• Nenhum resultado encontrado

O fim da Guerra Fria, simbolizado pela queda do Muro de Berlin e o colapso da União Soviética, acelerou processos em curso, como a Revolução Científico-Tecnológica, a competição econômica e outros adventos, que foram inseridos no que se costuma chamar de globalização.

Embora apresentado como fenômeno homogêneo, Vizentini a define como “seletiva, pois visa a determinadas regiões, atividades e segmentos sociais a serem integrados mundialmente”. Assim, a globalização integra determinados segmentos e regiões, enquanto outras são excluídas, produzindo um mundo assimétrico, com concentração de riquezas, tanto entre países como dentro deles.81

A integração regional surge nesse contexto como ferramenta de enfrentamento aos desafios colocados pela globalização. Aos países ricos, visa o fortalecimento dos pólos econômicos no contexto da competição internacional. O desafio representado pela União Européia e pelo Japão, que alcançaram grande desenvolvimento no período que se seguiu à Segunda Guerra, leva os Estados Unidos a responderem com o NAFTA (Acordo de Livre Comércio da América do Norte). Aos países em desenvolvimento, apresentou-se como esforço para não ficarem marginalizados na nova ordem internacional, com melhores condições de barganha. Também buscavam complementaridade entre suas economias e cooperação cientifico-tecnológica que pudesse melhorar a competitividade no mercado global.

Em uma análise mais superficial, entretanto, fica evidenciado que os Estados, de modo generalizado, encontram-se em situação de competição acirrada, tanto pelos mercados consumidores como pelas áreas fornecedoras de matérias primas e insumos. A competição capitalista exige que o Estado seja seu agente, de modo que a soberania nacional esteja inserida dentro dessa lógica, a de garantir condições materiais para a reprodução do capital. Assim deve ser vista a integração regional, a cooperação internacional e todo o esforço do Estado em preservar sua “soberania” e sua “segurança”.

Desde esse período, diversos pesquisadores se debruçaram a estudar os fenômenos da globalização e da integração regional, com o desenvolvimento de teorias interpretativas, muitas das quais complementares entre si. No entanto, não avançaremos nessa questão, pois o mais importante com esta breve contextualização é permitir uma análise das implicações que o Atlântico Sul terá na política externa e de segurança do Brasil, face o avanço do regionalismo.

À América Latina e ao Brasil, o desafio internacional se torna maior, muito devido à estagnação econômica dos anos 80, a chamada “década perdida”, e às históricas desigualdades sociais. A renegociação da divida externa dos países da região impôs um conjunto de políticas econômicas conhecido como Consenso de Washington. Basicamente, dizia respeito à liberalização econômica, ajuste fiscal e desestatização. Esta última, aliás, representa bem o processo de diminuição do Estado, o declínio do welfare state.

A redemocratização de Brasil e Argentina ocorre diante de cenário externo adverso, de subordinação e perda de autonomia no âmbito econômico. No entanto, Vizentini salienta que “a criação do Mercosul em 1991, por outro lado, articulou um pólo relativamente autônomo na América do Sul, apesar do perfil neoliberal do processo de integração”.82

Vizentini refere-se, especificamente, às parcerias diversificadas que caracterizam o Brasil como global trader, à proposta do Itamaraty de criação da ALCSA (Área de Livre Comércio Sul-Americana), que se vincularia à Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, envolvendo países da América do Sul e da África, numa estratégia de “círculos concêntricos” a partir do Mercosul.83

No esteio das grandes transformações na ordem mundial no início dos anos 90, do outro lado do Atlântico a África do Sul extingue seu regime do apartheid racial, que por anos levou o país ao isolamento internacional, com a perda, inclusive, do apoio dos Estados Unidos.

Se o fim da União Soviética significou uma vitória ideológica dos Estados Unidos, sua liderança mundial não poderia se dar mais nos mesmos moldes do período da Guerra Fria. Para tornarem-se competitivos diante de potências econômicas, como a União Européia, Japão e a emergente China, os Estados

82 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p.67. 83 Idem.

