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Anos 2000 – um novo conceito de currículo e de

Capítulo II – Currículo: uma visão ampla

4. O Currículo em Portugal

4.4. Anos 2000 – um novo conceito de currículo e de

A escola actual, a escola que é para todos, necessita de se organizar, inventando estratégias que lhe permitam trabalhar efectivamente com todos e a todos proporcionar sucesso escolar.

É hoje pedido à escola que desempenhe papéis que “excedam em muito a mera transmissão e aquisição de conhecimentos. Não se pode, mais, esquecer a dimensão social presente na educação” (Leite, 2001: 11). Deste modo, o conceito de currículo não se pode limitar às matérias que são ensinadas e adquiridas, ou seja, o «currículo-plano», mas também ao “processo de concretização desse plano, isto é, o «currículo vivido», o «currículo acção», «o currículo real»” (Leite, 2003: 133).

A escola dos nossos dias está cheia de diversidades, para as quais não é solução a uniformidade dos conteúdos e dos processos. É neste contexto que o conceito de gestão do currículo surge, entendido como um instrumento imprescindível para se caminhar no sentido da adequação do currículo nacional4 às características das escolas e dos alunos.

Este modelo de organização e de concepção do currículo, no dizer de Leite (2003: 166):

“sustenta-se nos princípios de autonomia das escolas que fazem delas lugares de decisão curricular e dos professores agentes activos na configuração desse currículo, em vez de meros receptores e consumidores do que por outros é prescrito e delineado”.

O currículo é concebido segundo um modelo de escola sociocrítica, ou seja, orientado para uma formação global do aluno, criando condições que facilitem a aquisição de conhecimentos e também a realização de uma escola inclusiva, bem como a aquisição e desenvolvimento de competências inerentes ao exercício duma cidadania activa.

4 O Decreto-lei 6/2001, no artigo 2º define currículo nacional como “o conjunto de aprendizagens e competências a desenvolver pelos alunos ao longo do ensino básico, de acordo com os objectivos consagrados na Lei de Bases do

Importa, assim, pensar e gerir o currículo atendendo a quatro vectores essenciais: diferenciação e adequação curricular; contextualização curricular; multiculturalidade; aquisição de competências.

A diferenciação e adequação curricular passam pela capacidade de diversificar e adaptar “o conjunto articulado de procedimentos pedagógico- didácticos que visam tornar acessíveis e significativos, para alunos em situações e contextos diferentes, os conteúdos de aprendizagem propostos num dado plano curricular” (Roldão, 1999: 58)

Por contextualização curricular entende-se a adaptação do currículo nacional às especificidades do meio em que a escola está inserida, o que pressupõe, como já referimos, uma gestão local do currículo.

A multiculturalidade e diversidade, características da sociedade actual, exigem que a escola reconheça e aceite essa diversidade, pois se queremos uma «escola para todos» e não apenas para o «cliente ideal», temos, como refere Leite (2003: 23),

“de aceitar o desafio de prever e conceber diferentes processos e meios de ensinar, para que se criem condições onde todos se sintam reconhecidos, respeitados e dispostos a aprender, conhecendo e reconhecendo outros de si diferentes”.

A aquisição de competências será o ponto de partida para o desenvolvimento de experiências educativas que proporcionem um desenvolvimento gradual do aluno ao longo do seu processo educativo.

Actualmente, começou a estabelecer-se uma associação entre currículo e projecto, na medida em que o projecto reúne um conjunto de características que se identificam com o que se espera que o currículo seja capaz de ser: um corpo de aprendizagens que se (re)definem para que sejam alcançadas por todos a que se destinam. Também o projecto encerra em si a ideia de um conjunto de experiências de aprendizagem que se pretendem implementar em determinado contexto e com determinado grupo de alunos. O projecto é aqui equacionado como planificação, como algo que dá corpo ao corpo de aprendizagens que se

Neste sentido, Zabalza (1992) defende a concepção de currículo assente na filosofia dos projectos, considerando que o projecto constitui uma forma de pensar a educação numa perspectiva de envolvimento numa acção colectiva e não numa óptica de trabalho individual.

Esta ideia de currículo refere-se ao processo dinâmico da construção de saberes, em que os agentes do currículo, professores e alunos, são construtores e não consumidores.

Nesta concepção de currículo, está patente a ideia de uma «escola curricularmente inteligente», veiculada por Leite (2003)5, associada à ideia de “autonomia escolar e dos professores, significando essa autonomia um maior conhecimento do contexto em que se está inserido e dos objectivos que se desejam para a acção” (Leite, 2003: 125). Nesta concepção de escola e de currículo, não há lugar para o trabalho apenas desenvolvido isoladamente na sala de aula, esquecendo os outros professores, os recursos e os diferentes parceiros educativos. Nesta perspectiva, “o perfil do professor actual é o de um profissional apetrechado com os instrumentos teóricos, técnicos e práticos que lhe permitam desempenhar uma prática reflexiva, capaz de dar resposta à diversidade de exigências com que é confrontada a escola de hoje e do futuro” (Alonso, 2003: 173).

