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No inicio dos anos 70, a política externa brasileira ganhou novas orientações, em sintonia com cenários doméstico e internacional desafiadores. As relações do Brasil com Portugal e o continente africano passam por sensível transformação. E com o Estados Unidos inicia-se a chamada “rivalidade emergente”.

Passados os primeiros anos do regime autoritário, apoiado pelos Estados Unidos, frustravam-se no Brasil as expectativas por um papel mais cooperativo, em termos econômicos, principalmente, por parte de Washington. Por outro lado, aumentavam os protestos contra o regime nos meios intelectuais, artísticos e sindicais, apesar da repressão exercida pelos militares.

A “rivalidade emergente” se manifestou em temas diversos, como no protecionismo comercial, com restrições às importações de manufaturados brasileiros (café solúvel, têxteis, calçados, bolsas), a incompatibilidade das políticas nucleares, que se evidenciou nas resistências de Washington ao acordo nuclear teuto-brasileiro, embates em fóruns multilaterais sobre questões de poluição, defesa do meio ambiente, renovação dos acordos internacionais do café e do açúcar e no decreto brasileiro em fixar a extensão do mar territorial em 200 milhas.

Em segundo lugar, e concernente ao citado acima, era necessário garantir o desenvolvimento econômico que se verificava no início dos anos 70, o chamado “milagre econômico”. Com a rápida expansão industrial, o país necessitava garantir mercados, tanto para exportação como para fornecimento de matérias-primas, especialmente o petróleo. Para Saraiva, com a vulnerabilidade energética acelerada com a crise do petróleo, tinha que levar em conta esse componente no xadrez da crise colonial em Angola, Moçambique, Guiné e Cabo Verde.28

Antes da Segunda Guerra Mundial, os interesses brasileiros se orientavam quase que exclusivamente no sentido Atlântico norte-sul.

Desde 1972, no entanto, toma grande impulso a Rota Africana, partindo da trijunção de Corredores de Exportação Santos-Rio de Janeiro-Vitória, que atinge a zona ocidental do continente. A Rota do Cabo, da qual o Brasil já participava

28 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.)

ativamente no comércio triangular com Portugal durante o período colonial, também adquire maior importância face da aproximação do Brasil com a Ásia e Oriente Médio.29

O I Plano Nacional de Desenvolvimento (I PND), vigente no período 1972- 1974 do governo Médici, lançou o slogan “Brasil-Grande Potência”, com a proposta de promover o desenvolvimento do país, de forma acelerada e controlada, no mesmo nível das grandes potências econômicas do mundo. A diplomacia do nacionalismo-autoritário que se estabelece, tinha como objetivo primordial a neutralização de todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o Poder Nacional, segundo análise de Moniz Bandeira.30

A região do Atlântico Sul surge de modo mais intenso na política externa brasileira a partir daí, e a questão de desenvolvimento passa a estar mais nitidamente vinculada ao conceito de segurança.

Nesse aspecto, a África passou a ser percebida de modo diferenciado, tanto no campo estratégico-militar como no diplomático.

Em primeiro lugar, uma administração descentralizada conferiu maior autonomia ao Itamaraty no interior do Estado autoritário, o que permitiu ao Ministro das Relações Exteriores, Mário Gibson Barboza defender sua “Diplomacia da Prosperidade”, bastante semelhante às diretrizes da PEI. A nova linha de política externa exigia enfrentar o problema do colonialismo português. Barboza, em exposição de motivos ao Presidente Médici, disse:

País Atlântico, o Brasil tenderá, num futuro que se aproxima com rapidez, a ter crescentes interesses e responsabilidades no outro lado do oceano que banha nossas costas. Conviria por isso que, desde já, procurássemos aumentar, dentro de nossas possibilidades e recursos, a presença brasileira naquela parte da África que chamaremos atlântica. Os países que a formam não são apenas nossos co-ribeirinhos. Deles proveio a esmagadora maioria do contingente negro de nossa formação. Da área situada entre o rio Volta e o rio dos Óleos vieram instituições e costumes que se impuseram como algumas das matrizes de nosso comportamento social. Com essa região mantivemos durante o Império, intenso e permanente contato, de que ainda sobram reminiscências, nos simples bairros brasileiros de Acra, de Lagos e de toda a costa do Daomé e do Togo, bem como nas famílias que conservam nomes de origem portuguesa e reclamam com orgulho a condição de

29 CASTRO, T. Nossa América – Geopolítica Comparada. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército Editora, 1994, p. 45-6.

