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Anotações sobre o Grande Prêmio Bienal e a difusão da arquitetura

A proposta de um panorama atual das Bienais de arquitetura latino-americanas, baseadaem um conjunto de projetos destacados e reconhecidos por meio de um prêmio, constitui-se, apenas e tão somente, uma possibilidade dentro do infinito leque de probabilidades e abordagens que suscitam essas mostras de arquitetura; seja pela vastidão das informações que nelas circulam, seja pela tradição já consolidada, que, com os anos, as coloca como referência especial tanto nas regiões onde elas acontecem quanto no plano continental e global. A nossa atenção particular pelas obras laureadas com os máximos Prêmios Bienais, como parte dessas práticas disciplinares de difusão e promoção da arquitetura, salienta a possibilidade de se questionar alguns dos desdobramentos a que estas obras podem propiciar como as grandes protagonistas, alvo de atenção de um público que as venera e as mobiliza. Poderia, também, neste ponto, só para esclarecer, ressaltar que da mesma maneira que se propõe uma leitura a partir do máximo sucesso dos laureados, poder-se-ia falar não somente daquelas obras que recebem outros reconhecimentos dentro dos mesmos certames ou, ainda, daquelas que são recusadas, mas também de muitas obras que ficam apenas em fases preliminares de pré-seleção e, por fim, mas não menos importante, das obras que estão fora dos circuitos dos concursos Bienais e que constituem essencialmente a outra parte da produção arquitetônica contemporânea.

Esses circuitos de difusão em que ocorrem os grandes prêmios Bienais são, justamente, onde se dão a materialização de atribuição de valores que representam o exemplo da “boa arquitetura”1, da arquitetura autoral. Nesse contexto, os membros do júri balizaram esses valores considerando-os, ora como produto de consensos entre a comunidade arquitetônica, ora como resposta às temáticas especificas que as Bienais determinam para as atividades e para os seus participantes ou, ainda, por critérios compactuados no decorrer dos processos de deliberação próprios de cada concurso. A ampla repercussão midiática, que estas obras premiadas adquirem durante estes eventos, as colocam geralmente como os fatos mais relevantes nas programações das Bienais, tornando-se o alvo principal

1 Esta referência é dada por Vargas, para se referir a um dado entendimento sobre os atributos da obra

arquitetônica, que, necessariamente, envolvem o discurso do arquiteto. Consultado em: Trascendencia de las

Bienales en la Difusión de la Arquitectura Contemporanea Mexicana. Disponível em: <http://www.usjt.br/arq.urb/numero_06/arqurb6_04_artigo_07_concepcion_vargas.pdf> Acesso em: 20 Fev. 2017.

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do evento, por vezes, silenciando outras atividades que têm lugar na organização da Bienal ou, inclusive, desviando a atenção do desenvolvimento da mesma. Isso é muito mais palpável quando se olha a partir da veiculação dessas obras. De uma parte, a difusão das obras acontece, por vezes, nas memórias que algumas das Bienais disponibilizam à maneira de publicações ou catálogos que documentam cada Bienal. Portanto, elas circulam usualmente nos círculos acadêmicos e profissionais. Por outra parte, os que predominantemente são os responsáveis pelo papel que cumprem na ação difusora são a mídia especializada como sites, blogs, revistas, jornais, entre outros espaços, geralmente da área da arquitetura, cujo acompanhamento comparece desde as aberturas das convocatórias até a obtenção dos resultados, que se traduzem principalmente na difusão dos seus respectivos ganhadores. Embora, como foi visto no capítulo anterior, algumas das Bienais incursionam-se na difusão desses resultados, mediante exposições itinerantes, abertas a outros públicos. Então, é perante esses espaços, onde se concretizam a sua máxima legitimação, após terem merecido o reconhecimento, e ainda mais quando se trata daquele mais representativo, o qual sintetiza e põe em foco a atenção para uma determinada proposta arquitetônica. Na maioria dos casos esta corresponde a uma obra construída, mas que pode também abranger, de maneira polêmica, como foi visto, outros tipos de propostas, que saem da materialidade da obra construída para atender no âmbito do projeto e da pesquisa.

