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CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA CASO LAGRAND: ALEMANHA VS.

5.1. Antecedentes do caso

Em 07 de janeiro de 1982, as autoridades policiais do estado norte

americano do Arizona detiveram dois cidadãos alemães, KARL HINZE e WALTER

BERNHARD LAGRAND, pela tentativa de assalto à mão armada ao banco Valley

National Bank, na cidade de Manara. Morreu o gerente, KEN HARTSOCK, e sofreu

sérios ferimentos uma funcionária chamada DAWN LOPEZ. 129

Em 17 de fevereiro de 1984 ambos foram condenados por homicídio de primeiro-grau, tentativa de homicídio, assalto à mão armada e por duas acusações de seqüestro, logo na primeira instância, havendo sido representados por advogado dativo, por falta de condições financeiras para arcar com advogado de sua escolha. Ocorre que o advogado dativo não argüiu a violação da Convenção de Viena Sobre Relações Consulares de 1963, tampouco procurou por circunstâncias atenuantes ligadas à criação sob circunstâncias sociais extremas.

Em 14 de dezembro de 1984, os irmãos LAGRAND foram então

condenados à pena de morte por assassinato de primeiro grau, e por pena restritiva de liberdade pelos outros crimes. Foram detidos, julgados e condenados à morte sem terem sido oportunamente informados sobre o direito de assistência consular. Em 30 de janeiro de 1987 a Suprema Corte do estado do Arizona rejeitou os recursos de

apelação130, da mesma forma, a Suprema Corte dos Estados Unidos rejeitou o pedido

de Writ of Certionari 131. Outra tentativa de recurso perante a Suprema Corte do

estado do Arizona tampouco teve sucesso, negada em 1989 e em 1991132. Até então,

os irmãos ainda não conheciam seus direitos previstos no artigo 36 da Convenção. Foi apenas em junho de 1992, quando todas as vias legais estaduais tinham sido

129 Pouco depois de 8h00 do dia 7 de janeiro de 1982, Karl LaGrand e seu irmão, Walter, entraram no

Valley National Bank, em Marana. Armados com uma pistola de brinquedo, Karl tentou forçar Ken Hartsock, o gerente de 63 anos, para abrir o cofre. Hartsock não conseguia abrir o cofre porque ele não tinha a senha completa. Os irmãos, então, levaram Hartsock e Dawn Lopez, uma funcionária do banco, ao gabinete de Hartsock, e os amarraram. Depois de ameaçar Hartsock com um abridor de cartas, os irmãos começaram a bater nele. Hartsock morreu com 24 golpes. Tentaram matar Lopez golpeando-a por seis vezes, depois fugiram do banco. Informações disponíveis online em: <http://www.azcentral.com/specials/special32/articles/06240622EXElegrandkarl-ON.html> (acesso em 16/10/2009).

130 State v LaGrand (Walter), 734 P 2d 563 (1987); State v LaGrand (Karl), 733 P 2d 1066 (1987). 131 Karl LaGrand v Arizona, 484 US 872 (1987); Walter LaGrand v Arizona, 484 US 872 (1987). 132 501 U.S. 1259, 111 S.Ct. 2910, 2911, 115 L.Ed.2d 1074 (1991).

esgotadas, que o principal posto consular alemão tomou conhecimento do caso dos irmãos e, por eles próprios, de que haviam tomado conhecimento de seus direitos previstos no art. 36 da Convenção por outros meios, que não por informação das

autoridades do Arizona133. Em dezembro de 1992 funcionários consulares fizeram a

eles a primeira visita oficial. A partir daí, uma nova rodada de processo de habeas

corpus foi iniciada, referindo-se às violações da Convenção de Viena sobre Relações

Consulares de 1963.134

Em 24 de janeiro e 16 de fevereiro de 1995, o Tribunal Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Arizona (Federal United States District Court for

the District of Arizona) indeferiu o pedido de habeas corpus dos irmãos. Fora a primeira vez que se alegou a violação do artigo 36 da Convenção. O Tribunal fundamentou a decisão na doutrina de direito interno chamada “procedural default

doctrine”135 - porque os irmãos não reivindicaram seus direitos previstos no art. 36 da Convenção na instância criminal anterior, estadual, não poderiam fazê-lo em

procedimento federal de Habeas Corpus.136 Isto, muito embora fosse óbvio que os

133 No entanto, na audiência do Comitê de Misericórdia (Mercy Committee), em 23 de fevereiro de

1999, Procurador do Estado, Peasley, revelou que as autoridades do estado do Arizona tinha efetivamente conhecimento, desde 1982, que Karl e Walter LaGrand eram cidadãos alemães. No entanto, os Estados Unidos alegaram que pouco importa que desde 1982, funcionários da justiça (probation officers), ou autoridades da imigração, soubessem da nacionalidade alemã dos irmãos, porque essas não seriam as autoridades competentes, conforme a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963. In: Sentença - LaGrand (Alemanha v. Estados Unidos da América), 27 de junho de 2001 – Corte Internacional de Justiça, par. 16.

