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ANO INVENTARIADO Nº DE ESCRAVOS DEVEDORES VALOR

ESCRAVOS: CREDORES E DEVEDORES

ANO INVENTARIADO Nº DE ESCRAVOS DEVEDORES VALOR

1848 Ana Senhorinha de Jesus 01 40$000

1859 Bernardo Lopes Moitinho 03 16$240

1859 Guilhermina Tereza de Jesus 01 12$000

1861 João da Mota Coimbra 03 13$920

1861 Rosaura Gonçalves da Costa 01 200$000

1862 Antonio Barbosa Coelho 03 36$440

1873 Jacinto Fernandes Ribeiro 08 71$160

1876 Francisco Ferreira Campos 01 319$000

1878 Jacinta Maria da Conceição 01 14$000

1883 Manoel José S. Silva 01 15$150

Fonte: AFJM

O comerciante Jacinto Fernandes Ribeiro vendia à crédito aos escravos da vila. Ao todo foram encontrados 08 escravos devedores. Da sua relação de dívida ativa no valor de 6:331$320, em mãos de duzentas e setenta pessoas, os créditos dos oitos escravos correspondiam a 1,1% desse valor, devendo no total 71$160, provenientes de rol, dos quais dois pertenciam ao vigário da cidade. Dos bens do comerciante, estão relacionados onze escravos402, ou seja, um comerciante proprietário de escravos, que vendia fiado aos escravos de outras pessoas. Cabe aqui um questionamento: será que seus escravos tinham também essa autonomia de comercializar na vila ou eram somente os escravos de outros donos?

402

O mesmo ocorre com o comerciante Tenente Manoel José dos Santos Silva, num total de duzentas e trinta e cinco pessoas que devem a ele por rol, letra e empréstimo, somando 12:438$923, um devedor era escravo. Possuía também oito escravos. Seu negócio era diversificado, comercializando fazendas, ferragens, miudezas, drogas, molhados e fogos de artifícios403.

Natural de Portugal, Bernardo Lopes Moitinho era fazendeiro e comerciante, com uma fortuna avaliada em 18:728$000. Era dono de quatro fazendas com plantação de cana-de-açúcar, matéria-prima que impulsionava o alambique e a produção de cachaça, dezesete escravos e 800$000 em dinheiro de contado. Tinha uma dívida ativa de 3:078$940 de crédito a juros de 2% ao mês a sessenta e seis pessoas e mais sessenta e cinco pessoas por dívida de rol, entre eles estavam incluídos três escravos: Um era o seu escravo “Custódio, cabra, 60 anos, avaliado por 90$000 e devia 7$640; Jacinta, escrava de João Mendes, devia 3$620 e José, escravo de José Lopes a quantia de

3$000”404. Bernardo Lopes Moitinho além de ser credor desses três escravos, era

também devedor de 200$000 ao seu escravo Clemente405. Isso revela que havia uma

reciprocidade entre as duas partes e os escravos atuaram tanto como credores, quanto devedores.

Sendo dono de dez escravos, os comerciantes Antonio Joaquim Soares e Jacinta Maria da Conceição também possuíam o escravo Bernardo, pertencente a Bazílio, incluído na sua lista de quarenta e sete devedores, no total de 16:159$000. Além de comerciante, o casal também criava gado e outras plantações, entre eles o café. Os seus escravos foram classificados como quatro da lavoura, quatro domésticos (que poderiam ajudar no estabelecimento comercial) e um vaqueiro406.

No Inventário de João da Motta dos Santos Coimbra, identificado como negociante da vila, com um monte-mor no valor de 15:929$757, riqueza essa concentrada principalmente na posse de oito escravos avaliados em 5:529$267; vinte e um animais muares cotados em 1:080$000 e nas dívidas ativas, sendo um total de setenta e quatro pessoas com dívidas caracterizadas como de crédito com cálculo de juros de 2% ao mês, letra e de rol, no valor de 4:529$267. Dessas setenta e quatro pessoas que deviam ao comerciante, três eram escravos, descritas da seguinte forma:

403

AFJM, Caixa de Inventário 1883: Inventário do tenente Manoel José dos Santos Silva. 03/1883.

404

AFJM, Caixa de Inventários 1850-1859 nº 09: Inventário de Bernardo Lopes Moitinho, 01/1859.

405

Idem. Ver tabela IV.

406

Disse mais que o seo casal deve por conta de rol Bernardo, Escravo do Capitão João de Oliveira a quantia de cinco mil e cem reis.

Disse que Albina Escrava de Joaquina Lopes deve por conta de rol a quantia de dois mil e duzentos reis.

