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3 PROCESSOS DE FORMAÇÃO DO MOVIMENTO DE PROTESTOS

4.2 Anonymous: movimento de protesto transnacional

Se for possível afirmar que após a Operação Cientologia, a repercussão tanto no universo online quanto offline permitiu classificar Anonymous como um Movimento de Protestos transnacional, é a partir da Operação Pay Back, em solidariedade e apoio ao Wikileaks que a Anonymous vai atingir a “maioridade” no universo do ciberativismo, maioridade no sentido do respeito alcançado junto a outros grupos de ciberativistas em função da causa do Wikileaks.

O Wikileaks é uma organização sem fins lucrativos criada em 2006. A organização tem por finalidade divulgar imagens e documentos confidenciais de empresas e governos sobre os mais diversos temas, como a divulgação do diário da Guerra do Afeganistão em 2010, onde foram revelados 91.000 documentos secretos dos militares estadunidense referente às suas ações naquele país. 171

Em poucos anos, o Wikileaks acumulou prestígio e inimigos, Julian Assange, líder mais conhecido da organização, vive hoje exilado na embaixada do Equador em Londres. Pesa sobre ele a acusação de agressão sexual contra duas jovens suecas. Contudo, o caso que leva o Anonymous e o Wikileaks a se encontrarem é outro.

Em 2010, as empresas de cartão de crédito, Visa Internacional, Master Card, Postes Finace e Amazon se uniram e bloquearam as contas do Wikileaks. A Rede Anonymous respondeu com ataques virais contra estas empresas, mobilizando cerca de 3.000 mil ativistas para ataques em massa ao mesmo tempo, bloqueando os sistemas de comunicação das empresas, na ação que foi denominada de Pay Back.

Por ações como estas, Anonymous passa a se configurar como um Movimento de Protestos transnacional. Células Anonymous foram formadas na maioria dos países. O que os levou a participar intensamente dos protestos que ocorreram a partir de 2008, com a crise econômica mundial em países como Estados Unidos e Espanha, na chamada Primavera Árabe entre 2011 e 2013 e no Brasil também em 2013.

171

HACKERATIVISMO – o ciberespaço tornou-se a nova mídia para vozes políticas. 2010. Disponível em: <http://www.mcafee.com/br/resources/white-papers/wp-hacktivism.pdf>. Acesso em: 15 mar. 2014

A partir da Operação anticientologia, o ativismo Anonymous se transformou num Movimento de Protestos Mundial, com ações de Protestos ou apoio em diversos países e em diferentes tipos de causas. A título de exemplo faremos uma breve apresentação do Movimento Anonymous, em um dos primeiros países em que iniciou a onda de protestos neste início de século XXI, ou seja, a chamada Primavera Árabe.

A Primavera Árabe é uma alusão a Primavera dos Povos, uma série de movimentos revolucionários que assolou a Europa em 1948. Motivados por crises econômicas, constituição dos estados Nacionais, fim dos regimes monárquicos e disputas entre os ideais, liberal e socialista. Resguardando-se os objetivos da Primavera Árabe com os da Primavera dos Povos, em comum, encontra-se a rapidez com ocorreram as revoltas, e os resultados que delas sobrevieram. Sobre a Primavera dos Povos afirma Hobsbawm:

As revoluções de 1848, portanto, requerem um detalhado estudo por estado, povo, região, para o que este livro não é o lugar. No entanto, elas tiveram muito em comum, não apenas pelo fato de terem ocorrido quase simultaneamente, mas também por que seus destinos estavam cruzados, todas possuíam um estilo e sentimento comuns, uma atmosfera curiosamente romântico-utópica e uma retórica similar, para o que os franceses inventaram a palavra quarente-huitard. Qualquer historiador reconhece-a imediatamente: as barbas as gravatas esvoaçantes, os chapéus dos militantes, as bandeiras tricolores, as barricadas, o sentido inicial de libertação, de imensa esperança e confusão otimista. Era a "primavera dos povos" – e, como a primavera, não durou. Precisamos agora olhar brevemente suas características comuns.172

Da citação de Hobsbawm, se podem extrair elementos comuns aos dois processos políticos em questão, o romantismo utópico, a busca de liberdade, os símbolos, enfim, a esperança e o otimismo que por certo contagiou a todos e serviu de combustível para o enfretamento das repressões que se abateram sobre ambos os processos revolucionários.

