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A apresentação do contencioso pela Alemanha perante a Corte Internacional de Justiça e a ordem de medida provisória

CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA CASO LAGRAND: ALEMANHA VS.

5.3. A apresentação do contencioso pela Alemanha perante a Corte Internacional de Justiça e a ordem de medida provisória

Em 02 de março de 1999, exatamente 27 horas antes da data agendada

para a execução de WALTER, e depois que falharam todos os esforços, jurídicos e

diplomáticos, praticados pela Alemanha, para tentar impedir a execução de KARL

LAGRAND, ocorrida em 24 de fevereiro, a Alemanha apresentou pedido de

instauração de procedimento contencioso internacional na Secretaria da Corte Internacional de Justiça, contra os Estados Unidos, por violações da Convenção de

Viena sobre Relações Consulares de 1963.145 Basicamente, alegou que os Estados

Unidos violaram suas obrigações internacionais perante a Alemanha, diretamente, por conta da violação do artigo 36 da Convenção de 1963, e ainda indiretamente, ao violarem o instituto da proteção diplomática em nome de seus nacionais.

144 CERNA, Christina M., The right to consular notification as a human right, pp. 442 e 443. 145 Salienta-se que, nesta ocasião, a Corte Interamericana de Direitos Humanos ainda não havia

declarado em seu Parecer Consultivo n.º 16 de 01 de outubro de 1999, que a assistência consular compõe o corpus iuris dos direitos humanos. Daí talvez o motivo de a Alemanha, ao contrário do México, no ulterior caso Avena, instituído em 2001, pelo México, não ter alegado desde a inicial que se tratava de violação de um legítimo direito humano componente do devido processo legal.

Na mesma oportunidade da inicial, a Alemanha apresentou pedido urgente de ordem de Medida Provisória de Proteção com vistas à evitar a execução de WALTER, cuja execução estava marcada para o dia seguinte, 03 de março de 1999.

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No mesmo dia, o Arizona “Board of Executive Clemency” considerou

o caso de WALTER LAGRAND, contrário à comutação da sua pena de morte, mas

recomendando ao Governador para que concedesse 60 dias de suspensão à execução, haja vista a ação interposta pela Alemanha na Corte, o que foi negado pela

governadora JANE DEE HULL.147 O caso foi levado pela Alemanha à Suprema Corte

dos Estados Unidos, para buscar a aplicação interna da Medida Provisória concedida pela Corte Internacional de Justiça em 03 de março de 1999, em que ordenou os

Estados Unidos a tomar todas as medidas ao seu alcance para garantir que WALTER

LAGRAND não fosse executado enquanto se aguardava a decisão final no processo, e deveriam informar ao Tribunal da ONU todas as medidas que tomaram para a aplicação da ordem.

A Suprema Corte dos Estados Unidos declarou-se incompetente, devido à XI Emenda da Constituição, que proíbe tribunais federais de receberem

processos de Estados estrangeiros contra um estado norte-americano.148 Com relação

ao caso da Alemanha contra os Estados Unidos, declarou que a “doctrine of

procedural default” aplicava-se à alegação “tardia” Convenção de Viena de 1963, e que mesmo se essa regra processual interna entrasse em conflito com o tratado, teria

146 O pedido foi no sentido de que os Estados Unidos tomassem todas as medidas à sua disposição

para assegurar que Walter não fosse executado antes da decisão de mérito do caso, tendo em vista a extrema gravidade: “The United States should take all measures at its disposal to ensure that Walter LaGrand is not executed pending the final decision in these proceedings, and should inform the Court of all the measures which it has taken in implementation of that Order”. A segunda ordem foi a de o Governo Federal transmitir a odem de medida provisória ao governador do estado do Arizona. Request for the indication of Provisional Measures of Protection submitted by the government of the Federal Republic of Germany. Por carta, o Ministro das Relações Exteriores alemão pediu à Secretária de Estado norte americana para que insistisse com o governador do Arizona pela suspensão da execução de Walter.

147 A governadora fundamentou sua decisão com base na “justice” e nas vítimas: “I have carefully

weighed the recommendation from the Board of Executive Clemency. However, in the interests of justice and with the victims in mind, I have decided to allow the execution to go forward.” Disponível online em: < http://www.guardian.co.uk/world/1999/mar/04/julianborger> (acesso em 02/11/2010).

148 “The Judicial power of the United States shall not be construed to extend to any suit in law or

equity, commenced or prosecuted against one of the United States by Citizens of another State, or by Citizens or Subjects of any Foreign State”.

sido revogada pela lei federal posterior, a “Anti-Terrorism and Effective Death

Penalty Act of 1996”, que legislou explicitamente a doutrina da “omissão

processual”, a “doctrine of procedural default”.149

Em 03 de março de 1999, a Corte atendeu ao pedido urgente apresentado pela Alemanha quando do depósito da inicial. Foi a primeira vez que a

Corte emitiu ordem de Medida Provisória próprio motu150, tendo em vista a extrema

urgência e a presença de prejuízo irreparável, ou seja, sem ouvir a parte contrária – e sequer haveria tempo para isso. A Corte tomou o cuidado de esclarecer que o caso não dizia respeito ao direito interno dos estados federais dentro dos Estados Unidos, de aplicação pena de morte para os crimes mais hediondos, e reforçou sua função exclusiva de resolver litígios internacionais entre os Estados, inter alia, quando surgem da interpretação ou aplicação de tratados internacionais, e não de agir como

um “Tribunal Internacional de Apelação Criminal”.151

A Corte indicou unanimemente duas Medidas Provisórias de Proteção em favor da Alemanha. Primeiramente, ordenou que os Estados Unidos tomassem

“todas as medidas ao seu dispor” para suspender a execução de WALTER LAGRAND,

marcada para o dia seguinte, até a sentença final do caso no âmbito da própria Corte. Em segundo lugar, considerando que a responsabilidade internacional de um Estado é constatada pela ação dos órgãos competentes e autoridades do Estado, quaisquer que sejam, a Corte determinou que o governo norte americano teria, por conseguinte, a obrigação internacional de transmitir aquela Ordem ao governo do estado do

149 Nos Estados Unidos, assim como acontece no Direito brasileiro, uma legislação do Congresso

anula tratados anteriores conflitantes. U.S. Supreme Court (Federal Republic of Germany et. al. vs. United States et. al., 526 U.S. 111, per curiam).

