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CAPÍTULO 1 PATRIMÔNIO E CONSUMO CULTURAL

1.1. Antecedentes históricos e conceituais das atuais políticas

Com o objetivo de situarmos, em termos históricos, nossas análises sobre o processo de revitalização do centro histórico da cidade de João Pessoa, desenvolvemos, neste capítulo, a passagem da idéia de nação e de monumento

histórico e artístico para a idéia de bens culturais e de gentrification do patrimônio

cultural urbano, construídas pelas políticas de preservação oficiais em termos nacionais e internacionais, identificando suas práticas no Brasil.

Se, hoje, são mais comuns enfoques globais do que sejam sítios históricos31, com a busca de reinserção dos bens culturais no cotidiano das cidades, isto só passou a acontecer após a década de 1970. Anteriormente, o enfoque sobre os sítios históricos se restringia aos critérios estilísticos de restauro dos monumentos. Utilizava-se, nas intervenções destinadas à preservação, um padrão que privilegiava o monumental, o nacional e o arquitetônico. Identifica-se nos anos de 1970 um período de ruptura com esse padrão.

Outro ponto de mudança na política do patrimônio, nesse mesmo período, refere-se ao processo de descentralização da intervenção do Estado nos sítios históricos, no sentido de que essas políticas passaram a se vincular cada vez mais, após 1970, aos poderes locais e aos programas de financiamento transnacionais ou de empresas privadas. Surgiram experiências singulares e diversas, dando uma complexidade maior à temática da preservação e da revitalização, sobretudo, a partir do momento em que passou a constar como um dos itens das estratégias de

31 Os sítios históricos podem ser urbanos ou rurais. Em nossa pesquisa nos concentramos no caráter

desenvolvimento urbano. Essa postura foi condizente com as discussões teórico- conceituais relativas à prática de salvaguarda dos bens culturais em nível internacional registrados nos documentos resultantes dos principais encontros, congressos e seminários realizados, sobretudo pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Organização dos Estados Americanos (OEA) e pelo Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS).

Assim, considera-se que houve uma ruptura no padrão de intervenção estatal nas áreas históricas32, fenômeno que se deu em nível conceitual, prático, nos instrumentos e nos níveis de intervenção. Foi a partir dessa ruptura que surgiram novas bases que possibilitaram a emergência, na década de 1980, de experiências municipais de revitalização, especialmente no Brasil. Cresceu, também, o número de cidades que passaram a buscar o reconhecimento oficial de sua importância como bens do patrimônio cultural pelas instituições nacionais e internacionais responsáveis, estabelecendo novos convênios e mantendo os já existentes com instituições governamentais e não–governamentais, com empresas públicas e privadas, além dos agentes financiadores transnacionais.

Neste sentido, começamos por definir conceitos e retomar, historicamente, o processo nacional e internacional de emergência e desenvolvimento das noções de

32 No Brasil, uma política preservacionista inserida no contexto de uma política cultural conduzida pelo

Estado ocorreu a partir da década de 1930. Naquele momento, foram definidos os princípios constitucionais que atribuíram ao Estado a tutela dos bens culturais. Foi estruturado o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) e instituída a figura jurídica do tombamento. Desde então, o órgão responsável pela delimitação do patrimônio nacional passou por diversos níveis administrativos e assumiu as seguintes denominações: entre 1937/1946, Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); entre 1946/1970, Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN); entre 1970/1979, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN); entre 1979-1981, Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); entre 1981/1985, Subsecretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); entre 1985/1990, novamente Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN); a partir de 1990 até 1992, Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural (IBPC) e após 1992, até hoje, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Utilizaremos IPHAN por ser a denominação atual e a que, com pequenas variações,

patrimônio histórico e de revitalização urbana. A maneira como estes conceitos se institucionalizaram e passaram a ser parte importante na compreensão das recentes mudanças nas políticas de preservação dos bens culturais, expressa elementos que situam historicamente a análise da incorporação do tema da preservação, da memória

e da revitalização por diferentes grupos sociais, em especial nos últimos anos do

século XX e início do século XXI. Discutiremos, assim, a partir do passado, as ambigüidades presentes no momento atual de inclusão deste tema e dos espaços históricos e culturais aos seus universos de vida e de trabalho ou às suas maneiras de reivindicar direitos e expressar-se artística e culturalmente, como é o caso do centro histórico de João Pessoa.

Os principais conceitos associados às práticas recentes da revitalização urbana se constituíram, ao longo da história, inicialmente nos países europeus, com destaque para a França. Trabalhamos com referências teóricas de autores europeus e brasileiros, com destaque para Choay (1992), Goff (1996), Argan (1992), Fonseca (1997), Millet (1986, 1988), Bosi (1987), Motta (1987, 2000), Lemos (1985), Arantes (1996, 2000), Freitas (1992), entre outros.

Estes autores enfatizam não só as condições de transformação das noções de

patrimônio e de monumentos e sítios históricos, mas também as tensões existentes no

processo de preservação e revitalização de sítios históricos urbanos. Referem-se às intervenções contextualizadas e acentuam a importância de fazê-lo, sobretudo diante da ampliação do caráter político-educativo que a atividade de preservação e de revitalização dos sítios urbanos tem nesta virada para o século XXI, mesmo vinculados ao consumo cultural e à lógica econômica de mercado.

1.2. Da preservação dos monumentos às práticas de gentrification do