134 LAGRAND (Germany v. United States of America), ICJ Reports of Judgments, Advisory

Opinions and Orders, 27/06/2001, par. 22.

135 "Is a federal rule that, before a state criminal defendant can obtain relief in federal court, the

claim must be presented to a state court. If a state defendant attempts to raise a new issue in a federal habeas corpus proceeding, the defendant can only do so by showing cause and prejudice. Cause is an external impediment that prevents a defendant from raising a claim and prejudice must be obvious on its face. One important purpose of this rule is to ensure that the state courts have an opportunity to address issues going to the validity of state convictions before the federal courts intervene." O “United States District Court for the District of Arizona” considerou que os irmãos não haviam demonstrado um fator externo objetivo que os prevenisse de alegar a violação da Convenção antes, o que foi confirmado pelo “United States Court of Appeasl Ninth Circuit”. Em 02 de novembro de 1998 a Suprema Corte dos Estados Unidos negou ulterior revisão desse julgamento. LAGRAND (Germany v. United States of America), ICJ Reports of Judgments, Advisory Opinions and Orders, 27/06/2001, parág, 23.

136 LaGrand v Lewis, 883 F Supp 451 (Ariz, 1995); LaGrand v Lewis, 883 F Supp 469 (Ariz,1995).

Os parágrafos 32 e 33 referem assim: É indiscutível que o Estado do Arizona não notificou o LaGrands dos seus direitos ao abrigo da Convenção. Também é indiscutível que esta alegação não foi levantada em qualquer procedimento estatal. A afirmação é, portanto, “procedurally defaulted” (tradução livre). Podemos abordar os méritos de uma ação “procedurally defaulted” se o requerente demonstrar a causa para a procedural default e prejuízo real como resultado de supostas violações de lei federal.Bonin v. Calderon, 77 F.3d 1155, 1158 (9th Cir.), cert. denied, 516 U.S. 1143, 116 S.Ct.

irmãos não conheciam esses direitos naquela fase processual – porque as autoridades do Arizona deixaram de lhes informar a tempo.

KARL E WALTER LAGRAND foram formalmente notificados pelas autoridades competentes dos Estados Unidos sobre seus direitos de assistência consular em 21 de dezembro de 1998 – aproximadamente 15 anos após suas condenações à pena de morte. Em 15 de janeiro de 1999 a Suprema Corte do Arizona

marcou a execução de KARL HINZE para o dia 24 de fevereiro de 1999, e a execução

de seu irmão WALTER BURNHART para o dia 03 de março de 1999. Uma petição

subseqüente foi apresentada à Suprema Corte do Arizona, mas o certiorari foi negado. Outros procedimentos em fevereiro de 1999 foram novamente sem

sucesso137, além de tratativas diplomáticas entre os governos da Alemanha e dos

Estados Unidos.138 Não havia nenhum mecanismo jurídico interno efetivo capaz

remediar esta situação, haja vista a doutrina de direito interno, a doctrine of

procedural default.139

980, 133 L.Ed.2d 899 (1996). Para demonstrar a causa, o requerente deve demonstrar a existência de "algum fator objetivo externo à defesa que tenha impedido os esforços do advogado para dar cumprimento à regra processual do Estado.Murray v. Carrier, 477 U.S. 478, 488, 106 S.Ct. 2639, 2645, 91 L.Ed.2d 397 (1986); see also McCleskey v. Zant, 499 U.S. 467, 497, 111 S.Ct. 1454, 1471- 72, 113 L.Ed.2d 517, reh'g denied, 501 U.S. 1224, 111 S.Ct. 2841, 115 L.Ed.2d 1010 (1991) (a causa é um impedimento externo, como a interferência do governo ou indisponibilidade razoável de base factual da alegação). Na falta de causa e prejuízo e, talvez, possamos considerar reivindicações “processualmente barradas” se, ao fazê-lo, implicasse na condenação ou a execução de “quem é realmente inocente”. Schlup v. Delo, 513 U.S. 298, 321, 115 S.Ct. 851, 864, 130 L.Ed.2d 808 (1995).

137 LaGrand v Stewart, 525 US 971 (1998) e LaGrand v Stewart, 170 F 3d 1158 (9th Cir, 1999);

LaGrand v Stewart, 173 F 3d 1144 (9th Cir, 1999); Stewart v LaGrand, 525 US 1173 (1999).

138 Particularmente os Ministros da Justiça e das Relações Exteriores da Alemanha escreveram para

seus colegas norte americanos em 27 de janeiro de 1999; no mesmo dia, o Ministro das Relações Exteriores alemão escreveu para o Governador do Arizona; o Chanceler alemão escreveu para o presidente Bill Clinton em 05 de fevereiro de 1999, referindo-se, no entanto, às penas capitais em geral, e não a questão sobre a falta de notificação consular, o que foi referido em carta posterior, enviada à secretário de estado norte americana em 22 de fevereiro de 1999, dois dias antes da execução de Karl Hinze.