30 SARAIVA, J. F. S. Do silêncio à afirmação: relações do Brasil com a África. In: CERVO A. L. (org.)

descendentes de brasileiros. Com esses países é que sustentamos a maior parte de nosso diálogo nas iniciativas internacionais para a estabilização dos preços dos produtos primários. São eles os nossos principais competidores nos mercados de produtos tropicais e, ao mesmo tempo, nossos principais parceiros para o seu ordenamento racional. Influem decisivamente alguns desses países – como a Costa do Marfim, a Nigéria e Gana – nas decisões políticas do grupo africano, sobretudo nos organismos internacionais, onde hoje a África forma o mais numeroso grupo de Estados.31

Em sua explanação a Médici, o Chanceler ainda salientou que a África Atlântica deveria ser escolhida para um novo esforço criador da diplomacia brasileira:

Dentro da área, penso deveríamos concentrar esforços naqueles países que se apresentam como de maior importância para o Brasil, quer por razões econômicas, como a Costa do Marfim, Gana, Nigéria, Camarões e Zaire, quer por seu relevo político, como o Senegal, a Costa do Marfim, Gana e Nigéria, quer por sua influente presença cultural em toda a África, como o Senegal, quer pela relevância dos laços que mantiveram com o Brasil no passado e que ali continuam vivos, como o Togo, o Daomé e a Nigéria.32

E concluiu assim sua exposição:

Dessa forma, se Vossa Excelência houver por bem assim autorizar- me, aceitarei o convite que me fizeram a Costa do Marfim e o Senegal para visitar aqueles países, no próximo ano de 1972, e estenderei a viagem a Gana, ao Togo, ao Daomé, à Nigéria, aos Camarões e ao Zaire, com os objetivos de:

-(1) revigorar a presença brasileira na área;

-(2) examinar os interesses comuns no Atlântico Sul e as possibilidades de uma política coerente de mar territorial;

-(3) ampliar os mecanismos de consulta e colaboração sobre produtos primários;

-(4) estimular a criação de correntes efetivas de comércio;

-(5) estabelecer novos modelos de cooperação cultural e de assistência técnica.33

O Presidente Médici aprovou, sem qualquer modificação, essa nova linha de política externa, deixando Barboza com as mãos livres para a ação diplomática decorrente. Nesse aspecto, a opção pela África, em detrimento da ligação com

31 BARBOZA, M. G. Na Diplomacia, o Traço Todo da Vida. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2007, p. 346-7.

32 Idem. 33 Idem.

Portugal, fez com que o Brasil avançasse nas ações diplomáticas em relação a esse continente, e em especial a Angola, alguns anos mais tarde, já durante o governo Geisel, como veremos adiante.

O rápido e acelerado crescimento econômico do Brasil no início da década tornavam o suprimento energético crucial para sustentar o “milagre”, vindo a influenciar no delineamento de uma nova política externa para a África. Saraiva salienta que a vulnerabilidade energética do país era uma preocupação para os formuladores da política externa no Brasil. Nigéria e Angola seriam fornecedoras de petróleo e, em certo sentido, representariam para o Brasil um espaço de diversificação da sua própria vulnerabilidade. Mas não apenas. O aumento do comércio exterior do país no período, em que 90% dele era transportado pelo mar, e em especial a importação de petróleo, transportado principalmente pela Rota do Cabo, circundando a África do Sul, representaram nova dimensão geopolítica para o Atlântico Sul. A guerra árabe-israelense e conseqüente fechamento do canal de Suez reforçaram a importância estratégica dessa vertente para a chancelaria brasileira.

Para Ferreira, “esse conflito localizado, numa área em que o Brasil só tem como interesse vital o petróleo que compramos dos países árabes, veio revelar o grau de despreparo estratégico do Brasil no mar”.34

Até então, a Guerra Fria orientava a política externa e de defesa para o interior, onde as fronteiras terrestres encontravam-se vulneráveis a guerrilha e ao inimigo ideológico.

