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CAPITULO 2. TEORIA PÓS-POSITIVISTA E

2.1. NEOCONSTITUCIONALISMO E PÓS-POSITIVISMO

2.1.1. Algumas definições sobre o pós-positivismo e o neoconstitucionalismo

2.1.1.1. Antipositivismo

Paulo Bonavides é considerado o primeiro a utilizar o termo “pós- positivismo” no Brasil e o admite como uma terceira via que começa a ganhar contorno na segunda metade do século XX. Para ele, o pós- positivismo reage “tanto a doutrina do Direito Natural quanto a do velho positivismo ortodoxo” (BONAVIDES, 2008, p. 264), aliciando os melhores elementos das duas teorias, a fim de romper com o dualismo Direito Natural-Direito Positivo e conjugar a segurança jurídica com os valores de justiça. No mesmo sentido, Barroso afirma que a “superação histórica do jusnaturalismo e o fracasso político do positivismo” teria gerado as reflexões que atualmente dão corpo ao pós-positivismo79, o qual

compreenderia aspectos da nova hermenêutica e da teoria dos direitos fundamentais (BARROSO, 2001, p. 19).

Convém expor os critérios para se identificar o positivismo jurídico, a fim de se compreender em que medida o positivismo80 se

tornou obsoleto ou deve ser reformado, segundo o pós-positivismo e o neoconstitucionalismo. O positivismo jurídico será abordado partir de três teses, conforme as apresenta Dimitri Dimoulis e André Coelho (DIMOULIS, 2006; COELHO, 2016):

79 Em outro texto, o autor afirma que “a quadra atual é assinalada pela superação – ou, talvez, sublimação – dos modelos puros por um conjunto difuso e abrangente de ideias, agrupadas sob o rótulo genérico de pós-positivismo” (BARROSO, 2007, p. 4). O mesmo entendimento é o de: POZZOLO, 2010, FERNANDES; BICALHO, 2011, MAIA, 2012, DUARTE, 2010. MOREIRA, 2008, ALVES JUNIOR, 2002. Mas também aqui não é possível vislumbrar um consenso, pois alguns autores, geralmente os críticos, identificam o pós- positivismo com o jusnaturalismo. Como aqui será tomada a autocompreensão do pós-positivismo, este será concebido como uma teoria jusmoralista distinta tanto do positivismo quanto do jusnaturalismo.

80 O positivismo compreende várias correntes internas e admite um amplo debate. Aqui o positivismo será tomado a partir das características comuns que reúnem todas essas correntes no mesmo rótulo positivista.

a) Tese da descrição: a teoria do direito de viés positivista compreende que a sua função é descrever o direito como ele é – natureza e funcionamento – e não como ele deveria ser. Embora seja uma atividade relevante, a avaliação sobre o direito não diz respeito a teoria do direito.

b) Tese dos fatos sociais, ou das fontes sociais: essa tese serve de critério para diferenciar o positivismo jurídico do jusnaturalismo81. Nesse

sentido, ela sustenta que o direito decorre de condutas humanas e não de mandamentos divinos, provenientes da natureza, da razão humana ou presentes na natureza objetiva das coisas. Assim, direito é apenas o criado pelos homens (direito positivo) e posto pelas autoridades competentes – não necessariamente o Estado ou o legislador, cada sociedade e cada sistema jurídico possui a sua respectiva fonte social autorizada de produção jurídica –, não se reconhecendo ao direito natural qualquer participação na definição do direito.

c) Tese da não conexão necessária entre direito, moral e política: segundo o positivismo, não há uma vinculação conceitual necessária entre o direito, a moral e a política. Afirmar que há uma separação conceitual não é o mesmo que negar a influência da moral e da política para a produção de normas jurídicas ou mesmo para a aplicação do direito. Ora, a moral e a política certamente participam do processo de criação e interpretação do direito, mas em nível conceitual, não é correto que a definição do direito inclua a moral ou a política, de modo que validez jurídica não coincide com validez moral.