Disse mais que Pedro Escravo do Capitão João de Oliveira deve por conta de rol ceis

mil cetesentos e vinte407.

Dos escravos relacionados nas dívidas ativas do comerciante João da Motta dos Santos Coimbra, dois eram homens, de nomes Bernardo e Pedro e, uma mulher, Albina. Esses escravos não eram propriedades do comerciante, pertenciam aos moradores da Vila, Capitão João de Oliveira e de Joaquina Lopes. As dívidas dos escravos foram descritas como dívida de rol, o que nos leva a crer que são créditos provenientes da compra de mercadorias, provavelmente ingredientes para a produção de doces, quitutes e outras comidas, para serem vendidas na feira local, indicando a provável existência de escravos de ganho no mercado local da Imperial Vila da Vitória. Mas também poderia ser pela venda de outros itens de necessidade dos escravos como roupas, pois de acordo com Pierre Verger, muitos comerciantes tinham o interesse em vender artigos para uso dos escravos408.

O fazendeiro e comerciante Antonio Barbosa Coelho, proprietário de 43 escravos e oito fazendas de gado e plantações de algodão e cana-de-açúcar constituindo assim, um monte-mor no valor de 36:658$838. A sua dívida ativa de 559$000 a dezenove pessoas, continha 3 escravos por dívida de rol: do escravo “Furtuoso, cabra, 40 anos, avaliado por 700$000 devia 22$800; Marcos, africano, 70 anos, avaliado por 125$000, devia 2$000” e a “escrava Custódia”, sem maiores identificações, devia

11$640409. Com um monte-mor de 20:772$340, Ana Senhorinha de Jesus, fazendeira

com seis propriedades de terra onde criava gado e plantava algodão, cana-de-açúcar e mandioca, dona de 33 escravos, também era credora de “Bernardo, cabra, escravo do finado Manoel, na quantia de 40$000”410.

Para que os comerciantes vendessem à crédito aos escravos era necessário

primeiro que o comerciante conhecesse os seus donos e recebesse deles o aval para a venda dos produtos. Provavelmente esses escravos eram conhecidos do comerciante, atuando como vendedores, principalmente de comidas, nas ruas da vila, existindo assim a possibilidade desses escravos pagarem as dívidas com os rendimentos da própria venda das mercadorias compradas e produzidas por eles. Constatamos que para vender à

407

AFJM, Caixa de Inventários 1860-1861: Inventário de João da Motta dos Santos Coimbra, 03/1862.

408

Op. Cit., 2002, p. 523.

409

AFJM, Caixa de Inventários 1860-1861. Inventário de Antonio Barboza Coelho, 03/1862.

410

crédito aos escravos, era necessário que o seu dono atuasse como uma espécie de fiador, pois vender fiado ao escravo tinha algo mais e era mais complicado do que vender a uma pessoa livre.

Tudo isso atesta a existência de uma relação de confiança entre escravos, senhor e comerciantes, onde cada um defendia seu interesse. O do senhor, de manter o escravo na fazenda dando a ele certo grau de autonomia, evitando fugas e rebeliões; a do escravo que tinha o interesse de ter certa autonomia e conseguir juntar seu próprio dinheiro com o objetivo, principalmente, de comprar a sua própria alforria. Caso encontrado nos inventários da Imperial Vila da Vitória, a exemplo de Rosaura Gonçalves da Costa, credora da escrava Antonia, no valor de 200$000 para a compra da

liberdade411 como também o de Francisco Ferreira Campos que cedeu o crédito de

319$000 para que o escravo Joaquim Grosso Comprasse a sua carta de alforria412.

Assim, muitos escravos recebiam a carta de liberdade, porém continuavam ligados aos seus antigos donos ou aos seus credores por conta do crédito contraído ainda quando era escravo.

Diante do exposto, constatamos a prática da venda à crédito a escravos na Imperial Vila da Vitória e fica evidente em 2,9% dos inventariados, a possibilidade dos escravos serem credores ou venderem seus produtos com um determinado prazo para os seus donos, como também encontramos casos de escravos com dívidas passivas no mercado local, 4,8% dos inventariados, e um total de 23 escravos de diferentes donos e devendo a vários credores. Mesmo existindo práticas de crédito ativas e passivas entre os escravos e os seus donos e comerciantes, os exemplos encontrados nos inventários não nos permite afirmar que era uma prática comum e freqüente em toda a Bahia, nem mesmo que esse acontecimento viesse por em cheque o sistema escravista dominante. Mas serve para nos dar uma nuance de alternativas escravas dentro do sistema maior.

411

AFJM, Caixa de Inventários 1850 – 1859 nº08: Inventário de Rosaura Gonçalves da Costa, 03/1861.

412