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ANTECEDENTES DO ENRAIZAMENTO (EMBEDDEDNESS)

2 AGRICULTORES E O MERCADO

3.1 ANTECEDENTES DO ENRAIZAMENTO (EMBEDDEDNESS)

O progresso dos estudos sobre o funcionamento das sociedades primitivas demonstra que o homem, um ser social, possui razões para permanecer no meio organizado, e pela sua própria natureza é capaz de compreender os mecanismos de funcionamento da sociedade e assegurar sua sobrevivência. Desse modo as relações sociais aparecem como a intermediação do homem com o meio, e ao mesmo tempo em relação a outros homens. A economia se realiza em função das relações sociais, e, a partir dela, os homens se organizam em sociedade. A vida do homem, correspondente a uma situação social particular, possui importância em seu ambiente. Dessa maneira, o homem é motivado por fins específicos, correspondentes a sua vida social. Por isso, naturalmente, os bens materiais funcionam como meios para realizar estes fins (POLANYI, 2000).

Polanyi (2000) discorre sobre as sociedades primitivas para tornar possível a compreensão da organização econômica da vida em sociedade. Surpreendentemente, longe de encontrar sistemas atrasados, o que ele verifica são sociedades ordenadas

por princípios e capazes de assegurar a sobrevivência de seus membros. Os mecanismos de reconhecimento mútuo e a manutenção dos laços entre os indivíduos estão ligadas ao cumprimento das obrigações sociais, em uma base de relações recíprocas. A sobreposição da função social acima de interesses individuais é reforçada por atividades comuns a todos. “O prêmio estipulado para a generosidade é tão importante, quando medido em termos de prestígio social, que não compensa ter outro comportamento senão o de esquecimento próprio” (POLANYI, 2000, p.66).

A partir da fundação de um sistema de mercado, a organização da sociedade passa a acontecer por meio da centralidade das relações de trocas, pelo mecanismo de preços. A venda da produção, neste caso, equivale a um rendimento ou à capacidade de intercâmbio por outras mercadorias. O intercambio de mercadorias ocorre através de ações compra e venda delas. Por isso o indivíduo passa a ser condicionado a obter um determinado rendimento para realizar seus intercâmbios. Ao invés de participação na produção, a necessidade de ofertar ou vender algum tipo de mercadoria acaba por transformar a própria força de trabalho em mercadoria. Os diferentes tipos de rendimento como salário, renda e juros correspondem a distintas formas de associação ao processo produtivo, ou de emprego e remuneração dos fatores disponíveis aos indivíduos. A própria terra também se transforma em mercadoria (POLANYI, 1978). Apesar de parecerem contrárias, as evidências de Polanyi, apontam para uma nova abordagem dos mercados no interior das ciências, como indica Abramovay (2004, p. 55):

[...] nos mercados, os vínculos sociais concretos, localizados, são determinantes de suas dinâmicas e que, portanto, sua autorregulação depende da própria maneira como a interação social ocorre.

Através da concepção de Polanyi, o homem não age economicamente, senão por razões sociais. Ele busca resguardar sua posição, age em função do interesse social motivado pelo objetivo de obter status social. Por isso “os esforços produtivos são consequências meramente secundárias deste objectivo” (POLANYI, 1978, p.7). Acima da necessidade de obter bens materiais, o homem, como ser social, encontra a necessidade de permanecer e ser reconhecido, e assim busca assegurar os meios. A

vida em sociedades primitivas estipula que para pertencer ao conjunto se cumpram obrigações sociais, através de um sistema que organiza as relações através de princípios que asseguram a reciprocidade e a redistribuição entre os membros. Pela economia de mercado, um sistema pensado para governar a vida em sociedade em uma dimensão mais ampla, as relações sociais passam a ser encobertas, aparentemente, pelas relações de troca, modificando a imagem que se tem do próprio homem (POLANYI, 2000; 1978).