139 Esta é uma regra rigorosa da lei federal americana que emergiu da divisão federal dos poderes, que

impede que um réu obtenha benefícios em tribunais federais, via o remédio do habeas corpus, a menos que o pedido tenha sido apresentado a um tribunal estadual (“É um princípio bem estabelecido do federalismo, que uma decisão do estado que repousa em uma base adequada de fundo na lei estadual é imune a revisão nos tribunais federais”: Wainwright v. Sykes, 433 E.U. 72, 81 (1977)). O remédio baseado em novo pedido feito perante um Tribunal Federal é deferido apenas se a nova argüição puder mostrar que um impedimento externo impossibilitou o pedido de ser feito a um tribunal estadual ("causa") e prejuízo. US Code Collection. Title 28 (Judiciary and Judicial Procedure)> Part VI (Particular Proceedings)> Chapter 153 (Habeas Corpus)> § 2254 (State custody; remedies in Federal courts): (b) (1) An application for a writ of habeas corpus on behalf of a person in custody pursuant to the judgment of a State court shall not be granted unless it appears that: (A) the applicant has exhausted the remedies available in the courts of the State; or; (B) (i) there is an absence of available State corrective process; or (ii) circumstances exist that render such process ineffective to

Em 23 de fevereiro de 1999, o “Arizona Board of Executive

Clemency” rejeitou um pedido de clemência de KARL HINZE. Pela lei interna do

estado, isso significa que o Governador ficara impedido de conceder a Clemência.140

No mesmo dia, nova tentativa de recurso baseada na falta de notificação consular foi negada pelo “Arizona Superior Court in Pima County”. Em 24 de fevereiro de 1999,

no dia da execução de KARL, o “United States Court of Appeals Ninth Corcuit”

confirmou que a falta de notificação não podia ser alegada, haja vista a regra de

direito interno, chamada “doctrine of procedural default”.141

KARL LAGRAND foi executado em 24 de fevereiro de 1999, por

injeção letal142, após algumas tentativas diplomáticas frente ao “Comitê de

Misericórdia do Arizona” (Arizona Mercy Commitee), pedidos de clemência, para evitar a execução da sentença de morte, em violação crassa de Direito Internacional.

A data da execução de WALTER LAGRAND, cujo método, escolhido por ele, seria o da

câmara de gás letal, já estava marcada para o dia 03 de março de 1999, ou seja, no protect the rights of the applicant. (2) An application for a writ of habeas corpus may be denied on the merits, notwithstanding the failure of the applicant to exhaust the remedies available in the courts of the State. (3) A State shall not be deemed to have waived the exhaustion requirement or be stopped from reliance upon the requirement unless the State, through counsel, expressly waives the requirement. (c) An applicant shall not be deemed to have exhausted the remedies available in the courts of the State, within the meaning of this section, if he has the right under the law of the State to raise, by any available procedure, the question presented.

140 No mesmo dia, Walter teve outro pedido baseado na falta de notificação consular negado pelo

“Arizona Superior Court in Pima County”, com base na “doctrine of procedural default”. LAGRAND

(Germany v. United States of America), ICJ Reports of Judgments, Advisory Opinions and Orders, 27/06/2001, parágs, 25-28.

141 Karl LaGrand também alegou que a execução por gás letal constituía pena cruel e incomum. O

Tribunal Distrital concluiu que Karl LaGrand não tinha conseguido demonstrar a causa ou prejuízo, vigorando a regra da “doctrine of procedural default”. O Tribunal de Apelações reverteu a decisão. O Nono Circuito encontrou um prejuízo, e concluiu que a falha de Karl LaGrand ao não alegar a questão do método de execução por gás letal foi dispensado porque não havia nenhuma base legal ou de fato para o pedido quando ele exercia o apelo direto a um tribunal estadual. O prejuízo foi mostrado porque ele era agora confrontado com a execução de um método que o próprio Nono Circuito havia anteriormente considerado inconstitucional com base na Emenda Oitava. Supreme Court of the United States. Terry Stewart, director, Arizona Department of Corrections, et al. v. Walter LaGrand. On application to lift restraining order and petition for writ of certiorari to the Ninth Circuit Court of Appeals, March 3, 1999.

142 Ambos os irmãos escolheram a câmara de gás como método de execução, na esperança de que os

tribunais alegassem a inconstitucionalidade, em face da 8a Emenda, por se tratar de método cruel e incomum. Mas quando esta tática falhou, porque o 9º Circuito (9th U.S. 9th Circuit Court of Appeals) considerou que Karl havia escolhido a câmara de gás espontaneamente, mas encontrou um “prejuízo” na alegação dele, e determinou a suspensão da execução por esse método. Daí o Estado do Arizona recorreu à Suprema Corte que, por 8x1, reverteu a decisão do 9º Circuito. Karl LaGrand aceitou a oferta de última hora, em 24 de fevereiro, de receber então uma injeção letal. In: LaGrand v. Stewart, No. 99-99004, at 10—11 (CA9 February 24, 1999).

dia seguinte à data da apresentação da reclamação perante a Corte Internacional de Justiça.

5.2. Curiosidades sobre o caso: a condição social dos irmãos LaGrand nos