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V. Discussão

2. Anomalias Estruturais

As anomalias estruturais do cromossoma X mais frequentes são o i(Xq), as deleções em Xp, as deleções em Xq e os anéis do X, levando todas elas a uma monossomia parcial do cromossoma X, e resultando em variantes do Síndrome de Turner (Robinson, Bender e Linden, 2004). Nestes casos são comuns os mosaicismos com as linhas celulares 45,X e/ou 46,XX. Nas mulheres com estas alterações do cromossoma X o padrão de inativação do X não ocorre ao acaso, estando geralmente inativado o cromossoma X anormal. Contudo, se a anomalia for uma deleção ou uma duplicação muito pequena, o padrão de inativação pode ser aleatório (Gardner e

Sutherland, 2012). No caso das translocações entre um cromossoma X e um autossoma, é o X normal que está habitualmente inativo.

Como se pode verificar pela consulta da Tabela 3, no nosso estudo as anomalias estruturais têm um valor de 27,7% (78/282), que é significativamente superior aos 8,9% descritos num estudo anterior (Dória et al, 2007). Esta diferença pode ficar a dever-se ao já anteriormente referenciado, ou seja, a uma maior diversidade de indicações clínicas e a um maior número de doentes noutras indicações que não infertilidade conjugal e abortamentos de repetição, uma vez que o grupo de autores que realizou o estudo anterior se encontra inserido numa Unidade que dá apoio a um centro de Procriação Medicamente Assistida (PMA).

Na Tabela 5 pode verificar-se que, dentro das anomalias estruturais, o cariótipo mos 45,X/46,X,i(Xq) foi o mais frequente, com 26,9% dos casos (21/78), seguido do 46,X,i(Xq) com 17,9% dos casos (14/78), do 46,XX, del(X)q com 11,5% dos casos (9/78), e do mos 45,X/46,X r(X) com 9,0% dos casos (7/78).

2.1. Isocromossoma X(q) e Mosaicos com uma Linha Celular i(Xq)

A anomalia estrutural i(Xq), em mosaico ou não, com uma frequência conjunta de 47,4% (37/78 casos), foi a mais frequentemente detetada neste estudo, à semelhança do que está descrito na bibliografia (Jacobs et al, 1997). Na maioria dos casos descritos com i(Xq) esta alteração encontra-se em mosaico, com as linhas celulares 45,X ou 46,XX, o que também vai de encontro aos nossos resultados visto 23 dos 37 casos serem mosaicos: 21 tinham cariótipo mos 45,X/46,Xi(Xq), um era mos 46,Xi(Xq)/46,XX e um outro tinha uma linha celular com dois cromossomas X anormais: mos 45,X/46,Xi(Xq)/47,Xi(Xq)i(Xq).

O isocromossoma do braço longo do cromossoma X ocorre em aproximadamente 0,002% de todos os recém-nascidos (James et al, 1997). O cariótipo 46,X,i(Xq) raramente é encontrado em amostras de produtos de abortamento espontâneo embora seja frequentemente detetado em pacientes com fenótipo de Síndrome de Turner, visto que aproximadamente 15% destas têm um cromossoma i(Xq) (James et

al, 1997; Turnpenny e Ellard, 2012) desconhecendo-se, no entanto, a razão deste

“efeito protetor do feto” (Robinson, Bender e Linden, 2004). Estas alterações ocorrem com igual frequência na gametogénese materna ou paterna (Jacobs et al, 1997) e a sua origem não influencia o fenótipo (James et al, 1997).

As mulheres com cariótipo 46,X,i(Xq) têm um fenótipo semelhante ao das mulheres 45,X, referindo-se em quase todas baixa estatura, disgenesia gonadal e algumas alterações características, como cubitus valgus e encurtamento dos 4os metacarpos

(Schinzel, 2001). Quando apresentam desenvolvimento sexual secundário e são férteis, o aconselhamento genético destas mulheres deve alertar para a possibilidade de descendência feminina portadora desta anomalia (a formação de um indivíduo do sexo masculino com esta alteração é incompatível com a vida), visto a probabilidade de formação de gâmetas anormais ser de 50% (Gardner e Sutherland, 2012).