A natureza predominantemente visual dessas mostras de arquitetura envolve o universo das representações de projeto. Sobre essa realidade representada constrói-se a aproximação, o entendimento e a avaliação da obra, ao mesmo tempo em que permite mobilizá-la como obras laureadas. Junto a essa transmissão de imagens das obras, acostumam aparecer também os recursos discursivos ou descritivos, cujo objetivo é contribuir, como suporte, no entendimento das obras. Como foi percebido na coleta de material que faz parte deste capítulo, este entendimento corresponde à sínteses descritivas, feitas pelos mesmos autores dos projetos; as apreciações descritivas, sustentadas na avaliação do júri e publicadas pelos organizadores das Bienais; ou, as pequenas notas editoriais que referenciam a narrativa do projeto apresentado. Cabe notar que a construção desses textos situa-se nos atributos da obra reconhecida, e, dentro dessa coerência adjetiva-se e pondera-se, notoriamente, as suas qualidades estéticas, plásticas, projetais, técnicas, ou aquelas que, no ajuizamento do seu autor e, essencialmente na avaliação do júri, melhor descrevem essas arquiteturas. Todavia essas informações não deixam de serem desprovidas de algum tipo de questionamento ou julgamento crítico que as posicione ou as aprofunde, superando o rótulo de serem, simplesmente, as obras premiadas. Elas continuam a se mobilizar dentro de uma certa blindagem que as coloca em uma plataforma privilegiada, sugerindo, claramente, estarem cumprindo com os consensos de um júri avaliador, e cujo parecer, acunhado no renome do grande prêmio, as torna referências midiáticas das

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tendências e preocupações das últimas produções arquitetônicas. Porém, também deixam entrever os possíveis riscos, pela maneira como esses atributos são mobilizados, isto é, como uma realidade difusa e totalizadora da produção arquitetônica, toda vez que eles são mobilizados sem o acompanhamento e sem a resposta da crítica arquitetônica especializada, mas sim pelas venerações dos próprios meios de divulgação midiática.

Não se pode negar o papel do marketing, implícito na filosofia dessas mostras e concursos, uma vez que ela se reflete, em diversos âmbitos, a saber, nas práticas publicitárias que divulgam as arquiteturas laureadas, nos esforços preliminares de sua organização, na cobertura de seu desenvolvimento e, naturalmente,na necessidade tácita de ampliar seus públicos, extrapolar barreiras geográficas e garantir a sua permanência no tempo, como peças-chave na comunicação arquitetural. Nesse tratamento publicitário, em que circulam os projetos laureados, discorrem questionamentos éticos atinentes à profundidade das informações mobilizadas, nas quais, como se observou, no decorrer desta pesquisa, correspondem majoritariamente às imagens dessas obras, nas quais a fotografia é a representação que coloniza a promoção delas. A fotografia, nesse sentido, transformou- se, também, no meio mais eficaz e comum capaz de atender a outros públicos que carecem da formação no entendimento das representações de arquitetura.

Mas, assim como é possível evidenciar, nos âmbitos especializados, uma expressa presença, na concorrência, dos projetos vencedores do Grande Prêmio Bienal, notou-se, também, uma conduta contrária, que torna algumas obras ausentes, no interior desses meios, mesmo compartilhando a condição de ganhadores do máximo prêmio. Referimo-nos, nesse sentido, à facilidade e à acessibilidade que podemos ter às informações dessas obras de arquitetura premiadas, cujo grande protagonismo circula perante o universo das imagens que envolvem a divulgação dessas realizações. Então, a dita presença, ou ausência, em termos da divulgação das obras vencedoras, vai depender, de alguma maneira, desse sucesso mediático, garantido pelo acesso às suas representações. Consequentemente, o pouco comparecimento dentro dessas mídias estaria relacionado, entre outras coisas, no caso específico das Bienais, ao baixo impacto e ao pouco interesse das mídias especializadas. Isto foi reparado nos processos de identificação e coleta de dados, já que, ao contrário do alto protagonismo e do acesso que tem certa produção laureada com uma ampla repercussão e divulgação na mídia, outras obras dificilmente existiam, como dado, nos circuitos de informação, embora compartilhem essa condição de premiadas e, inclusive, pertençam às mesmas datas.