A questão ideológica, entretanto, em decorrência dos interesses econômicos e estratégico-militares, logo deu lugar ao pragmatismo. Tomava corpo nas esferas de tomada de decisão em política externa e defesa, o Itamaraty e o Conselho de Segurança Nacional (CSN), principalmente, que o Atlântico Sul era vital para a segurança do Estado brasileiro, e que a África ocuparia papel relevante nesse aspecto. Na avaliação de Miyamoto, “para um país que nutria a aspiração de em breve tempo ingressar no rol das grandes potências, o controle da fronteira leste parecia estrategicamente fundamental; tratava-se, pois, de fazer do Atlântico Sul um verdadeiro maré nostrum.”35

34 FERREIRA, O. S. A Crise da Política Externa. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2001, p.73.

35 GONÇALVES, W. S. e MIYAMOTO, S. Os militares na Política Externa Brasileira: 1964-1984. Revista Estudos Históricos. Rio de Janeiro: vol. 6, nº 12, 1983, p. 211-246.

Tornava-se necessário conciliar a visão ideológica matizada pela Guerra Fria, fortemente presente no regime militar com os objetivos que se pretendia alcançar. Por um lado, afastar o perigo representado pelo comunismo, que alcançava o continente africano. Por outro, fortalecer a presença brasileira no Atlântico Sul, em vistas dos interesses econômicos e estratégicos que representava.

O primeiro governo angolano teve como base o MPLA (Movimento Para a Libertação de Angola), apoiado pela União Soviética. Os Estados Unidos, por seu turno, apoiavam a FNLA (Frente Nacional para a Libertação de Angola) e a UNITA (União Nacional pela Independência de Angola). Esses partidos, organizados no esteio dos movimentos pela autodeterminação dos povos, intensificaram suas disputas com a Revolução dos Cravos, em Portugal, em 1974, que pôs fim ao regime ditatorial naquele país.

A questão angolana tornava-se delicada para o Brasil por dois aspectos. Em primeiro lugar, resistências por parte de militares, que não aceitavam o reconhecimento de um governo de esquerda. Em segundo lugar, significava a quebra de um tratado não-escrito com Portugal, que perdurou desde a independência do Brasil.

Acabou prevalecendo a opção pela África, quando em 1975, o Brasil se torna o primeiro país a estabelecer relações diplomáticas com Luanda, sob governança do MPLA, contrariando inclusive a posição norte-americana na questão.

Como vemos, o reconhecimento brasileiro da independência de Angola constituiu-se um importante fato no novo perfil das relações entre Brasil e Estados Unidos, mas não o único.

Algum tempo antes, em 1972, a expulsão a tiros de canhão de barcos norte-americanos dessas águas e a apreensão de barcos pesqueiros de diversas nacionalidades marcaram a afirmação da soberania brasileira na faixa reivindicada. Isto levou o Congresso norte-americano a apresentar projetos de retaliação ao Brasil caso não fosse revogado o decreto das 200 milhas assinado pelo presidente Médici.36

Amparado pelo “milagre econômico”, de alto endividamento externo, o governo brasileiro realizou investimentos em estradas, hidrelétricas e telecomunicações. Intensificou-se a procura por petróleo na plataforma continental e,

36 CERVO, A. L. e BUENO, C. História da Política Exterior do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002, p. 408.

em 1974, a Petrobrás descobriu pela primeira vez grande jazida na bacia de Campos, no campo de Garoupa.

Indícios de petróleo nessa região já haviam sido verificados no final dos anos 60, em torno de 150 milhas da costa. Como as 12 milhas de mar territorial então vigente não garantiam a soberania sobre recursos minerais como os descobertos pela Petrobrás, ganhava força a idéia de ampliar esse limite para 200 milhas.

O Decreto-lei nº 1.098 de 25 de março de 1970, que instituiu as 200 milhas, originou-se de proposta do Chanceler Mário Gibson Barbosa e foi elaborado por grupo de trabalho orientado pelos Ministérios das Relações Exteriores e da Marinha, e aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança Nacional.

O Conselho de Segurança Nacional, criado através da Constituição de 1937, com a função de estudar todas as questões relativas à segurança nacional, tornou-se, pelo Decreto-Lei nº 900, de 1969, “o órgão de mais alto nível de assessoramento direto do Presidente da República, na formulação e na execução da política de segurança nacional”.37 Passou a ocupar papel central nos assuntos de fronteiras, terrestres e marítimas.