O erro pós-zigótico que leva à formação destes mosaicos parece ocorrer logo na primeira divisão pós-zigótica uma vez que os mosaicos 45,X /46,Xi(Xq)/46,XX, que seriam esperados se o erro acontecesse numa divisão posterior, têm uma ocorrência extremamente rara (Jacobs et al, 1997).

2.2. Anéis do Cromossoma X

No nosso estudo foram detetados nove casos em que estava presente um anel do cromossoma X, todos eles em mosaico, como o descrito noutros estudos (Jacobs et

al, 1997). Assim, os cariótipos encontrados foram: mos 45,X/46,X r(X) (sete casos) ;

mos 47,XX+r ishr(X)[7]/46,XX[43] (um caso, em que o anel era supranumerário); e, por último, mos 46,X, dup(X)[42]/46,X,r(X)[7], num caso em que o anel estava presente numa linha celular e na outra linha celular havia uma duplicação também do cromossoma X. Uma vez que os anéis são anomalias instáveis é frequente, principalmente nos de menores dimensões, perderem-se estes fragmentos cromossómicos durante as sucessivas divisões mitóticas, uma vez que o emparelhamento com o seu homólogo é difícil, levando a um mosaicismo de baixa expressão.

Desde que se encontra disponível nesta Unidade a técnica de FISH, esta foi realizada nos casos em que se detetaram anéis, para a sua melhor identificação e/ou caracterização, confirmando-se assim que têm origem no cromossoma X e não no cromossoma Y ou noutro cromossoma.

As mulheres com esta anomalia estrutural têm fenótipos variados, que oscilam entre as características típicas do Síndrome de Turner e um fenótipo severo com atraso

mental, dismorfias faciais e malformações congénitas (Schinzel, 2001). Vários estudos sugerem que as pacientes com um fenótipo mais severo são as que apresentam anéis mais pequenos, em que o gene XIST se encontra ausente, impossibilitando assim a inativação do anel, resultando na dissomia funcional dos genes nele presente e, consequentemente, em anomalias fenotípicas (Schinzel, 2001). No entanto há casos descritos de anéis que, embora tenham o gene XIST, conduzem a fenótipos semelhantes aos que não o possuem talvez porque, apesar de ele existir, por razões desconhecidas, ele não se exprime (Migeon et al, 1994). Outro fator que pode condicionar o fenótipo destas pacientes é a distribuição tecidular da linha com o cromossoma em anel ou a formação do anel a partir de um X inativo após o estabelecimento da inativação (Powell, 2005). Assim, é extremamente difícil o estabelecimento de uma correlação genótipo-fenótipo no caso dos anéis, já que o tamanho e o conteúdo génico, a extensão da inativação do X, a origem parental, a altura da sua formação e a sua distribuição tecidular são alguns dos fatores que parecem ter um importante papel na variabilidade fenotípica destas doentes (Leppig e Disteche, 2001). Embora extremamente raros, existem casos de fertilidade descritos nestas mulheres, após suplementação hormonal (Gardner e Sutherland, 2012).

Do mesmo modo que o indicado nos casos de i(Xq), quando nas mulheres com esta anomalia existe uma possibilidade de fertilidade, o aconselhamento genético deve ser feito tendo em consideração a segregação 1:1 do anel, com risco de transmissão à descendência de 50%.

2.3. Deleções em Xp e em Xq

As deleções no cromossoma X podem atingir um tamanho considerável e o fenótipo a elas associado pode variar entre o de Síndrome de Turner até ligeiras alterações menstruais (Schinzel, 2001).

As mulheres com deleções em Xp geralmente não manifestam doenças recessivas ligadas ao X, devido à presença do cromossoma X normal. No entanto a maioria apresenta baixa estatura e algumas características dismórficas do Síndrome de Turner, como anomalias esqueléticas e pescoço curto e largo (Powell, 2005). A maioria das deleções em Xp de novo ocorrem no cromossoma X de origem paterna (James, Coppin e Dalton, 1998). No nosso estudo foram três as mulheres com deleção em Xp, sendo os cariótipos 46,X,del(X)(p11.2); 46,X,del(X)(p11.23) e

46,X,del(X)(p21.2). Como se pode verificar são deleções de tamanho considerável, atingindo nos dois primeiros casos a quase totalidade do braço curto.