Unidos precisariam reduzir os custos de sua liderança, rateando-os com o sistema multilateral. Vizentini aponta que “Washington trata de estabelecer novos códigos morais e de conduta, ancorados em organizações e regimes internacionais, como forma de exercer sua hegemonia mundial”.84

Para o Brasil, portanto, além do Mercosul, abriu-se um outro flanco de articulação regional. Vizentini analisa que:

A idéia era criar outro círculo concêntrico em volta do Atlântico Sul, através da cooperação do Mercosul com a África do Sul pós- Apartheid e com os países recentemente pacificados da África Austral. Este novo espaço constituiria uma área de crescimento econômico, tirando proveito das complementaridades existentes e potenciais. Além disso, esta iniciativa amplia o quadro de cooperação Sul-Sul, além de abrir uma rota permanente para os Oceanos Índico e Pacífico, propiciando, ainda, alianças estratégicas com potências médias e/ou mercados emergentes do Terceiro Mundo. Este último aspecto parece ser particularmente importante para a diplomacia brasileira.85

A esse aspecto, o Secretário-Geral do Itamaraty durante o governo Itamar Franco, Roberto Abdenur, enfatiza o Brasil como um pólo em si mesmo:

Os senhores querem exemplos? Vejam o Mercosul. Vejam a Área de Livre Comércio Sul-Americana. O Ministro Celso Amorim disse, na sua palestra, do nosso desejo de construir o espaço sul-americano como um espaço com identidade própria no plano político e econômico. E nós estamos fazendo isso. Os senhores viram o Chile e a Bolívia, em dias recentes, buscarem, com muito interesse e empenho, uma associação com o Mercosul. É o Brasil que está criando a Comunidade de Países de Língua Portuguesa, que nos dá uma dimensão inédita: nenhum outro país, entre os países ibéricos e latino-americanos, está ao mesmo tempo em todos esse foros de concertação. É o Brasil que inspira a idéia da Zona de Paz e Cooperação no Atlântico Sul. É o Brasil hoje o coordenador do Grupo do Rio. É o Brasil uma presença decisiva no foro ibero-americano. É o Brasil que leva adiante nas Nações Unidas a tentativa de equilibrar a Agenda para a Paz de Boutros Ghali com uma Agenda para o Desenvolvimento, que reintroduza, em termos atualizados, a idéia de desenvolvimento no debate internacional. O Brasil, portanto, - é importante saber – é em si mesmo um pólo. O Brasil tem o que creio cabível chamar de “capacidade polar”. Não temos porque nos assustarmos com avaliações pessimistas de uma unilateralidade que seria tolhedora ou cerceadora da nossa capacidade de atuação. E é importante dizer também, a esse respeito, que o Brasil e sua política externa não buscam um ajustamento passivo a novas realidades

84 VIZENTINI, P. F. O Mundo pós-Guerra Fria. Porto Alegre: Leitura XXI, 2005, p. 83. 85 Idem, p. 77.

internacionais. O que buscamos é um engajamento ativo no desenho da nova ordem internacional que vai surgindo. O Brasil foi um ator importante nas negociações do GATT; foi um ator decisivo nas negociações sobre meio-ambiente, nas negociações sobre direitos humanos; o Brasil é decisivo no MERCOSUL; o Brasil é decisivo no diálogo com os Estados Unidos, na preparação da Cúpula das Américas. E assim por diante, em múltiplos foros e iniciativas, é o Brasil país com uma singular capacidade de mobilização e articulação no plano internacional. Isso tem que ver até com as origens mesmas da nossa nacionalidade, com caráter pacífico da formação de nosso território e da negociação de nossas fronteiras.86

O neoliberalismo que se instalou na América Latina, através do Consenso de Washington, também atingiu o continente africano, impondo limites a um maior estreitamento das relações entre os dois lados do Atlântico Sul.

Por outro lado, o fim do regime do apartheid na África do Sul foi, sem dúvida, fato extraordinário para o continente. Mas os conflitos étnicos e disputas pelo poder, marcas do colonialismo, ainda estavam bastante presentes em grande parte da região, afetando diretamente as possibilidades do Brasil ter um maior volume de comércio e cooperação com aqueles países.

