamento, anedota de pescaria... É, porque ane a

minha pesquisa, brinca com um dos atributos mais ostentados na construção da figura do gaúcho, a masculinidade:

Tem um caso de um gaudério103 aqui de Bagé que foi a Esteio, nas exposições [agropecuárias] lá, e o gaúcho foi cuidar de um touro e tal... Aí ele conseguiu licença com o patrão uma tarde prá dar uma passeada lá em Porto Alegre e conhecer. Se pilchou a rigor: cinto, bombacha, chapéu quebrado na testa, lenço bonito no pescoço... Saiu passeando, olhando vitrine, aí passaram duas bichinhas e disseram: “Ai, mas que gaúcho bonito. Mas como é o teu nome?” E ele diz [o contador fala com uma voz grave]: “Meu nome é Terêncio [faz uma breve pausa – muda a entonação da voz]. Mas pode me chamar de Odete.”

Agora tem aquelas picantes que às vezes não dá prá se contar.

Seu Valter, 73 anos – Alegrete.BR

4.2.3.1 Anedotas “picantes” ou “impróprias”:

Contêm obscenidades que os homens não têm o hábito de contar na presença de ulheres. Também são muito referidos pelo seu oposto “essas não são de salão”. Bastante sinuadas durante toda minha pesquisa de campo, a primeira vez que tive oportunidade de realmente ouvi-las foi quando estive nu

galpão de estância onde pernoitavam os tradicionalistas que

Livramento, ainda em 1998. Depois de alguns apelos da minha parte eles começaram a “soltar pre me alertando: “a senhora não vai levar a mal as expressão, tá? A nhora sabe que... nós tamo aqui só a bombachada...” e no final me pedindo muitas esculpas. Mas a iniciativa de alguns gerou controvérsias e críticas por parte daqueles mais

brios: m in

ma roda de borrachos que se formou à noite, num levavam a Chama Crioula para

o verbo”, mas sem se

d só

Barreto - Se a senhora não levar a mal eu conto outra. Eu - Claro que não.

103 De acordo com Nunes & Nunes (2000: 227), o termo “gaudério” designa “Pessoa que não tem ocupação séria Pessoa que viaja muito. Gaúcho.” Na fronteira, as acepções se mesclam e gaudério é usado como sinônimo de e vive à custa dos outros, de casa em casa. Denominação dada ao antigo gaúcho, em sentido depreciativo. (...) gaúcho, porém com sentido depreciativo, de homem rude.

Homem 1 - Não, peraí... [há discussões se ele deve continuar me contando ou não] Deixa a moça, ela vai correr daqui...

Em 2001 reencontrei Barreto

Homem 2 - É que ela vai levar uma imagem de que o gaúcho tudo tem que ser grosseiro... Barreto - Mas não é rapaz, não é bagaceirada, é coisa típica... campeira.

em uma outra roda de causos, desta vez em Livramento, organizada dentro da programação do Projeto Fronteiras Culturais. Relembramos aquele momento, o q

narrativas:

as ela queria saber! E o Gaúcho tem história...

ando se alevanta de manhã, levanta ceeedo, que tá horrível aquilo de dizer, né? E ela queria que nós

tão ela chamou e se identificou, se apresentou tudo direitinho e tal: “Eu gostaria que o senhor respondesse algumas perguntas...” E

mentir, né?” – “Eu quero, sou jornalista...” E aí, pergunta aqui, pergunta ali, pergunta cá, pergunta acolá... “Me diga uma coisa, e esse assunto de assombração nas estâncias antigas?” –

e ouvi eram em forma de prosa, mas é import

ue, ante os outros presentes, tornou-se o mote para o surgimento de novas

Barreto – (...) Naquele dia, quando eu vi, o Pampa [Gaúcho Pampa] tava numa borracheira... E eu: “Mas chê, tu não me diz nome prá essa guria!”

Eu – As mulheres nunca podem escutar... Lenço Branco – É que a maioria não quer. Barreto – Não querem, m

Lenço Branco – Mas tu viu, não tem maldade. A piada do gaúcho não tem maldade. Barreto – Não tem maldade. E o Gaúcho qu

quarenta, cinqüenta dias na campanha,

dissesse. Eu disse: “Mas não, eu não vou dizer.” E o Léo: “Mas deixa que eu digo.” E o Gaúcho já muito velho, e além de muito velho, muito grosso e meio bêbado, mas dizia horrores.

Lenço Branco – Mas a Dona Teresa Almeida, ela foi repórter da Revista O Cruzeiro, então ela foi fazer uma entrevista, numa estância, com o Seu Ferreira. E o Seu Ferreira era... do Barreto prá baixo. Chamar ele de grosso era elogiar. Aí en

ele disse: “Escuta minha filha, tu quer que eu te diga a verdade, porque eu tô muito véio prá

“Bueno minha filha, tu disseste que tu quer que eu diga a verdade, assombração não existe minha filha! As vezes é o patrão ou o filho do patrão ou o capataz saltando a janela da peona!”

Apesar desta classificação dar conta da maioria das narrativas, algumas não se enquadram em nenhuma das categorias acima, sendo que outras, pelo contrário, podem englobar duas ou três. Com exceção da décima contada por Dona Nair e da leitura do conto escrito pelo irmão de Pura, todas as outras narrativas qu

ante salientar que, entre os contadores da fronteira, as rimas e entonações poéticas muitas vezes permeiam suas narrativas, mesclando-se ou dando um colorido e um ritmo

especial ao que é contado. Isto ocorre porque, como já foi dito, muitos contadores são também poetas, declamadores ou payadores (cantores ou contadores que falam através de rimas)104. Em toda a região da fronteira, inclusive, há uma tradição de declamação, em “tertúlias” ou peñas folklóricas, qu

música, dança Cerro Pelado/

região tem destes contadores/cantadores, resume alguns dos principais pontos aqui trabalhados, c

viajantes, a red om este tipo de “arte

verbal”:

Que os payador caminham pila também, né. Bueno, aqui temo e não temo payador, porque ali na estância San Juan

bem, tu sabe? Vai no Liceo e toca guitarra. Trabalhei temp

Ah, eu adoro! Em Criolla que sempre tu vê, né. Manuel Ocanha... nessa Criolla, diz que tava o Artigas me disse. É argentino esse. Temo o Cacho Marques, que é de Taquarembó [UY], que quando hay Criollas às vezes por aí, em Três Puentes, ele vem. Mas canta lindo, muy lindo... Tem o Olivio Corrêa também que é payador,

gaúcha!105 [risos]

e são reuniões ou festivais onde há mostras de talentos nas áreas de ou declamação. Termino este capítulo com a fala de Margarita, de 50 anos, de UY, pois além de dar uma idéia clara do conhecimento que a população da

omo a questão da circulação de narrativas, o fato dos contadores serem e de contadores e o prazer experimentado pela audiência c

, do Berruti, ele tem um filho que toca guitarra, e toca bastante o ali também. É lindo, que côsa...

Manuel Ocanha. Eu não conheço, pero o

de Taquarembó também. [silêncio] Mas, se tu transita um tempo aqui tu vai ficar bem

104 payadores ou trovadores (como são conhecidos no Brasil) e sua forma especial de performance oral

riência de escutar esses contadores e payadores. Sobre os

e corporal, ver o trabalho de Marocco (1996).

105 Este último comentário de Margarita revela ainda que eu também poderia me tornar bem “gaúcha”, desde “transitasse”, ou seja, que viajasse e tivesse também a expe

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