As concepções da escola e do currículo prevalecentes em diferentes épocas têm influenciado o que se espera que o professor seja capaz de fazer, o papel que deverá assumir perante a escola. Deste modo, e segundo Gómez e Sacristán (1993), tem-se perspectivado a função do professor como:

a) artesão, ligada à ideologia que concebia o ensino como uma actividade artesanal;

b) técnico, estritamente relacionada com o ensino como uma ciência aplicada;

5 Leite (2003: 124), considera como uma «escola curricularmente inteligente» uma instituição que promove

práticas onde se desenvolvem a criatividade e competências cognitivas afectivas e sociais; uma instituição que não depende unicamente de uma gestão exterior porque nela ocorrem processos de tomada de decisão participados pelo colectivo escolar e processos de comunicação real que envolvem toda a comunidade

c) profissional autónomo, que investiga reflectindo sobre a sua prática, função intimamente ligada com a actual visão do ensino, centrado numa actividade crítica e reflexiva.

Na escola actual, o professor é constantemente chamado a tomar decisões curriculares, o que implica estar em permanente processo de observação, interpretação e (re)construção de significados da realidade, sobre a qual actua e procura transformar positivamente. O currículo é, como refere Roldão (1999), aquilo que os professores fizerem dele. Sobre este assunto, Zabalza (1997) considera que o professor necessitará de ter uma visão panorâmica do ensino, assumindo um papel num processo com sentido, tendo em conta as particularidades de cada escola. As decisões curriculares deverão variar em função do desenvolvimento dos alunos, das suas características, do tipo de escola, da hierarquia das necessidades e prioridades concebidas no projecto educativo de escola.

A capacidade reflexiva do professor parece apontar para a eficiência do seu desempenho profissional. Com efeito, segundo Zeichner (1993: 18),

“os professores que não reflectem sobre o ensino aceitam naturalmente esta realidade quotidiana das suas escola e concentram os seus esforços na procura dos meios mais eficazes e eficientes para atingirem os objectivos e para encontrarem soluções para os problemas que outros definiram no seu lugar. É frequente estes professores esquecerem-se de que a realidade quotidiana é apenas uma entre muitas possíveis, e que existe uma série de opções dentro de um universo de possibilidades mais vasto. Assim, perdem muitas vezes de vista as metas e os objectivos para os quais trabalham, tornando-se meros agentes de terceiros. Existe mais de uma maneira de abordar um problema. Os professores não reflexivos aceitam automaticamente o ponto de vista normalmente dominante numa dada situação”

O papel do professor reflexivo poderá ser preponderante na promoção da mudança e inovação, tornando-se, por isso imperativo que a formação de professores fomente nos professores a capacidade de adquirirem um pensamento

Garcia (1992) reconhece no professor reflexivo três atitudes face ao ensino:

1- a mentalidade aberta, que se prende com o estar atento, escutar e respeitar diferentes perspectivas, o examinar e investigar o que se passa à sua volta na sala de aula;

2- a responsabilidade intelectual, isto é, saber considerar as consequências de um acto projectado;

3- o entusiasmo, essencial para lutar contra a rotina.

O professor reflexivo pressupõe uma escola também ela reflexiva. A este propósito, Alarcão (2000) refere que a construção de uma escola reflexiva é constituída pelo pensamento e capacidade de reflexão dos seus professores, deixando

para traz o individualismo e assumindo-se como parte activa do todo colectivo, construindo com os outros objectivos comuns. Assim,

“a escola em desenvolvimento e aprendizagem cria-se pelo pensamento e prática reflexiva que permanentemente acompanham o desejo de compreender a razão de ser da sua existência, as características da sua identidade própria, os constrangimentos que a afectam e as potencialidades que detem” (Alarcão, 2000: 17).

Em síntese, poderemos dizer que o fulcro da mudança educativa que hoje se vive em Portugal prende-se com o facto de, apesar da organização curricular continuar na lógica das disciplinas, o currículo não se esgotar nelas, sendo necessário que a escola integre novas aprendizagens que ultrapassem os limites de uma só disciplina. Por outro lado, o currículo deixou de ser integralmente decidido pelo poder centrar, sendo dada à escola margem de manobra na sua gestão. Cabe, assim, a cada escola e a cada professor, a apropriação do currículo nacional e a sua adequação à realidade de cada organização escolar e de cada aluno, rompendo com a tradicional cultura de individualismo, característica da profissão docente, e adoptando uma outra forma de cultura docente, baseada na

participação activa de todos os intervenientes no processo de ensino/aprendizagem.

No capítulo seguinte, iremos centrar-nos no estudo da cultura, principalmente no que concerne à cultura docente.