Saraiva aponta que os níveis do comércio do Brasil com a África Negra retornam aos das décadas de 1950 e 1960. “No início da década de 1990, o comércio do Brasil com a África não chega aos 2% das relações comerciais do Brasil, depois de ter alcançado níveis em torno dos 10% no início da década passada”, acrescenta.87

A vulnerabilidade energética vivenciada pelo Brasil nos anos 70 e 80, que influenciou na adoção de uma política externa de aproximação com a África, havia se desvanecido, bem como as suspeitas de desenvolvimento de armas nucleares por parte da África do Sul.

Assim, o Atlântico Sul se fortalece como região desnuclearizada, devido aos acordos de Tlatelolco para a América Latina, Pelindaba para a África, além do já existente Tratado da Antártica.

86 MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES - Transcrição de Palestra no Curso de Atualização de Diplomatas, sobre As Linhas Gerais das Ações de Política Externa no Governo Itamar Franco. Brasília, 17/08/1994.

87 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1994, p. 320.

Desta forma, e com o fim da Guerra Fria, começa-se a se esboçar um descolamento da América do Sul do restante do continente, principalmente na questão da segurança hemisférica, que estava sistematizada desde o final da Segunda Guerra através do TIAR (Tratado Interamericano de Assistência Recíproca).

O TIAR, inclusive, já havia sido abalado em 1982, com a Guerra das Malvinas. Desde sua criação, em 1947, o TIAR enquadrou-se no contexto do conflito Leste/Oeste como área de segurança estratégica dos Estados Unidos. Porém, sua efetividade também esteve desafiada pelo receio por parte dos países latinoamericanos de envolverem-se diretamente, transferindo o conflito à região. A América Latina, de modo geral, e ao contrário da Europa, não se constituía como palco da Guerra Fria.

Desde os anos 90, “negligência benigna” se tornou jargão corriqueiro nos meios diplomático e acadêmico, para referir-se ao descaso com que Washington tratava os problemas dos países latinoamericanos, especialmente com relação ao Brasil.

Tal negligência permitia ao país empreender uma política externa mais autônoma, sem as pressões de Washington.

Tem se empregado o termo “negligência benigna” para explicar, por exemplo, as iniciativas de integração regional na América do Sul, sob liderança brasileira, sem que Washington tente interferir nos processos quando alguma medida possa prejudicar seus interesses.

No plano das vastas discussões teóricas sobre o regionalismo no pós Guerra Fria, é pertinente citar a visão dos neo-realistas, por sua aproximação com a idéia de “negligência benigna” aqui discutida.

Hurrell reconhece a escassez de desenvolvimento teórico sobre o relacionamento entre hegemonia e regionalismo. Mas aponta quatro caminhos para analisar arranjos regionais sob a perspectiva da hegemonia.

Primeiro, o regionalismo pode ser visto como uma resposta ao poder hegemônico, representado aqui pelos Estados Unidos, de modo a equilibrar a balança de poder. A idéia aqui é aumentar o poder dos países quando atuando como grupo concertado, que isoladamente não conseguiriam projetar seus interesses frente à potência hegemônica.

Uma segunda consideração feita por Hurrell refere-se à tentativa de restringir o livre exercício hegemônico, por meio da criação de instituições regionais. Os arranjos regionais se tornariam atores com estruturas mais ou menos institucionalizadas, ou seja, normatizadas, de acordo com a vulnerabilidade da região frente aos Estados Unidos.

Uma terceira via de análise refere-se a estados fracos e fortemente vinculados à potência hegemônica, o que tornaria mais interessante suas adesões aos arranjos regionais liderados pela própria potência hegemônica.

Finalmente, Hurrell aponta para o envolvimento ativo da hegemonia nos processos de construção de arranjos regionais, de modo que seus interesses sejam projetados nessas áreas. A esse respeito, podemos fazer duas considerações. A primeira se refere ao próprio Brasil, em situação de ascendência hegemônica no Atlântico Sul. Desse modo, a participação ativa do país em diversas iniciativas regionais explicitaria sua intenção de projetar sua posição dominante através de arranjos institucionais. Uma segunda possibilidade analítica refere-se à hegemonia declinante, neste caso, os Estados Unidos. Washington veria o regionalismo como mecanismo de influenciar regiões a adotar políticas e condutas condizentes com seus interesses. O declínio de seu poder aumenta o custo de seu exercício hegemônico, e o regionalismo desponta como alternativa, haja vista que são ainda suficientemente fortes para desempenhar certa liderança em tais arranjos regionais.88

Assim, podemos ver que a “negligência benigna” dos Estados Unidos pode também explicar os espaços de manobra que teve o Brasil para articular acordos de caráter militar, tanto nas suas fronteiras terrestres quanto marítimas. Nesse aspecto, podemos citar a aproximação com a Argentina na questão nuclear, a entrada em vigor do Tratado de Tlatelolco, idealizado pelo Brasil nos anos 60 e que também visava afastar o risco de um confronto nuclear na região, e a Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul.

