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Capítulo I – Mudança, Inovação e Resistências

5. Mudança, Conflito e Resistências

Como vimos anteriormente, a grande necessidade de mudança nas escolas deve-se, fundamentalmente, aos novos desafios impostos pela sociedade do século XXI: integração económica global, competitividade, evolução tecnológica, etc. Estes desafios conduzem, necessariamente, a uma mutação do papel do professor, tornando-o o responsável pela reconstrução nacional, tendo ele próprio de ser mais autónomo em relação ao próprio Estado. Estas mudanças são definidas por Hargreaves (1998: 6) como “mudanças de ramo: mudanças de prática, significativas mas específicas, que os professores podem adoptar, adaptar, ou às quais podem resistir e/ou rodear à medida que elas vão surgindo”.

A mudança educativa está, inevitavemente, cheia de contradições e dilemas, encontrando-se, como refere Sebarroja (2001: 41), perante conceitos contrapostos: certeza e incerteza, realidade e utopia, liberdade e igualdade, autonomia e controlo, risco e segurança, etc.

Por conseguinte, no processo de inovação e mudança na escola, o conflito é inevitável. No entanto, este facto não constitui de modo algum um obstáculo nem um travão à inovação. Pelo contrário, surge como

“algo natural e inevitável, perante o qual os responsáveis escolares devem estar preparados para o entenderem enquanto uma parte e um momento do processo global de funcionamento da organização” (Costa; 1998: 82)

obrigando a uma reflexão contínua, num clima democrático de negociação necessário para enfrentar e dirigir colectivamente as dicotomias. Deste modo, o conflito é realmente produtivo, dando vida à inovação.

Porém, o conflito também gera posições de inibição e de rejeição e, ao ser um foco de tensão e mal-estar, pode originar consensos falsos e prematuros que não favorecem a mudança.

Whitaker (1999: 123), para justificar o conflito nas organizações, apresenta- nos a teoria do icebergue. Com efeito, segundo este autor, os indivíduos de uma organização comparam-se a icebergues no mar. Cerca de nove décimos de um icebergue estão debaixo de água, o mesmo se passando com cada indivíduo. Assim, só as cabeças ficam acima da linha de água, acenando, falando uns para os outros de forma distante, fria e educada. Realmente, abaixo da linha de água, os icebergues colidem uns com os outros, gerando, por vezes consequências nefastas. Também, para grande parte dos indivíduos, o verdadeiro fulcro das relações encontra-se debaixo da superfície. É lá que antipatias, medos, desconfianças, frustrações... se encontram submersas. É, pois, necessário que o nível das águas baixe de modo a expor, discutir e resolver estas questões que doutro modo poderão revelar-se contraproducentes e prejudiciais.

Consideramos que esta metáfora se enquadra perfeitamente na teoria do conflito e no que se passa nas nossas escolas em situação de mudança

É, pois, preciso que os professores se eduquem “no e pelo conflito através do diálogo e do reconhecimento do outro como sujeito” (Sebarroja, 2001: 40), pois, defrontar os conflitos é importante para provocar a mudança e, através dum processo negocial, fortalecer a autonomia e a cooperação.

Neste processo de mudança, encontramos, indubitavelmente, professores que encaram a mudança como uma ameaça, defendendo os métodos mais tradicionais com os quais se sentem bem, não considerando importante ou necessário inovar. “Ao discutir uma tentativa ou mesmo a implementação de uma mudança na Escola, surgem, com certeza, questões relativas às dificuldades e à viabilidade dessa mesma mudança” (Lima, 1995: 81). Deste modo, os professores podem

“estagnar ou atrasar a mudança com a desculpa de que não têm tempo, de que já foi experimentada antes e não resultou e que por isso não irá resultar agora ou que os alunos ainda não estão preparados para tal.” (Day, 2001: 155)

A resistência à mudança, segundo Esteve (1991: 99), pode surgir através de factores que provocam tensões ligadas a sentimentos e emoções negativas e que estão directamente ligados à acção do professor na organização escola e mais propriamente à sala de aula, transformando as condições em que executam o seu trabalho e que constituem a base do «mal estar docente» – são considerados os factores de primeira ordem; os factores de segunda ordem afectam indirectamente a motivação e a implicação do actor educativo e dizem respeito às condições ambientais e ao contexto em que se exerce a actividade docente.

