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3 PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO MOVIMENTO DE PROTESTOS

4.3 Anonymous e as Manifestações de Junho de 2013

Em junho de 2013, quando teve início as Manifestações de Junho de 2013, as células Anonymous já tinham representação em todos os Estados e municípios.180 De junho de 2011 a junho 2013, os ativistas Anonymous realizaram intensas mobilizações online e ações de apoio ou organização de protestos offline, a exemplo de pequenos protestos de nível local, entre os quais podemos citar: apoio aos protestos no município de Limeira em São Paulo; na ocupação de Pinheirinho no Rio de Janeiro, na greve dos bombeiros no Rio de Janeiro, entre tantos outros. Apesar das ações não produzirem visibilidade pública, os seguidores das células Anonymous era crescente.

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LISTA de Grupos Anonymous. 2013. Disponível em: <http://anonreunionbr.tumblr.com/>. Acesso: 12 ago. 2013.

Em outubro de 2011 Anonymous ganhou até uma capa na revista Veja. Entretanto, não causou impacto nem mesmo entre as células, que divergiam sobre a credibilidade da revista. Neste momento, algumas células começam a entrar em conflito, lançando inclusive nota de repúdio à revista, pois a mesma estaria se utilizando de Anonymous para justificar a sua pauta de denúncias seletivas de corrupção centrada em apenas em um partido.181

Figura 56 Capa Revista Veja No. 43, Out. 2011

FONTE: VEJA (2011)

As Manifestações de Junho iniciaram a partir do ato promovido pelo Movimento Passe Livre (MPL), contra o aumento das tarifas dos transportes públicos. O MPL, composto por cerca de 40 integrantes, em São Paulo, popularizou a palavra de ordem: “Se a tarifa não baixar, São Paulo vai parar”.182

A expressão parecia mais um slogan típico dos Movimentos Sociais. Entretanto, quando a passagem aumentou de R$ 3,00 para R$ 3,20, São Paulo parou.

181 REVISTA VEJA. n. 43, out. 2011. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/acervodigital/home.aspx.>

Acesso em: 12 jan. 2014.

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PASSELIVRESÃOPAULO. Disponível em: <https://www.facebook.com/passelivresp.> Acesso em: 21 jun. 2013.

Figura 57 - Mural Movimento Passe Livre

FONTE: PASSE LIVRE SÃO PAULO (2013)

Após pelo menos seis dias de protestos e crescente adesão popular, reunindo em São Paulo, no dia 17 de junho, cerca de 70 mil pessoas, o governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e o prefeito da capital, Fernando Haddad (PT), anunciaram a revogação do preço das tarifas de ônibus, metrô e trem.

Após a conquista da revogação e o MPL ter anunciado que não convocaria novos protestos outros grupos disseram que não parariam as manifestações. As convocações para continuar os protestos prosseguiram. As mobilizações nas redes sociais da internet durante as Manifestações de Junho impactaram 79 milhões de internautas.183

No dia 18 de junho, foi divulgado um vídeo da Anonymous convocando o povo a se manter nas ruas, ainda que as tarifas fossem revogadas, e apresentando 5 causas que justificavam a continuidade da luta, uma vez que a crítica à falta de foco nos protestos foi constantemente destacado pela imprensa. O vídeo constava de cinco causas, algumas destas receberam até o apoio da imprensa:

1- Não à PEC- 37, que pretende limitar a ação do Ministério Público nas investigações policiais.

183 ESTADÃO. Pelas redes sociais 79 milhões de pessoas falando de um tema. Disponível em:

<http://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,pelas-redes-sociais-79-milhoes-de-pessoas-falando-de-um-tema.> Acesso em: 21 ago. 2013.

2- Saída de Renan Calheiros da presidência do Congresso Nacional.

3 - Investigação e punição imediatas nas obras da Copa das Confederações e da Copa de 2014, pela Polícia Federal e Ministério Público Federal.