No que diz respeito ao recorte temporal proposto, reconheceu-se os processos particulares de cada Bienal, relacionados com as suas motivações, especificidades e com tempo em que estas práticas tem tido lugar, levando-se em conta, também, os conceitos próprios das realidades que cada uma delas envolve. Algumas Bienais mais recentes, outras, de longa data, todas elas passam por processos

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similares, sob o olhar atual, pelo qual a nossa aproximação delineou apenas o compreendido aos últimos dez anos. Esse olhar contemporâneo traz consigo questões como o aumento sem limites da divulgação da arquitetura nos últimos anos e o protagonismo pleno que a imagem da arquitetura tem adquirido nessas práticas de divulgação2. Como já foi mencionado, às particularidades de cada evento

equivalem às últimas cinco Bienais, ver tabela 2 pagina 87, cuja versão mais antiga corresponde a do ano 2000, na Bienal Internacional de Santo Domingo3 e a mais recente, em 2015,no caso das Bienais

Internacional de Buenos Aires e a Bienal de Arquitetura do Chile.

Outro aspecto também relevante, para falarmos sobre esses prêmios, é a sua feição de novidade. Isto se aplica a todas as obras que participam nas categorias de obras construídas, com a exceção daquelas que, como veremos mais adiante, premiam projetos não construídos4 ou outro tipo

de produções arquitetônicas; obras que predominantemente não superam os dois anos de construídas. Embora existam os casos de Bienais como da Colômbia ou de Porto Rico que permitem submeter obras com um limite maior de tempo, cinco ou oito anos, não deixa de ser um período pouco significativo para que uma obra consiga sedimentar-se nas dinâmicas próprias de seu entorno e do lugar que ela cria, como comentado por Sanchez5. Pouco tempo há para que uma obra entre nos

necessários embates da crítica e na comparação com as outras obras produzidas nessa fase temporal. Somado a isto, também há o caráter instantâneo que contempla a dinâmica do prêmio, cujo fim último parece não superar o antagonismo do seu simples reconhecimento. Quando esses concursos finalizam uma de suas versões, sobra muito pouco tempo para as autorreflexões, e se torna quase inexistente o espaço para o olhar crítico sobre as obras ganhadoras. Quando o tempo tiver passado, e, com ele, o silencio dos cartazes, das entrevistas com os seus designers, dos likes nos sites, e as imagens tenham se esfumado, de alguma maneira, em nosso repertório referencial, com que somos instigados constantemente, seria talvez um momento oportuno para voltar a essas obras e encará-las para além

2 Com respeito a esse aumento recente da difusão arquitetônica, coincidem os autores Silvia Arango (Colombia),

Manuel Sanchez (Espanha) e Concepción Vargas (México), quando situam esse aspecto dentro da contextualização das Bienais de Arquitetura.

3 Assinala-se que, nessa Bienal da República Dominicana, as edições dos anos 2004 e 2006 foram interrompidas,

obrigando-nos a citar a bienal mais próxima, a de 2000.

4 A entrega da maior distinção em algumas das Bienais onde se identificou esse prêmio restringe-se às obras de

arquitetura construídas, embora em outras bienais essa situação seja bem diferente, como no caso da Bienal internacional de Santo Domingo, na qual outorga-se esse prêmio a qualquer obra abrangida dentro de suas categorias, ou, também, no caso da Colômbia, em que, nas Bienais recentes (últimas duas, 2014-2016), este poderá ser entregue em qualquer dos ganhadores das oito categorias o que incluiria obras escritas.

5SANCHEZ, Manuel de Miguel. Veinte años de bienales españolas de arquitectura y urbanismo: Vanguardia y

Difusión de la Arquitectura. Volume 1 e 2. Alcalá de Henares: Departamento de Arquitetura /Universidade de Alcalá, 2014 [Tese de Doutorado]

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do momento de esplendor que esses reconhecimentos as apresentaram, por vezes, como meros objetos da visão.

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