150 O procedimento está previsto no artigo 75 do Regulamento da Corte Internacional de Justiça:

“Article 75: 1. The Court may at any time decide to examine proprio motu whether the circumstances of the case require the indication of provisional measures which ought to be taken or complied with by any or all of the parties. 2. When a request for provisional measures has been made, the Court may indicate measures that are in whole or in part other than those requested, or that ought to be taken or complied with by the party which has itself made the request. 3. The rejection of a request for the indication of provisional measures shall not prevent the party which made it from making a fresh request in the same case based on new facts”.

151 “Whereas the issues before the Court in this case do not concern the entitlement of the federal

states within the United States to resort to the death penalty for the most heinous crimes; and whereas, further, the function of this Court is to resolve international legal disputes between States, inter alia when they arise out of the interpretation or application of international conventions, and not to act as a court of criminal appeal.” LAGRAND (Germany v. United States of America), ICJ

Arizona, que, da mesma forma, deveria agir em conformidade com os compromissos internacionais assumidos pelos Estados Unidos.

A Alemanha recorreu à Suprema Corte norte americana para fazer valer a ordem da Corte Internacional de Justiça para tentar suspender a execução de WALTER LAGRAND, isso tudo a menos de duas horas antes da execução. O pedido foi

indeferido, e WALTER foi executado em seguida,152 pelo método cruel e incomum da

câmara de gás. 153 A Suprema Corte, em termos semelhantes aos do caso BREARD,

impôs inúmeros obstáculos de direito interno, como a doutrina que equivale ao nosso prequestionamento, “doctrine of procedural default”, que não era incompatível com a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, e mesmo que fosse, prevaleceria o disposto na lei federal posterior Anti-Terrorism and Effective Death

Penalty Act de 1996, que legislou a doutrina de maneira expressa (para fins de lei local, legislação do Congresso posterior anula tratados anteriores que possuam

conteúdo conflitante).154 Declarou-se incompetente no que diz respeito à causa da

Alemanha contra o estado do Arizona, referindo-se à XI Emenda da Constituição

americana. Acompanhando o parecer do Solicitor General155, a Suprema Corte

152 Federal Republic of Germany et. al. vs. United States et. al., 526 U.S. 111, per curiam. On

application for temporary restraining order or preliminary injunction and on motion for leave to file a bill of complaint No. 127, Orig. (A-736). Decided March 3, 1999.

153 Até o momento, WALTER LAGRAND foi o último homem a ser executado pelo método da câmara

de gás, pelo estado de Arizona, em 3 de março de 1999. Ele foi um dos apenas 11 prisioneiros mortos por esse meio bárbaro, entre as 1.099 execuções ocorridas até então, desde que a pena de morte fora restabelecida em 1976. Os Estados Unidos introduziram a câmara de gás como um método de execução no início do século XX. O primeiro prisioneiro do corredor da morte, executado com “ar envenenado” foi o imigrante chinês GEE JON, que morreu na prisão no Estado de Nevada em 1924. Em relação ao outros métodos em uso no momento - a cadeira elétrica, enforcamento, e pelotão de fuzilamento - o gás era considerada a forma mais “humana” de tirar a vida de uma pessoa. Disponível online em: < http://www.executedtoday.com/2008/03/03/1999-walter-lagrand/> (acesso em 15/10/2009). Corroboramos a informação em diversos sites de ONG’s americanas sérias como a Death Penalty information Center, disponível online em: <http://www.deathpenaltyinfo.org/> (acesso em 15/10/2009); TAYLOR, Rupert, Gas Chamber Execution, Hydrogen Cyanide Used to Kill in United

States, publicado na Suite101.com, em 29/09/2009, disponível online em: <http://peacesecurity.suite101.com/article.cfm/gas_chamber_execution> (acesso em 15/10/2009).

154 Federal Republic of Germany et. al. vs. United States et. al., 526 U.S. 111, per curiam.

155 Este ente, na cadeia hierárquica, vem em segundo após o “Advogado Geral da Uniao”, o

responsável pela fiscalização do cumprimento da lei e da administração da justiça. Ele apresentou uma carta pela qual se opôs a qualquer tipo de adiamento da execução de WALTER LAGRAND. Na sua opinião, a "Convenção de Viena não fornece uma base para suspender a sua execução", e questionou a força vinculativa de uma ordem da Corte Internacional de Justiça indicadora de medida provisória. O Advogado Geral acrescentou, porém, que ele "não teve tempo para ler a matéria completa nem para digerir o conteúdo." Supreme Court of the United States. No. 127, Orig. (A—736) The Federal Republic of Germany et al. v. United States et . On application for temporary restraining order or preliminary injunction and on motion for leave to file a bill of complaint, March 3rd, 1999.

encontrou outras “barreiras”, como a “imunidade soberana do país”, e ressaltou que a ação fora apresentada apenas duas horas antes da execução programada do alemão.

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