As deleções do braço longo do cromossoma X levam menos frequentemente a um fenótipo com características de Síndrome de Turner do que as do braço curto, estando este geralmente associado apenas a falência ovárica e, num pequeno número de casos, a baixa estatura (Powell, 2005). No nosso estudo foram nove as mulheres com deleção em Xq, com tamanho variável de segmento deletado entre a quase totalidade do braço longo [46,X,del(X)(q13)] ea partir da banda q24 [46,X,del(X)(q24].

No aconselhamento genético destas mulheres deve ter-se em atenção que, assumindo uma segregação meiótica 1:1, o risco de transmissão à descendência do X com deleção é de 50%. Se o feto for um rapaz, a sua viabilidade ou extensão de anomalias depende do tamanho da deleção; se o feto for rapariga, terá provavelmente o mesmo fenótipo da mãe. Uma vez que estas mulheres têm frequentemente falência ovárica precoce é aconselhada a criopreservação de oocitos (Gardner e Sutherland, 2012).

2.4. Duplicações em Xq

As mulheres com duplicações do braço longo do cromossoma X apresentam um fenótipo variável, dependendo do segmento que está duplicado. Assim, nas mulheres fenotipicamente normais, os segmentos duplicados são mais pequenos e proximais do que os das mulheres que apresentam anomalias clínicas (Powell, 2005).

No nosso estudo foram detetadas duas amostras com duplicação de Xq. Numa delas

esta anomalia era em mosaico com um anel também do cromossoma X

[mos 46,X,dup(X)[42]/46,X,r(X)[7];ish dup(X)(DXYS129-,Xqter++,XIST+DXZ1+) / r(X)(DXYS129-,Xqter-XIST+,DXZ1+)]

e o fenótipo observado provavelmente resultou mais como consequência da presença do anel do que da duplicação, visto esta ser de um segmento pequeno da região terminal do braço longo, facto confirmado pelos estudos de FISH.

A outra amostra com duplicação de Xq tinha um cariótipo 46,X,dup(X)(q13q22), representando uma duplicação de um segmento de tamanho considerável, pelo que se pressupõe que esta anomalia seja a responsável pelo fenótipo com anomalias múltiplas desta criança (motivo referido para o estudo citogenético).

Tal como referido para as mulheres com deleções no cromossoma X, no aconselhamento genético destas mulheres deve ter-se em atenção que, assumindo uma segregação meiótica 1:1, o risco de transmissão à descendência do cromossoma X com duplicação é de 50%. Se o feto for um rapaz, a sua viabilidade ou extensão de anomalias depende do tamanho da duplicação; se o feto for rapariga, não se pode garantir com certeza a inativação do X com duplicação, existindo por isso a possibilidade de um fenótipo igualmente anormal (Gardner e Sutherland, 2012).

2.5. Translocações Equilibradas X;autossoma

As translocações equilibradas entre o cromossoma X e um autossoma podem ser divididas em quatro categorias de expressão fenotípica: fenótipo normal com ou sem história de abortamentos de repetição; disfunção gonadal com amenorreia primária ou falência ovárica precoce; patologia ligada ao X; anomalias congénitas e/ou atraso do desenvolvimento (Waters et al, 2001). As razões para uma variabilidade fenotípica tão grande são complexas e ainda não estão totalmente esclarecidas.

Na maioria destes casos o X normal é o que se encontra inativo, o que previne problemas devido quer à inativação do segmento do X com o autossoma, quer à não- inativação do segmento que se encontra ligado ao autossoma (Schinzel, 2001). Está descrito que estas translocações podem levar a características semelhantes às do Síndrome de Turner se a região do cromossoma X envolvida for no segmento Xq13-q26 (Powell, 2005). Este facto é corroborado pelo nosso estudo já que das cincos amostras com estas translocações, duas envolviam pontos de quebra dentro dessa região [(46,X,t(X;8)(q21.1;p21.3) e 46,X,t(X;13)(q22;p13)] e ambas as pacientes apresentavam amenorreia, que é uma característica do Síndrome de Turner.