A Primavera Árabe, portanto, guarda em comum com a dos Povos, a violenta repressão com que foi combatida pelos governos dos 19 Estados-nações do norte da África onde estão situadas geograficamente e se desenrolaram os conflitos entre os anos de 2010 e 2013. Tanto numa quanto na outra, o que se almejava era liberdade democrática, de imprensa, de expressão etc., numa palavra, o combate ao autoritarismo.

Uma onda de protestos marcou o início da segunda década do século XXI. O elemento comum destes protestos foi o uso das mídias eletrônicas: celulares, computadores rede de internet e esta as rede sociais. Dentre os protestos, os de maiores repercussões se deram com a chamada Primavera Árabe.

A Primavera instituiu um protagonismo juvenil sem precedentes naquela parte do globo. As lutas ocorrem em nome da democracia e de melhores condições de vida para a maioria da população. O estopim das revoltas se deu em função da imolação de um jovem tunisiano que ateou fogo ao próprio corpo em protesto pela falta de emprego, justiça e liberdade. Como um tsunami, protestos começaram a se espalhar pelo mundo árabe. Chegando ao Egito, a Líbia o Iêmen a Síria etc. Para além das conquistas e derrotas, a Primavera Árabe chamou a atenção do mundo pelo fato de a rede mundial de computadores ter tido papel decisivo nas mobilizações, articulando em rede movimentos sociais de vários matizes e de diferentes partes do globo.

A partir do uso da web nas manifestações, buscaremos identificar de que forma as tecnologias da informação, contribuíram para a participação de milhares de ciberativistas incluindo os ativistas Anonymous, no desenrolar dos acontecimentos. Por esta perspectiva analisaremos não as revoltas em si, mas como um fenômeno propiciado pela “cibercultura”173

e a “Sociedade em Rede”174

que mobilizou pessoas em todas as partes do mundo em função de causas que lhes pareciam alheias, e que noutros tempos históricos o máximo de participação seria pela solidariedade contemplativa dos que pouco ou nada podem fazer.

As revoltas desencadeadas a partir do Norte africano, pela forma de convocação dos protestos e resistência das populações que foram as ruas, só fora possível dada a força que hoje representam as redes sociais e a internet em todos os setores das sociedades, para o bem ou para o mal, parece ter sido esta a herança da tão decantada globalização que rendeu (e vendeu) tantos livros em fins do século XX e início do século XXI.

Castells, em a Sociedade em Rede, descreve as mudanças em curso nas sociedades em função do desenvolvimento das tecnologias da informação, ainda que nas reflexões do autor no citado texto, o centro da análise seja as relações de produção do mundo do capital, entende-se também, que de modo geral a internet e as redes sociais criaram:

Em fins da década de1990, o poder de comunicação da internet, juntamente com os novos progressos em telecomunicações e computação provocou mais uma grande mudança tecnológica, dos microcomputadores e dos mainframes descentralizados e autônomos à computação universal por meio da interconexão de dispositivos de processamento de dados, existentes em diversos formatos.175

Diferente da perspectiva de Castells em a Sociedade em Rede, que analisa as mudanças para o mundo do capital a partir do desenvolvimento das novas tecnologias da

173 LÉVY, 1999, op. cit., p. 38.

174

CASTELLS, 2003b, op. cit. p. 180.

comunicação e informação, que entrelaça em redes todos os aspectos econômicos, mas que não aprofunda as consequências culturais resultantes destas, Pierre Levy, em seu Cibercultura, volta-se para a análise da relação entre as novas tecnologias da comunicação e informação e as transformações provocadas por estas, no campo social, político, da democracia, da cultura, exclusão e desigualdade. Sobre o que explica:

O ciberespaço (que também chamarei de “rede”) é o novo meio de comunicação que

surge da interconexão mundial dos computadores. O termo especifica não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo oceânico de informações que ela abriga, assim como os seres humanos que navegam e alimentam esse universo. Quanto ao neologismo “cibercultura”, especifica aqui o conjunto de técnicas (materiais e intelectuais), de práticas, de atitudes, de modos de pensamento e de valores que se desenvolvem juntamente com o crescimento do ciberespaço.176

Com a Primavera Árabe, pela primeira vez, fora dos ambientes acadêmicos, governamentais ou do ativismo digital, a internet e as redes sociais chegaram ao grande público como instrumento capaz não só de entreter, mas também como instrumento de mobilização de causas sociais e políticas que estão presentes na sociedade. Se para os brasileiros esta possibilidade lhes parece distante, tempo e espaço foram comprimidos pelas Manifestações de Junho de 2013.