A repercussão positiva da instituição das 200 milhas, por parte dos meios políticos, inclusive do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), partido de oposição legalmente instituído pelo regime, da mídia e da sociedade em geral, denota o sentimento ufanista que vigorava então. “Esse mar é meu”, título de samba de João Nogueira, incorporava-se a outras manifestações do gênero, como “Com brasileiro não há quem possa”, do famoso jingle da Copa de 70, e do “Ninguém segura este país”, verbetes propagandistas do governo militar.38

Para Cerri:

O símbolo de massa de mar passa a participar mais intensamente da propaganda política do regime, e, mesmo não sendo representado no mapa usual do território nacional, confere um sentido novo ao desenho das costas litorâneas, envolvendo-as com um sentido de união, de força, de pertencimento, de integração, transferidos do significado do mar enquanto um símbolo da massa que é a nação. “O Brasil começa no mar”, afirma o anúncio da Petrobrás, atribuindo esse sentido de uma fronteira dinâmica e integrada ao sentimento de um espaço que “nos” pertence, que faz parte do que somos enquanto coletividade; conquistar e manter esse espaço é dignificar

37 PALÁCIO DO PLANALTO. Brasília: Decreto-Lei nº 900, de 29/09/1969.

38 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 Milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999, p. 113.

o conjunto, e especialmente a classe dirigente, tradutora e executora firme e competente dos anseios do grupo, tanto no aspecto moral, quanto econômico, e também no identitário, unindo o mar simbólico da massa nacional ao mar físico que lhe pertence.39

Na ocasião, o Itamaraty recebeu diversas notas de contestação da medida, a maioria vinda de países industrializados de grande atividade pesqueira, como Bélgica, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Japão, Noruega, Reino Unido, República Federal da Alemanha, Suécia e União Soviética.40

A medida enquadrava-se na proposta do nacional-autoritarismo de neutralizar todos os fatores externos que pudessem contribuir para limitar o Poder Nacional.

Argumenta Moniz Bandeira que:

Aquela ocasião, diplomaticamente bem calculada, visou a produzir efeitos internos, como demonstração de nacionalismo, sobretudo para as Forças Armadas, e externos, atingindo os Estados Unidos em um ponto não tanto sensível, que pudesse provocar fortes retaliações, mas suficientemente sensível, quando suas pressões sobre o café solúvel e os têxteis de algodão, bem como a redução das quotas de importação de açúcar e das vendas de armamentos afetavam os interesses do Brasil. Tanto Gibson Barbosa, que fora Embaixador do Brasil em Washington, quanto Araújo Castro, nomeado para o substituir, sabiam que a invocação da “amizade tradicional”, “solidariedade continental” etc., como argumentos, não sensibilizavam os norte-americanos, com os quais se tornava necessário falar com firmeza e energia, para discutir problemas concretos.41

Na costa atlântica da América do Sul, Argentina em 1966 e Uruguai em 1969, adotaram igualmente a medida das 200 milhas. Assim, o Brasil uniformizava a largura de seu mar territorial com o de seus vizinhos austrais.

Segundo Saraiva, a decisão brasileira constituiu-se também em reafirmação de sua política para a África. Se para setores militares estrategistas predominava o tema da hegemonia militar do Brasil no Atlântico Sul, a questão das 200 milhas ajudava a projetar a imagem de um poder tropical industrial e convencer os estados negros africanos que as relações históricas do Brasil com Portugal não

39 CERRI, L. F. Ensino de História e Nação na Propaganda do “Milagre Econômico”. Tese de doutorado defendida na Unicamp. Campinas: 2000.

40 Idem, p. 113.

41 BANDEIRA, M. Relações Brasil-EUA no Contexto da Globalização. São Paulo: Editora Senac, 1997, p. 112.

deveriam inibir o desenvolvimento de relações intensas com a África negra independente. Além disso, a solidariedade africana era um importante trunfo junto aos organismos multilaterais.42

Certa inflexão da política externa do regime autoritário, em um sentido mais favorável a Angola, Moçambique e Guiné-Bissau ocorreu ao fim do Governo Médici, pois até então as manifestações brasileiras sobre a auto-determinação da África se davam em meio a contradições, principalmente na ONU, em apoio a Portugal.

Como visto anteriormente, além do petróleo, a pesca também foi um dos interesses que o Brasil buscou defender na nova delimitação do mar territorial.

