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A Opinião Consultiva Número 16, de 1º de outubro de 1999, e seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro

CONSULTIVA NÚMERO 16, DE 1º DE OUTUBRO DE 1999, SOLICITADA

ASSISTÊNCIA CONSULAR NO ÂMBITO DAS GARANTIAS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL

7.3. A Opinião Consultiva Número 16, de 1º de outubro de 1999, e seus efeitos no ordenamento jurídico brasileiro

O Brasil sofre influência direta da competência consultiva da Corte Interamericana de Direitos Humanos desde que a aderiu à Convenção Americana, em 25 de setembro de 1992. O reconhecimento do Brasil da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no entanto, foi aprovada pelo Congresso

Nacional por força do Decreto Legislativo no 89, de 03 de dezembro de 1998. Mas

foi o Decreto Presidencial nº. 4.463 de 8 de novembro de 2002, que finalmente promulgou a Declaração de Reconhecimento da Competência Obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, sob reserva de reciprocidade, em consonância com o artigo 62 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

Relações Consulares: 1) prestar assistência aos brasileiros que se acharem envolvidos em processos criminais; 2) estabelecer contatos com diretores de penitenciárias situadas em sua jurisdição e manter relação atualizada de presos brasileiro e andamento dos seus respectivos processos; 3) caso solicitado, servir de ligação entre os prisioneiros e suas famílias, seja no Brasil ou no exterior; 4) nos postos onde é elevado o número de prisioneiros brasileiros, inteirar-se das condições de saúde e das instalações onde estejam detidos e, ainda, instruir funcionário a visitar periodicamente os prisioneiros, mantendo fichário atualizado e enviando relatórios periódicos; e 5) assegurar, na medida do possível, aos brasileiros detidos ou encarcerados, acesso aos serviços consulares.” Disponível online em: <http://www.casadobrasil.info/UserFiles/File/pdfs/manconsular.pdf> (acesso em: 18/08/2009).

Diante disso, os órgãos judiciais internos do Brasil devem recepcionar essas Opiniões Consultivas de modo a evitar futura responsabilização internacional por violações da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, pela Corte Interamericana. Certamente, seria muito difícil para o Brasil justificar perante a comunidade interamericana a manutenção de uma interpretação de direito doméstico quando a Corte Interamericana houver se manifestado em contrário em sede

consultiva.293

NADIA DE ARAÚJO chama atenção para a influência que devem ter as Opiniões Consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Direito brasileiro. Ela explica que, em decorrência da vigência da Convenção Americana de Direitos Humanos, aplicada seguidamente pelos tribunais brasileiros, além da aceitação da jurisdição obrigatória da Corte, pelo Brasil (para fatos ocorridos a partir do reconhecimento), “é imperioso respeitar as Opiniões Consultivas”, na medida em que essas “esclarecem a correta interpretação da Convenção e precisam ser levadas

em conta na hora da aplicação da Convenção no ordenamento jurídico nacional”.294

293 RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo, pp. 348-9.

294 ARAÚJO, Nadia de. A influência das opiniões consultivas da Corte Interamericana de Direitos

Humanos no ordenamento jurídico brasileiro..., p. 229. Este trabalho encontra-se disponível online, mas foi publicado em junho de 2005, pela Revista da Faculdade de Direito de Campos, Ano VI, n.º 6. Mostra apenas as Opiniões n.o 5, sobre o registro da profissão de jornalistas, e na de n.o 16,