Sabe-se da participação ativa dos usuários do ciberespaço em todo o desenrolar das manifestações nos protestos no mundo Árabe e oriente médio. No entanto, no Egito, a partir do momento em que o governo bloqueou o acesso à internet entrou em cena os ciberativistas, os hackers e o Movimento de Protestos Anonymous. Estes grupos, segundo Castells “distribuíam informações sobre como evitar os controles de comunicação dentro do país”177 e instruíam sobre o uso de modens dial-up e radiotransmissores, tornando ineficaz o bloqueio da internet por parte do governo egípcio.

176 LÉVY, 1999, p. 17.

177

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança: movimentos sociais na era da internet. Rio de Janeiro: Zahar, 2013, p. 55.

Figura 55 - Panfletos produzidos pelo Movimento de Protestos Anonymous para as ações na Tunísia.178

FONTE: ANONYMOUS TUNISIA (2010)

Neste caso, como nos demais, a internet e os ciberativistas, incluindo-se o Movimento de Protestos Anonymous, foram fundamentais para o sucesso dos protestos. O mesmo, no entanto, não se pode dizer do resultado “final” da luta, pois que se trocou uma ditadura por outra.

Verifica-se que mudou de uma ditadura assumida para uma ditadura disfarçada. Dados os muitos interesses em jogo naquela parte do planeta, seria ingenuidade acreditar que a luta tenha sido para constituir um regime político democrático, não considerando as questões geopolíticas que movimentam o oriente médio.179

A plasticidade do ativismo Anonymous será considerada como a sua capacidade de se agregar a diversidade de causas e grupos ideológicos, político, apesar de se anunciar imune a todo tipo de orientação. Este modelo de plasticidade Anonymous permite que os protestos resultem em ações distintas e não muito claras. Para a Anonymous, ditadura e democracia parece lhes serem indiferentes. Embora reconheçamos que existem ações de ativistas que mantêm a ideia Anonymous no seu sentido original, bem como grupos e instituições que se aproveitam do anonimato para fabricar protestos em prol de causas de interesses corporativos. A atuação da Anonymous nos protestos do Egito parece ilustrativo.

178 ANONYMOUSTUNISIA. 2010. Disponível em: https://www.facebook.com/pages/Anonymous-

Tunisia/182840478411980?sk=timeline. Acesso: 14 out. 2014.

179 LEITE, Paulo Moreira. EUA sustentam ditadura militar no Egito. Revistaistoé. Disponível em:

<http://www.istoe.com.br/colunas-e-

Se, no Egito, em princípio, o alvo parecia ser a ditadura de Hosni Mubarak, a qual desmoronou após 18 dias de protestos, o seu sucessor, Mohamed Mursi, eleito democraticamente (aliás, o primeiro na milenar história daquela nação) também foi deposto e os militares assumiram o poder, convocando novas eleições na qual o ex-comandante (golpista) foi o vencedor com 96,91% dos votos. Depois destes fatos, não se fala mais nos protestos promovidos pelos Anonymous Egito.

A depender da causa, do nível democrático e político do lugar Anonymous passará a ter uma significação variável. Por exemplo, na própria luta contra a cientologia era uma forma de proteção contra grupos poderosos que tinham prática intensiva de perseguição às pessoas que lhes criticassem, de modo semelhante ocorria nos países sem liberdade de expressão, mas também nos países democráticos, significava a impessoalidade da luta.

Este exemplo sobre Egito não tem como objetivo desmerecer ou negar as contribuições mundiais do ativismo Anonymous, mas tão somente sistematizar o ideário que as células brasileiras já não mais dependem de um instrutor, começaram a construir, proclamando uma identificação de Anonymous: apartidária e anti-ideológica.

Então, do Coletivo Anonymous ao Movimento de Protestos Anonymous, o percurso é o da assunção de uma identidade política e coletiva, ainda que esta identidade política muitas vezes apareça de forma contraditória, à busca de distinção leva ou levou a assumir uma identidade política desideologizada, como se fazer política comportasse a ação neutra. A ação política que se reivindique neutra beneficiara a ou b e vice-versa.