4- Uma lei que torne hediondo o crime de corrupção. 5 -Fim do foro privilegiado para políticos.184

Em dois dias, um dos canais Youtube que divulgava o vídeo teve mais de um milhão de visualizações, conforme comentários dos ativistas Anonymous. Recentemente, 18 de novembro de 2014, conferi um destes canais e o número de visualizações registrava 1.805.238.185

As diversas células Anonymous alcançaram significativo número de acesso e adesão. A página do Facebook AnonymousBr4sil estava com mais de 1 milhão de curtições. Neste período de euforia e crescimento, vale destacar que esta página saiu do ar por alguns dias, por decisão dos seus administradores, após terem conhecimento de que a ABIN iniciou, em 19 de junho, um monitoramento das mobilizações na internet.186

No dia 20 de junho, no ato comemorativo da revogação dos preços das tarifas, a multidão nas ruas do Brasil foi estimada em mais de um milhão de pessoas. Uma média de 390 cidades e 22 capitais participou dos protestos convocados por diversos movimentos (São Paulo, 110 mil; Rio de Janeiro, 300 mil; Recife, 52 mil; Fortaleza, 30 mil; Brasília, 30 mil; Belo Horizonte, 15 mil).

Porém, em São Paulo, o ato programado para comemoração foi marcado pela hostilidade contra manifestantes vinculados aos movimentos sindicais e a partidos políticos. As principais ações foram a queima de bandeiras da Central Única dos Trabalhadores e a expulsão de militantes do Partido dos Trabalhadores.

O MPL anunciou uma pausa temporária nas convocações dos protestos, devido à conquista na redução da tarifa e ao posicionamento contrário às hostilidades contra manifestantes de partidos. O MPL afirmou que a vitória foi da população e não de um partido e que o movimento é apartidário, mas não antipartidário. Além destes conflitos, os membros do MPL reforçaram o posicionamento anticapitalista e favorável a todos os movimentos que lutam por uma sociedade mais justa e igual, referindo-se a não concordância com bandeiras

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ANONYMOUSBRASIL. As 5 causas! Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=v5iSn76I2xs.> Acesso em: 5 set. 2013.

185 Id., ibid.

186 R7 NOTÍCIAS. Principal página do Anonymous no facebook sai do ar. Disponível em: <http://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/noticias/principal-pagina-do-anonymous-no-facebook-sair-do-ar-

conservadoras erguidas durante os protestos, a exemplo da redução da maioridade penal e de campanhas contra a legalização do aborto.187

A pauta conservadora que se tornou visível durante os protestos, começou a gerar divergência também entre as células Anonymous. Em nota de esclarecimento a célula Anonymous FUEL questionou o posicionamento “apartidarismo” da célula Anonymous Br4sil:

Só há democracia se ela é direta, não acreditamos no sistema representativo, então, pouco importa qual partido está no poder, ele não nos representa. É importante deixar claro que apartidarismo não é apenas não militar por partido algum, mas também é não militar CONTRA um partido específico. Logo, podemos desconfiar do apartidarismo de algumas páginas apoiadas pela Anonymous Br4sil. (...).188

Durante os protestos, as discussões sobre o que é Anonymous se tornaram mais tensas. Os grupos mais conservadores cobravam posicionamentos de algumas células Anonymous que, no calor dos acontecimentos, avaliavam os sentidos de serem Anonymous, e principalmente percebiam as distorções e apropriações da ideia Anonymous. O usuário Renan Pinheiro comentou:

Grupos fragmentados e sem foco, jamais terão força cada um vai pensar no seu interesse pessoal pelo qual lutar, é comum verificar o egoismo no ser humano ... Prefiro, sem duvida, um grupo grande, com um líder que lute por direitos comuns como estava sendo organizada nas 5 causas ... É uma tristeza mt grande para os brasileiros se não continuar assim.189

Em uma nota de esclarecimento sobre o posicionamento de Anonymous com relação às pautas conservadoras, um dos moderadores colocou em questão o vídeo Anonymous que anunciava as 5 causas, sugerindo que o mesmo não teria sido produzido por Anonymous. “as 5 causas são uma grande mentira inventada pela mídia e “viralizada” na internet”. Acrescentou que o vídeo “foi colocado como uma orientação nacional e não foram consultados. Perguntaram pra você? De repente alguém aparece com "diretrizes" da Anonymous, num momento oportuno, não lhe parece suspeito?”.190

Outros administradores de células que também entraram no debate comentaram que receberam o vídeo por mensagem. Todos desconheciam a informação da célula ou grupo que o produziu.

187 UOLNOTÍCIAS COTIDIANO. Movimento passe livre ataca pauta conservadora. Disponível em:

<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/20/mpl-ataca-pauta-conservadora-em-protestos-e- aceita-partidos-em-ato.htm?cmpid=ctw-cotidiano-news&cmpid=ctw-cotidiano-news.> Acesso em: 18 set. 2014.