Lamazière define “negligência benigna” como “vácuo de poder”, referindo- se, principalmente à idéia de uma geopolítica ao revés. Isto é, não busca projeção

88 FAWCETT, L. e HURRELL, A. Regionalism in World Politics. New York: Oxford University Press, 1995, p. 50-53.

de poder, mas sim preservar o espaço que tem, um “vácuo” deixado pela potência hegemônica.89

Nessa linha de pensamento, Golbery do Couto e Silva pondera que a posição do Brasil se caracteriza pelo afastamento não apenas dos principais eixos de circulação de riquezas, mas também das principais linhas de tensão dos antagonismos internacionais.90

Golbery foi um dos principais pensadores de geopolítica no Brasil. Seu pensamento evidencia a percepção do espaço que nos cerca como área de projeção de interesses, com relativa autonomia. Essa visão, de alguma forma, tornou-se vetor da política externa e de defesa do Brasil no Atlântico Sul, principalmente no período aqui estudado.

No pensamento geopolítico, uma das primeiras teorias desenvolvidas foi justamente a do poder marítimo, do almirante americano Alfred Thayer Mahan. No final do século XIX, Mahan defendia o desenvolvimento da marinha de guerra dos Estados Unidos para garantir o controle dos mares. Buscava defender interesses comerciais e militares, além da projeção de poder do país no contexto internacional. O pensamento de Mahan inspirou a construção do Canal do Panamá, unindo os oceanos Atlântico e Pacífico através do istmo centro-americano.91

A idéia de “vácuo de poder” no pensamento geopolítico brasileiro, se amplia consideravelmente no pós-Guerra Fria. Guerra dos Bálcãs, do Golfo, conflito israelo-palestino, dentre outros, mantinham a América Latina “fora do radar” de Washington.

Lamazière também cita outra reflexão geopolítica de Golbery, que se compatibiliza com uma política externa menos subordinada a Washington e mais direcionada ao seu entorno terrestre e marítimo:

Ainda que a posição brasileira apresenta desvantagens pela preeminência hemisférica dos Estados Unidos, essas desvantagens são minimizadas pelo fato de que, geopoliticamente, as Américas do Norte e do Sul, não são tão integradas como se pensa, tendo os norte-americanos descoberto que o globo reflete mais fielmente a realidade do que Mercator, o que tornaria a América do Sul mais

89 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44.

90 COUTO E SILVA, G. Geopolítica do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1981.

91 MAGNOLI, D. Santos Dumont, Pioneiro do Poder Aéreo. Mundo – Revista Geografia e Política

distante do que pensavam, constituindo, na verdade, um território de ultramar. 92

O pensamento geopolítico brasileiro, que além de Golbery, teve também Meira Mattos como expoente, considera a posição estratégica do continente africano, que o torna como a fronteira avançada do território brasileiro, um “destino manifesto”.

A esse respeito, Meira Mattos pondera que:

Esta linha de pensamento... de que o Brasil possui as condições geográficas e humanas para vir a ser uma das grandes nações do planeta, vem sendo uma constante na mente e na avaliação dos melhores pensadores, no perpassar de nossa história: Pombal, Alexandre Gusmão, José Bonifácio, Rio Branco, Alberto Torres, Oliveira Vianna e Cassiano Ricardo. Entre os nossos geopolíticos, Mario Travassos, Backheuser, Golbery e Terezinha de Castro, todos reconhecem esta possibilidade de grandeza, ao alcance do Estado Brasileiro.

Não se trata de um sonho de patriotas, mas uma avaliação baseada em valores geográficos e demográficos analisados numa prospectiva cientifica.