Onde Polanyi (2000, p. 67) identifica “a ausência do princípio de trabalhar por uma remuneração” ele coloca que os sistemas econômicos destas sociedades são coordenados pelos princípios de comportamento da reciprocidade e redistribuição. A reciprocidade estabelece um código de honra nos quais as obrigações sociais são cumpridas por um reconhecimento mútuo entre os indivíduos, que modera o esforço de cada um em função dos demais e que prestigia aquele que age além da conveniência. A redistribuição assegura a própria distribuição da produção social entre os membros da sociedade. Ambos os princípios funcionam a partir de regulações e padrões como simetria funciona como uma contrapartida nas operações, para a reciprocidade e, a centralidade que resulta em uma organização da sociedade pela separação de funções, para a redistribuição (por exemplo: coleta ou arrecadação, armazenamento e redistribuição) com direcionamento e redirecionamento do resultado do esforço coletivo, considerando a própria reciprocidade. Por sua vez, “quanto maior for o território e quanto mais variado o produto, mais a redistribuição resultará numa efetiva divisão do trabalho, uma vez que ela ajudará a unir grupos de 'produtores geograficamente diferenciados” (POLANYI, 2000, p. 69). Um terceiro princípio, a domesticidade, seria voltado a produção para uso próprio, e estaria relacionado à uma base de consumo e termos de autossuficiência (POLANYI, 2000). Em outras palavras (POLANYI, 2000, p. 75):

De forma mais ampla, essa proposição sustenta que todos os sistemas econômicos conhecidos por nós, até o fim do feudalismo na Europa Ocidental, foram organizados segundo os princípios de reciprocidade ou redistribuição, ou domesticidade, ou alguma combinação dos três. Esses princípios eram institucionalizados com a ajuda de uma organização social a qual, inter alia, fez uso dos padrões de simetria, centralidade e autarquia. Dentro dessa estrutura, a produção ordenada e a distribuição dos bens era assegurada através de uma

grande variedade de motivações individuais, disciplinadas por princípios gerais de comportamento. E entre essas motivações, o lucro não ocupava lugar proeminente. Os costumes e a lei, a magia e a religião cooperavam para induzir o indivíduo a cumprir as regras de comportamento, as quais, eventualmente, garantiam o seu funcionamento no sistema econômico.

A partir de estudos sociais que conduziram a pesquisa de Polanyi, a percepção de que lucro e remuneração não constituiam as motivações humanas reais, mas seriam secundários, apontou para a conclusão de que as motivações nãoeconômicas não seriam somente mais determinantes, como também capazes de dirigir o sistema econômico. Os princípios de integração, apontados, moviam as sociedades pré- capitalistas por interesses sociais e asseguravam a sobrevivência em conjunto. Nessa visão, o homem não agiria economicamente motivado pela posse material, mas pela permanência social, pela reivindicação social e pelos ativos sociais, portanto motivado por interesses sociais (VINHA, 2003). De acordo com Vinha (2003, p. 5-6):

“Polanyi concluiu que a economia humana está enraizada em

instituições econômicas e não econômicas e que ambas são igualmente vitais

para a sua estruturação e funcionamento. Logo, para se entender como as economias são instituídas, é necessário estudar a maneira pela qual o processo econômico é instituído em diferentes tempo e lugares, isto é, como se manifestam, empiricamente, as formas de integração, a saber: reciprocidade, redistribuição e o intercâmbio”. (grifo nosso)

Vinha (2003, p.9) faz uma leitura sobre enraizamento a partir das obras que originam está concepção, também aponta o seguinte:

Mark Granovetter e Richard Swedberg sugerem que a visão de Polanyi sobre enraizamento [embeddedness] é parcialmente limitada, válida para explicar as motivações não econômicas e a ausência de competitividade nos sistemas econômicos pré-capitalistas, incluindo o mercantilismo, mas inadequada por não reconhecer que no sistema de mercado essas características também estão presentes, embora não sejam predominantes. A despeito dessa crítica, a visão de Polanyi (2015) compreende que os princípios de integração, como a reciprocidade, a redistribuição e o intercâmbio, atuam na organização da economia a partir de estruturas institucionais distintas como “organização simétrica, pontos centrais e sistemas de mercado”. O papel central de um

desse principios na integração da economia resulta em diferentes arranjos. Assim como para haver reciprocidade, Polanyi defende que é necessária uma organização simétrica correspondente, e para haver distribuição é necessário centralidade, o mercado constitui um sistema de preços necessário para operar o princípio de integração do intercâmbio. As relações econômicas de produção e distribuição são estabilizadas a partir dos três principios, nos termos de Rendueles (2015, p. 167):

A redistribuição é um processo centrípeto que requer alguma classe de autoridade de gestão burocrática. A reciprocidade consiste em um conjunto de movimentos simétricos e só ocorre quando há relações comunitárias fortes. Por último, a permuta é um processo competitivo poliédrica que ocorre no mercado. (Tradução nossa)