188 ANONYMOUSFUEL. Sobre a situação atual da Anonymous e o Brasil. 20 jun. 2013. Disponível em:

<https://www.facebook.com/AnonymousFUEL/photos/a.622403487777765.1073741833.609699409048173/620 788171272630/?type=3&theater>. Acesso: 29 set 2014.

189

Id., ibid.

O que acho importante neste debate é o fato de algumas células, a exemplo da Anonymous FUEL, entre outras células se manterem fiel ao ideário Anonymous, refletindo sobre segmentos que poderiam ter se aproveitado do anonimato dos ativistas Anonymous. Tais posicionamentos vão sendo percebidos e questionados ao longo nos protestos de 2011 a 2014. O que significa que, embora a origem deste modelo de ativismo no Brasil tenha surgido de maneira alheia ao Movimento Anonymous Internacional, os grupos que foram criados posteriormente foram se aproximando da ideia Anonymous histórica. Entretanto, a denúncia de práticas que distorcem o ideário não foi combatida por todas as células, optando por silenciar, enquanto outras células, não se calaram diante de abusos cometidos em nome do ativismo Anonymous.

Durante estas Manifestações no Brasil, no espaço da política institucional “caminharam” juntos os partidos de oposição ao governo central sob a liderança do PSDB e os seus congêneres de centro direita, de direita e de extrema direita, estes últimos não constituem uma agremiação partidária, mas, seus líderes integram os partidos chamados nanicos, ainda que, em muitos casos, partidos deste grupo político estejam compondo a base aliada do governo federal, como o PP ― Partido do Deputado Federal Jair Bolsonaro, este, reconhecidamente extremista de direita, extremismo caracterizado dentre outros aspectos, pela xenofobia e o racismo. No mesmo “caminhar”, os simpatizantes do projeto de partido político, Rede Sustentabilidade com seu discurso ecológico e a oposição de esquerda, representada por PSTU, PCB, PSOL. São esses dois agrupamentos políticos os responsáveis pela centralidade ideológica das Manifestações de Junho de 2013 no Brasil. Ainda que com posições e táticas diferentes, embora não muito claras para a maioria da sociedade.

A direita revestida do discurso da moralidade e da ética contra a corrupção, aparelhamento estatal pelo Partido dos Trabalhadores e suposta ineficiência do governo na condução da política econômica, discursos estes reverberados e levados a público pelos principais grupos de comunicação do país, como: organizações Globo, Grupo Abril, Grupo Folha de São Paulo e outros grupos menores, que se transvestiram, na última década, sobretudo a partir do caso do Mensalão (Ação Penal 470), pela fragilidade política da direita, na “verdadeira” oposição política aos governos petistas na Administração Federal.

À esquerda, por seu turno, das muitas críticas ao Governo Federal, se apresentam a “capitulação” dos governos petistas aos fundamentos macro econômicos do pós- neoliberalismo e da social democracia, os gastos públicos com obras para grandes eventos, como a Copa do Mundo FIFA 2014 e as Olímpiadas 2016 no Rio de Janeiro, em detrimento de investimentos em mobilidade e reestruturação urbana, maiores dotações orçamentárias para

a área social como saúde e educação, por exemplo, e o presidencialismo de coalização que enfraquece as instituições partidárias e seus projetos de interesses nacional, em troca de favores e interesses pessoais.

A ação do campo político partidário da esquerda, além de suas representações institucionais legislativas, compunha-se com os Comitês Populares da Copa, grupos criados através de articulações dos movimentos sociais e setores da academia em alguns casos, com o intuito de resistência aos impactos negativos e violações de direitos humanos provocados pelas obras de infraestrutura para a Copa do Mundo FIFA/2014 nas cidades sedes do evento. Os grupos tinham por missão articular em rede um conjunto de organizações sociais com trabalhos desenvolvidos na área da defesa dos direitos humanos, direito à cidade, à moradia, ao trabalho etc., reforçando denúncias de violações desses direitos, ao tempo que qualificava as cobranças em torno das políticas públicas para esses e outros setores. O apartidarismo desses grupos não significava posições apolíticas e essas características, fundamentalmente, os distingue dos agrupamentos de direita que participaram das Manifestações de Junho de 2013.

Na medida em que se descortinam as concepções de esquerda e direita em seus aspectos econômicos, sociais e políticos, se pode perceber de forma mais clara as razões e as práticas desses agrupamentos nas Manifestações de Junho, as quais, em dado momento desses protestos foram apropriadas pela ideia Anonymous.