As anomalias congénitas e o atraso mental presentes em algumas destas translocações aparentemente equilibradas podem resultar de pequenos desequilíbrios (normalmente perda de material), não visíveis microscopicamente no autossoma ou de disrupção génica (Schinzel, 2001). Talvez seja este o caso de uma das nossas doentes, que tinha uma translocação aparentemente equilibrada entre os cromossomas X e 10 [46,X,t(X;10)(p21.2;q24.3)] e que apresentava anomalias múltiplas (motivo referido para o estudo citogenético).

Das restantes duas pacientes com translocações entre o cromossoma X e um autossoma, uma foi referenciada por ter familiares com anomalias cromossómicas, e revelou um cariótipo 46,XX,t(X;3)(p21;p14); a outra tinha suspeita clínica de Síndrome de Turner, revelando ser portadora de uma translocação desequilibrada entre os cromossomas X e 22, com cariótipo 45,X,t(X;22)(p21.3;q11.2). O facto de nesta última paciente o ponto de quebra no cromossoma X estar localizado abaixo do locus do gene SHOX, encontrando-se este gene deletado, justifica o seu fenótipo.

O aconselhamento genético a estas mulheres deverá envolver a explicação da possibilidade da formação de gâmetas desequilibrados com consequente descendência anormal. Existe também o risco de descendência com problemas, apesar dos gâmetas serem citogeneticamente equilibrados, devido à alteração do padrão de inativação do X anormal (como se verificou numa criança do sexo feminino) ou devido à disrupção de um gene do cromossoma X (observado numa criança do sexo masculino) (Powell, 2005).

2.6. Inversões Pericêntricas do X

As inversões pericêntricas do X são raras e estas mulheres têm geralmente fenótipo e fertilidade normais (Powell C 2005). No entanto se o ponto de quebra no braço longo se localizar no segmento Xq13→q26 pode haver disgenesia gonadal (Gardner e Sutherland 2012). No nosso estudo foram detetadas apenas duas amostras com inversão do cromossoma X, ambas com o cariótipo 46,XX,inv(X)(p11.2q24). Apesar de os pontos de quebra de Xq estarem localizados numa das regiões críticas para a disgenesia gonadal nenhuma destas nossas pacientes apresentava alterações da fertilidade.

A maior preocupação no aconselhamento genético destas mulheres férteis é o risco de descendência anormal devido à possibilidade de formação de gâmetas recombinantes, com duplicação ou deleção de material do cromossoma X, com anomalias fenotípicas associadas (Robinson, Bender e Linden, 2004).

2.7. Isodicêntricos do X

Os cromossomas isodicêntricos têm dois centrómeros ativos e duplicação de um dos braços do cromossoma envolvido (ISCN, 2009; Schinzel, 2001).

No nosso estudo detetaram-se três destas anomalias, todas com duplicação do braço longo no braço curto do cromossoma X, uma delas sob a forma de mosaico: 46,X,idic(X)(p11.2) (dois casos) e mos 47,XXX[42]/46,X,idic(X)(p11.2)[8] (um caso). A paciente com a anomalia em mosaico foi referenciada para cariótipo por anomalias múltiplas e, das duas pacientes com só uma linha celular, uma tinha atraso psicomotor, e a outra tinha suspeita clínica de Síndrome de Turner. A presença da anomalia cromossómica idic(X)(p11.2) está associada a um fenótipo menos severo do que o associado ao 45,X (Lebo et al, 1999), facto que não é totalmente por nós corroborado neste estudo, uma vez que as nossas pacientes eram todas crianças à data do diagnóstico, com idades entre um mês e oito anos de idade. A criança mais nova com apenas um mês de idade apresentava anomalias múltiplas, a criança de 2 anos apresentava atraso de crescimento e de oito anos tinha já suspeita clínica de Síndrome de Turner.

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