Também Sebarroja (2001: 34) refere que “as resistências à mudança são de natureza muito variada” considerando, entre outras, a debilidade das relações interpessoais e democráticas, a falta de compromissos firmes para compartilhar objectivos e projectos comuns, os conflitos, as tensões e inércia que dificultam a colocação de alternativas e a criação de expectativas, a ausência de planificação e coordenação, a aplicação homogeneizada da inovação sem ter em conta todo o contexto organizacional e pedagógico da escola, o grau de disponibilidade e de

implicação dos professores e a rigidez da organização e gestão das escolas, dos espaços e tempos escolares.

O mesmo autor destaca ainda outros factores que dificultam ou desvirtualizam as inovações:

 resistências e rotinas dos professores – as práticas rotineiras são um elemento de resistência à inovação, propiciando segurança, comodidade e tranquilidade;

 individualismo e corporativismo interno – o individualismo, associado à metáfora da aula como caixa de ovos, é uma atitude de isolamento pessoal, de rejeição da crítica e da reflexão sobre a prática, sendo uma característica que dificulta a mudança;

 pessimismo e mal-estar docente – muitos professores sentem-se cansados e descontentes perante o leque de funções e tarefas que lhes são cometidas cada vez mais alargado, bem como as mutações do conhecimento e da educação, desenvolvidas, por vezes, em situações difíceis ou desconhecidas. Tudo isto gera atitudes pessimistas e derrotistas por parte dos professores, que não querem nem ouvir falar de inovações;

 efeitos perversos das reformas do sistema educativo – muitas reformas falham na sua excessiva regulação e burocratização, o que condiciona a autonomia e a criatividade dos docentes e, por conseguinte, o desenvolvimento da mudança;

 saturação e fragmentação da oferta pedagógica – as escolas são inundadas de ofertas de todo o tipo de produtos: enciclopédias, produtos tecnológicos, visitas de estudo, cursos..., ofertas essas feitas de tal forma desgarrada e fragmentada que os professores, por falta de tempo para as analisar, não conseguem articular com os projectos inovadores;

 divórcio entre a investigação universitária e a prática escolar - frequentemente, o que se investiga nas universidades está pouco ligado

Ao debruçar-se sobre este assunto, Santos (2000: 28) distingue e divide as características que retraem a mudança em obstáculos externos, que impedem as mudanças de entrarem no sistema da escola, e obstáculos internos, que evitam que a mudança se produza de dentro para fora, conforme sintetizamos no quadro 1.

Adaptado de Santos (2000)

Quadro 1 - Características que retraem a mudança

Além destes, considera ainda os obstáculos de divulgação, que não deixam que as novas ideias se divulguem no interior do sistema, nomeadamente, a hierarquia e estatutos diferenciados e a ausência de normas e comunicação.

Segundo Morrish (1981: 69-70), todas as instituições e organismos têm tendência para alcançar, manter ou readquirir o estado de equilíbrio, o que é talvez uma maneira de preservarmos a nossa identidade, carácter e cultura (...), tendendo os indivíduos a resistir com mais força nos pontos onde as pressões de mudança se fazem sentir com mais insistência. Na nossa perspectiva, esta teoria ainda hoje se adequa à realidade das nossas escolas dadas as características inerentes ao modelo burocrático ainda nelas vigente, nomeadamente, como refere

Obstáculos Externos Obstáculos Internos

– Resistência à mudança originada no meio circundante

– Dificuldade dos agentes exteriores em compreender a mudança.

– Centralização excessiva.

– Atitude defensiva dos professores

– Ausência de agentes externos que estimulem a mudança

– Ligação incompleta entre a teoria e a pratica. – Base cientifica subdesenvolvida

– Conservadorismo – Isolamento profissional

– Confusão de objectivos

– Falta de valorização e recompensa rara a inovação

– Uniformidade de enfoques – Escasso investimento

– Conhecimentos parcelares insuficientes – Insuficiência de instrumentos tecnológicos e

financeiros

– Dificuldade com o diagnóstico dos pontos fracos

– Atenção centrada em objectivos imediatos – Passividade

Costa (1998), o centralismo normativo, a hierarquização, a regulamentação pormenorizada e obsessão por documentos escritos, a previsibilidade...

Lima (1995: 24) afirma que as resistências à mudança que a Escola provoca “serão tanto maiores quanto mais brusca e profunda for a mudança a nível político-ideológico, bem como as diferenças sociais, culturais e económicas que existam na sociedade”.

Para que a mudança possa vir a ser implementada de forma eficaz, sem resistências, e seja sinónimo de inovação, é necessário que os professores acreditem que podem ser os agentes de mudança, por excelência, o que passa pela apropriação do currículo nacional e a sua adequação e flexibilização de acordo com as características da escola e da sala de aula. O currículo, questão central do sistema educativo, é o assunto de que falaremos no capítulo seguinte.