Carvalho aponta para caráter inovador do conceito de Zona Econômica Exclusiva (ZEE) que se consolida no período de 1971 e 1972, e que veio a ser o elemento central de todo o processo de negociações sobre o direito do mar que viria a se desenvolver posteriormente. Em 1973, a III Conferência das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, cuja realização deveu-se em grande parte ao decreto brasileiro, veio a solucionar o impasse sobre o limite de 200 milhas. Mas somente em 1982, em Montego Bay, na Jamaica, a III Conferência alcança seu objetivo, uma Convenção. Desde 1973, no entanto, um novo regime internacional sobre o Mar já regulava interesses dos Estados adjacentes a ele.

Bueno argumenta que:

Ao Brasil interessava também os direitos soberanos sobre a plataforma continental. Não obstante a zona econômica exclusiva protegesse praticamente toda a plataforma brasileira, o País apoiou a solução que acabou prevalecendo: a que estendia a soberania dos países ao talude e ao sopé das plataformas, em razão da possibilidade da ocorrência de jazidas petrolíferas.43

Mas antes disso, a indefinição sobre a faixa de mar territorial e a soberania sobre essas águas suscitou diversos conflitos, como a “Guerra do Salmão”, em 1956, envolvendo a apreensão de barcos pesqueiros peruanos pelos Estados Unidos. Em 1958, a “Guerra do Bacalhau”, entre Inglaterra e Islândia e a

42 SARAIVA, J. F. S. Do Silêncio à Afirmação: Relações do Brasil com a África. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309.

43 BUENO, C. A política multilateral do Brasil. In: CERVO, A. L. (org.) O Desafio Internacional. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1994, p. 309.

“Guerra do Arenque”, em que barcos noruegueses adentraram águas da Guatemala, foram fatos ocorridos pala ausência de tratado internacional sobre a questão.44

Durante o governo Goulart, entre 1961 e 1963, Brasil e França protagonizam a “Guerra da Lagosta”, em águas do litoral de Pernambuco. Flagrados por pescadores nordestinos, pesqueiros franceses foram convidados a se retirar da área pela Marinha, desencadeando um conflito pouco conhecido na história das relações internacionais do Brasil. Um contingente naval francês chegou a se deslocar para a área do conflito, o que foi respondido pelo Brasil com a mobilização da aeronáutica e do exército, além da própria marinha. A imprensa francesa acalorou a discussão e questões curiosas foram levantadas. Se a lagosta fosse capturada nadando, isto é, sem estar repousando no assoalho submarino, considerado território brasileiro, então estaria o crustáceo em águas internacionais. Após debates diplomáticos entre os dois países, a questão foi encerrada a favor do Brasil. O episódio evidenciou imprecisões não apenas a respeito da fauna marinha, mas também em relação aos direitos de soberania sobre o mar territorial.45

Em 1971, evento semelhante se dá contra embarcações dos Estados Unidos que pescavam a 75 milhas da costa brasileira. O Brasil foi acusado de atacar oito barcos pesqueiros norte-americanos dentro do limite das 200 milhas. A Marinha brasileira negou o ocorrido, argumentando que uma eventual apreensão de barcos pesqueiros não demandaria o uso da força, mesmo porque os pesqueiros não disporiam de capacidade de reação.46

Carvalho salienta outros fatores econômicos de importância para o país, resguardados através da soberania na faixa de 200 milhas, como o controle de pesquisas nas águas e nos fundos da área de 200 milhas e da preservação do meio ambiente marinho; contenção de atividades que pudessem causar a poluição das águas e danos aos recursos marinhos; e obstar iniciativas de estabelecimento e utilização de estruturas nocivas aos interesses do Estado brasileiro, tanto em termos econômicos como de segurança nacional.47

44 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999.

45 BRAGA, C. C. A Guerra da Lagosta. Rio de Janeiro: Serviço de Documentação da Marinha (SDM), 2004.

46 CARVALHO, G. L. C. O Mar Territorial Brasileiro de 200 milhas: Estratégia e Soberania. 1970-1982. Dissertação de Mestrado apresentada à Universidade de Brasília em março de 1999.

O governo Médici projetou um papel de relevo para o Brasil, uma “potência emergente” no concerto das nações. Desenvolvimento e Segurança Nacional mesclaram-se de forma mais intensa sob a influência do pensamento

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