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CAPÍTULO 5 – AS RELAÇÕES DE FRONTEIRA ATRAVÉS DOS RELATOS ORAIS

5.2.4 Cotidiano, Trabalho, Educação, Lazer

Para finaliza “intrafronteiriç

relações se es s aspectos da vida cotidiana, de acordo com a fronteira em questão. Entre Uruguai e Brasil, há inúmeras famílias de Rivera que vivem em Livramento, e vice-versa. Muitos uruguaios vivem em Rivera mas trabalham ou têm negócios no Brasil (em Santana do Livramento, Quaraí, Alegrete, etc.). O contrário também ocorre: há vários casos de agrônomos ou vete

exemplo, uma

Livramento, e , mas freqüenta o Rotary Clube de Livramento (o Rotary de Rivera não permite que as mulheres participem como membros). Também é comum que crianças de Quaraí/BR estudem em Artigas/UY, devido à melhor qualidade de ensino no Uruguai. Nesta região, apesar dos uruguaios realizarem compras em Quaraí, nos fins-de-semana é a praça central de Artigas que fica repleta de brasileiros. No aspecto “lazer”, o mesmo ocorre com Rivera: os brasileiros juntam-se aos uruguaios nos sábados e domingos à tarde para passearem e tomarem mate na avenida principal da cidade, a Sarandi. Na praça de

Rivera também capoeira.

Há, no entanto, uma ocasião em que os sentimentos nacionalistas se acirram, opondo- se radi

as no campo, literalmente, de futebol: “Nosotros estamos ermanados desde niños. La única rivalidad es el fútbol.” (Pedro Riera, 50 anos – Rivera/UY)132

Sobre o

tom jocoso, mas durante a pesquisa pude perceber como esta rivalidade é levada à sério pela população: em ocasiões de partidas entre as seleções do Uruguai e do Brasil, o policiamento é

r a exposição das relações que se estabelecem neste espaço o” é necessário ainda acrescentar que, além do comércio e do parentesco, estas tendem a outro

rinários brasileiros que trabalham em estâncias uruguaias. Conheci, por professora uruguaia que é casada com um brasileiro, eles moram em la, porém, trabalha em Rivera

não é estranho deparar-se com uma roda de

calmente, e, por incrível que pareça, isso não ocorre por discordâncias no campo da política ou da economia, m

h

tema há inúmeras narrativas que percorrem a fronteira, sempre contadas em

132 A esse respeito, Osterman (2002: 211, 212), comentarista esportivo de Porto Alegre, observa: “Os únicos estremecimentos dessa placidez de campo, cercado, árvore e céu são jogos de Copa do Mundo ou equivalentes esportivos, mas só aqueles que jogam com os valores universais do países afronteirados, o Brasil, o Uruguai, a Argentina. Desaparece, então, a interioridade das províncias lindeiras, reassumem-se na nacionalidade e num breve, às vezes consistente, estado de beligerância. Há provocações, intimidações, conflitos pessoais e familiares de tal grandeza iminente que se fecha a fronteira, antes naturalmente transitável, entre Santana e Rivera, por exemplo, quebram-se coisas, xingam-se.”

intensificado na aven fechadas à circ

Em 2001, ainda concorrendo a uma vaga na Copa do Mundo, a seleção brasileira foi a Montevidéu jogar e este evento foi o tema das conversas durante as semanas que antecederam e que sucederam a partida. Como o Brasil perdeu, e naquele momento eu estava vivendo no Uruguai, virei alvo de chacota de todos. No dia do jogo, como não podia deixar de ser, fui até “a linha” verificar o que estava ocorrendo: do lado uruguaio, festa e buzinaço, do lado brasileiro, silêncio absoluto e ruas vazias. Mas como nem as rivalidades futebolísticas são absolutas, um morador bem–humorado de Livramento vestia a camisa da seleção brasileira e de pé na linha divisória, aplaudia os uruguaios que desfilavam em comemoração à vitória.

Na zona rural é fácil encontrar peões de várias nacionalidades que alternam trabalho em estâncias dos três países. Nas profissões mais sazonais, como domadores, esquiladores, alambradores e com os antigos tropeiros, o trabalho indiscriminado nos países vizinhos é ainda mais freqüente. Na fronteira entre Argentina e Brasil, apesar do menor trânsito da população, há vários habitantes de Uruguaiana cursando o ensino superior em Paso de Los Libres, especialmente pelo fato de que lá o ensino é público, enquanto na cidade brasileira existem somente faculdades privadas. Conheci uma uruguaia, casada com um brasileiro, que mora em Uruguaiana e optou por estudar em Libres. Fez a travessia da ponte que liga as cidades todos os dias durante um ano e meio, mas acabou desistindo devido às dificuldades com transporte, já que estudava à noite e o último ônibus de Libres para Uruguaiana sai às 18 hs.

Também na questão do lazer os jovens são os que mais vão em busca de alternativas e freqüentam danceterias e bares de ambos os lados. Mesmo o trânsito de Uruguaiana, segundo me disseram e conforme eu mesma pude perceber, teve de se adaptar aos motoristas do país vizinho, caracterizando-se como um dos mais perigosos da fronteira, já que “cada um obedece sua própria lei”. Quanto às relações empregatícias, em Mercedes fiquei hospedada na casa de um engenheiro agrônomo brasileiro que é gerente de uma empresa de beneficiamento de arroz, mas nesta cidade há realmente uma menor freqüência de brasileiros. Estes estão presentes sobretudo na área de produção e distribuição agropecuária, especialmente nas la

ida que divide Livramento de Rivera e as fronteiras são praticamente ulação, que só volta ao normal depois do jogo, e isso conforme o resultado.

vouras de arroz, sendo muitos proprietários de terras na região que, entretanto, moram em Uruguaiana.

Procurei demonstrar esta intensidade de contato da população fronteiriça nos mais variados níveis no sentido de explicitar os múltiplos caminhos que as narrativas orais e suas

performances dispõem para circular entre e “intra” fronteiras. As narrativas, como continuaremos vendo ao longo deste trabalho, aparecem como um importante fio que une as experiências de contadores e audiência numa mesma comunidade narrativa, fazendo com que a cultura da região, com seus sotaques e gestos, seja compartilhada e também circule entre as fronteiras133.

133 Passíveis de comparação mais direta, as narrativas, publicadas na forma escrita, são um dos exemplos mais visíveis deste contato que gera grande identidade na produção cultural da região, como podemos verificar nas publicações de Chertudi (1960-1964), Daireaux (2000), Dornelles (1985), Fagundes (1998), Ferrari (1996, 1997, 1998), García (1985), Herlein (1958, 1966), Lessa (1958), Lopes Neto (1998), Meyer, (1943), Pisos (1998), Sanchez (1966), Terrera (1978), entre tantos outros.

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