sobre assistência consular –, e suas conseqüências para o direito brasileiro. O estudo demonstra a necessidade de se fazer um trabalho prospectivo também com relação às demais opiniões consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Citamos como exemplo de menção à Convenção Interamericana de Direitos Humanos, entre os diversos, trechos de ementas do Supremo Tribunal Federal: 1) RE 349703 / RS - Rio Grande do Sul. “Prisão civil do depositário infiel em face dos tratados internacionais de direitos humanos. Interpretação da parte final do inciso LXVII do artigo 5o da constituição brasileira de 1988. Posição hierárquico-normativa dos tratados internacionais de direitos humanos no ordenamento jurídico brasileiro. Desde a adesão do Brasil, sem qualquer reserva, ao Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (artigo 11) e à Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (artigo 7º, 7), ambos no ano de 1992, não há mais base legal para prisão civil do depositário infiel, pois o caráter especial desses diplomas internacionais sobre direitos humanos lhes reserva lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de adesão.” 2) HC 88420 / PR – Paraná: “V - Ainda que não se empreste dignidade constitucional ao duplo grau de jurisdição, trata-se de garantia prevista na Convenção Interamericana de Direitos Humanos, cuja ratificação pelo Brasil deu-se em 1992, data posterior à promulgação Código de Processo Penal. VI - A incorporação posterior ao ordenamento brasileiro de regra prevista em tratado internacional tem o condão de modificar a legislação ordinária que lhe é anterior. VII - Ordem concedida.” Outro exemplo é o HC 94013 / SP - São Paulo: “3. O Pacto de San José da Costa Rica (ratificado pelo Brasil - Decreto 678 de 6 de novembro de 1992), para valer como norma jurídica interna do Brasil, há de ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da Magna Carta. A se contrapor, então, a qualquer norma ordinária originariamente brasileira que preveja a prisão civil por dívida. Noutros

Os efeitos da Opinião Consultiva n.o 16 no ordenamento jurídico

brasileiro já foram alvo de questionamento, por Professor ANDRÉ DE CARVALHO

RAMOS, sobre como seriam recepcionados pelos tribunais brasileiros, de modo a

evitar a responsabilização internacional do Brasil.295

No uso de suas atribuições de Procurador da República, ANDRÉ DE

CARVALHO RAMOS expediu Recomendação à Polícia Federal brasileira para que, nos casos de prisão de estrangeiro no Brasil, o detido fosse notificado sobre o direito de informação sobre assistência consular, com o registro já no auto de prisão em flagrante, para ciência das demais autoridades. O argumento do Ministério Público Federal foi que esta notificação decorria da obrigação assumida pelo Brasil disposta no artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963.

Outro ponto enfatizado pela Recomendação foi a interpretação da Corte Interamericana que considerou o cumprimento do artigo 36 da Convenção de Viena como sendo um corolário do princípio de respeito à dignidade da pessoa humana. O Procurador da República afirma expressamente assim sobre o parecer

consultivo da Corte Interamericana:296

“Considerando que a Corte Interamericana de Direitos Humanos emitiu o Parecer Consultivo n.o 16 em 11 de novembro de 1999, no qual determinou que o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 reconhece ao detido estrangeiro direitos individuais, entre os quais o direito subjetivo a ser informado sobre a assistência de seu Consulado (parágrafo primeiro do dispositivo do Parecer, por unanimidade); considerando que no citado Parecer Consultivo n.o 16, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que o direito à notificação da assistência consular integra o devido processo legal penal (parágrafo sétimo do dispositivo do Parecer); considerando que no citado Parecer Consultivo n.o 16, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que a expressão “sem tardar” utilizada no artigo 36.1.(b) da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963 significa que o Estado deve cumprir com seu dever de informar o detido sobre o direito à assistência consular no momento de sua privação de termos: o Pacto de San José da Costa Rica, passando a ter como fundamento de validade o § 2º do artigo 5º da CF/88, prevalece como norma supralegal em nossa ordem jurídica interna e, assim, proíbe a prisão civil por dívida. Não é norma constitucional -- à falta do rito exigido pelo § 3º do artigo 5º --, mas a sua hierarquia intermediária de norma supralegal autoriza afastar regra ordinária brasileira que possibilite a prisão civil por dívida.”

295 RAMOS, André de Carvalho. Direitos humanos em juízo..., p. 348

296 O texto da Recomendação está disponível em: ARAÚJO, Nadia de. A influência das opiniões

consultivas da Corte Interamericana de Direitos Humanos no ordenamento jurídico brasileiro... Nota de rodapé n. 28.

liberdade e em todo caso antes de todo depoimento perante autoridade pública (parágrafo terceiro do dispositivo do Parecer, unanimidade); considerando que no citado Parecer Consultivo n.o 16, a Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu que as disposições internacionais que concernem a proteção de direitos humanos, inclusive a consagrada no artigo 36.1.(b) da Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963, devem ser respeitadas pelos Estados, independentemente de sua estrutura federal ou unitária (parágrafo oitavo do Parecer).”