Renomados científicos estrangeiros também já se manifestaram sobre a nossa possibilidade de grandeza política, entre os quais destacamos – Stefan Zweig, Ray Cline, Henry Kissinger.

Não se trata, portanto, de um sonho utópico, mas, repetimos, de avaliação baseada em prospecção científica de valores mensuráveis.93

E ao se indagar qual seria a estratégia que deveria ser adotada para conseguir alcançar o objetivo de tornar o país uma potência, Meira Mattos conclui que a posição do Brasil no planeta já traçou as linhas mestras desta estratégia. Uma larga fachada oceânica no Atlântico e uma extensa fronteira terrestre com dez Estados vizinhos. “Nosso espaço geográfico cobre, praticamente, a metade da América do Sul. Somos o 4º país do mundo em extensão territorial contínua. O 5º em população”.94

A importância estratégica do Atlântico Sul, para os proeminentes geopolíticos brasileiros, como Golbery e Meira Mattos, vai além dos recursos

92 LAMAZIÈRE, G. Cooperação político-militar na América do Sul – Revista Política Externa, vol. 9, nr. 4, mar/abr/mai 2001, p.44.

93 MATTOS, C. M. O Brasil e sua Estratégia. Revista do Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra (ESG). Rio de Janeiro: 2002 p. 39.

econômicos assegurados pelas 200 milhas. Constitui-se também como interesse da segurança brasileira, entendida como defesa da soberania, das fronteiras e de seu entorno estratégico.

Podemos concluir então que, a política externa brasileira guiada para seu entorno terrestre e marítimo (e ultramarino), também tem como ponto de reflexão o “vácuo de poder”, sua extensão e níveis de autonomia que permitem ao Itamaraty promover seus desígnios.

A esse respeito, Miyamoto faz uma ponderação sobre as diretrizes da política externa brasileira:

A atuação dos países, e, no caso, o posicionamento do Brasil não se encontra respaldado meramente nos fatores geopolíticos. O que se observa no período pós-64 é que a geopolítica pode ter guiado, mas não influenciado as decisões no âmbito da política externa do Brasil (como, aliás, ocorre em políticas de qualquer Estado), porque, se assim fosse, não se encontraria explicação para as políticas do pragmatismo e do universalismo, ou mesmo dos anos anteriores.95

Proença Jr. e Diniz, por sua vez, afirmam que no Brasil percebe-se uma tendência a substituir assuntos de defesa por “assuntos estratégicos”, numa tentativa de refutar a influência militar na política externa. Sobre esse aspecto, avaliam que:

A discussão efetiva sobre assuntos de defesa acaba reduzida ou a contribuições pontuais de alguns civis dedicados ao assunto ou ao debate interno ao grupo dos corporativamente interessados. Especialistas de outros campos, para quem os assuntos de defesa seriam complementares, vêem-se levados a ignorá-los ou a acreditarem que os assuntos militares não têm relevância para temas como relações internacionais, ciências sociais ou o desenvolvimento científico-tecnológico da sociedade brasileira.96

Torna-se apropriado analisar as reflexões de Miyamoto, Proença Jr. e Diniz, pois se percebe que uma visão estritamente realista, bem como outra que se guie basicamente pelo idealismo, não dão conta de interpretar a política externa brasileira no passado e no presente, nem projetá-la para o que estiver por vir.

95 MIYAMOTO, S. Integração Brasil-Argentina: Aspectos Político-Estratégicos. In: SEITENFUS, V. M. e BONI, L. A. (orgs). Temas de Integração Latino-Americana. Petrópolis: Ed. Vozes, 1990, p. 116. 96 PROENÇA Jr.D. e DINIZ, E. Política de defesa no Brasil: uma análise crítica. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1998, p. 33-34.

Percebe-se a partir dos anos 90, tendência de descolamento do foco da atenção brasileira para seu entorno imediato, que se tornou mais claro com a Política de Defesa Nacional (PDN), promulgada em 1996, como veremos adiante.

A ZPCAS, no entanto, permaneceu quase no ostracismo durante a década de 90. Os outros dois integrantes da ZPCAS na América do Sul, Uruguai e Argentina, encontraram dificuldades num maior engajamento na organização, pela

Documentos relacionados