A Convenção Americana de Direitos Humanos está em vigor no ordenamento jurídico interno brasileiro e, conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal, com hierarquia supralegal, ou seja, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. Esse status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil torna inaplicável a legislação infraconstitucional com eles conflitantes conforme o § 2º do artigo 5º da CF/88. E tendo o Brasil reconhecido a jurisdição compulsória da Corte Interamericana de Direitos Humanos, é imperioso respeitar as interpretações dadas por meio das Opiniões Consultivas, devendo ser conhecidas e utilizadas pelos operadores jurídicos brasileiros. Atuando assim, em conformidade com a interpretação da Corte Interamericana, a qual se submete, o Brasil evita eventual futura responsabilização internacional por violação da Convenção Americana sobre

Direitos Humanos. 297

297Cita-se apenas um dos diversos exemplos de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal que trata

da hierarquia especial do Pacto de São José no Direito brasileiro. “Direito Processual. Habeas Corpus. Prisão Civil do Depositário Infiel. Pacto de São José da Costa Rica. alteração de orientação da jurisprudência do STF. concessão da ordem. 1. A matéria em julgamento neste habeas corpus envolve a temática da (in)admissibilidade da prisão civil do depositário infiel no ordenamento jurídico brasileiro no período posterior ao ingresso do Pacto de São José da Costa Rica no direito nacional. 2. Há o caráter especial do Pacto Internacional dos Direitos Civis Políticos (artigo 11) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de San José da Costa Rica (artigo 7°, 7), ratificados, sem reserva, pelo Brasil, no ano de 1992. A esses diplomas internacionais sobre direitos humanos é reservado o lugar específico no ordenamento jurídico, estando abaixo da Constituição, porém acima da legislação interna. O status normativo supralegal dos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil, torna inaplicável a legislação infraconstitucional com ele conflitante, seja ela anterior ou posterior ao ato de ratificação. 3. Na atualidade a única hipótese de prisão civil, no Direito brasileiro, é a do devedor de alimentos. O artigo 5°, §2°, da Carta Magna, expressamente estabeleceu que os direitos e garantias expressos no caput do mesmo dispositivo não excluem outros decorrentes do regime dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. O Pacto de São José da Costa Rica, entendido como um tratado internacional em matéria de direitos humanos, expressamente, só admite, no seu bojo, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos e, conseqüentemente, não admite mais a possibilidade de prisão civil do depositário infiel. 4. Habeas corpus concedido. HC 94702/GO – Goiás. Relatora: Min. Ellen Gracie. Julgamento: 07/10/2008. Órgão Julgador: Segunda Turma. Supremo Tribunal Federal.”

É nesse contexto, de estar sujeito à jurisdição compulsória da Corte Interamericana, que o Brasil poderia sofrer uma acusação de violação de um direito ou liberdade protegida nos moldes do Pacto de São José (artigos 2, 6, 14 e 50), no caso, contra o artigo 36 da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, por ser membro da Organização dos Estados Americanos, por ser Estado membro da Convenção Americana de Direitos Humanos haja vista sua relação com o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos da ONU, possuindo a Convenção de Viena disposições concernentes ã proteção dos direitos humanos nos Estados membros da OEA.

Do estudo realizado neste capítulo conclui-se que no caso de estrangeiros detidos no Brasil, sem que as autoridades competentes brasileiras tenham garantido-lhes, efetivamente e oportunamente, o direito deles de informação e acesso ao Consulado de sua nacionalidade pode ser levado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que pode acionar a Corte Interamericana. O Brasil pode vir ser responsabilizado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso de se demosntrar perante a Corte Interamericana de Direitos Humanos violações ao artigo 36 da Convenção de Viena de 1963, nos moldes da Opinião

PARTE III