O pós-positivismo promove um abrandamento da diferenciação entre a descrição e a avaliação do direito, afirmando que a teoria não apenas descreve, mas forma o direito, atribuindo ao trabalho do jurista um caráter não apenas cognitivo, mas também criativo. Conforme o argumento de Susanna Pozzolo, “a doutrina neoconstitucionalista, em definitivo, é também, senão sobretudo, uma política constitucional: que, indica não como o direito é, mas, como o direito deve ser” (POZZOLO, 2010, p. 78) e, portanto, mais que descrever, ela avalia e justifica o direito.

No Curso de Filosofia do Direito de Guilherme Almeida e Eduardo Bittar é possível entender a função da tese positivista da separação conceitual entre direito, política e moral. No capítulo em que abordam a relação entre o direito e a moral, Almeida e Bittar afirmam que o direito pode caminhar ou não em consonância com os ditames morais de uma sociedade, caso em que o direito poderá ser moral ou imoral. Segundo ele,

81 A esse positivismo que faz face ao jusnaturalismo Dimoulis denomina de positivismo latu sensu.

O curioso é dizer que o direito imoral, apesar de contrariar sentidos latentes axiologicamente na sociedade, ainda assim é um Direito exigível, que obriga, que deve ser cumprido, que submete a sanções pelo não cumprimento de seus mandamentos, ou seja, que pode ser realizado. Este, no entanto, é mais desejável (ALMEIDA; BITTAR, 2005, p. 441, grifo nosso).

Para o positivismo, a constatação de que o direito é aquele posto pelas autoridades competentes, observado pelos seus destinatários e compreendido como exigível trata-se de um juízo de fato, ou seja, uma descrição do direito que é. Por outro lado, esse direito existente pode não ser, como afirmam os autores, desejável. Assim, a um juízo de fato (a identificação de um fenômeno social como direito), segue-se um juízo de valor (moral/imoral).

Antes de ser avaliado como moral ou imoral, os autores reconhecem que se trata de um direito reconhecido como tal. Almeida e Bittar, porém, mesmo após essa afirmação, acabam confundindo essas duas instâncias – o direito que é e o direito que deve ser – e afirmam em seguida que a “moral é e deve sempre ser, o fim do Direito. Com isso, pode-se chegar à conclusão de que Direito sem moral, ou direito contrário às aspirações morais de uma comunidade, é puro arbítrio, e não direito” (ALMEIDA; BITTAR, 2005, p. 444).

Nesse aspecto, torna-se possível identificar o sentido do antipositivismo invocado pelos pós-positivistas. Se mesmo o positivismo reconhece a relação contingente entre o direito, a moral e a política82, o

neoconstitucionalismo antipositivista diverge em nível conceitual com o positivismo, achatando a separação entre ser e dever ser ou entre descrição e prescrição do direito e atribuindo à validade jurídica uma dimensão moral. Nessa linha, Sarmento e Souza Neto afirmam que

Os juízos descritivo e prescritivo de alguma maneira se sobrepõem, pela influência dos princípios e valores constitucionais impregnados de forte conteúdo moral, que conferem poder ao

82 Mesmo os positivistas exclusivos só defendem a tese da absoluta diferenciação entre a validade moral e a validade jurídica no referido plano da validade, o que não compreende o conteúdo do direito, que pode eventualmente possuir conteúdos que se identificam com conteúdos morais e nem o plano da aplicação .

intérprete para buscar, em cada caso difícil, a solução mais justa, no marco da ordem jurídica vigente. Em outras palavras, as fronteiras entre Direito e Moral não são abolidas, mas elas se tornam mais tênues e porosas, na medida em que o próprio ordenamento incorpora, no seu patamar mais elevado, princípios de Justiça, e a cultura jurídica começa a “levá-los a sério” (SARMENTO, 2009, p. 5).

Numa dimensão conceitual, a redução das diferenças entre e descrição a prescrição podem se dar no campo da validade do direito, hipótese em que, como afirma Bittar, o direito injusto ou imoral não merece ser designado como direito. Mas pode também, como defendido por Sarmento e Souza Neto, atingir o plano da interpretação83, caso em

que o direito compreenderá uma pretensão de correção, exigindo do intérprete que adote a solução mais justa. A recusa da tese da separação compreende, ainda, o pragmatismo que “impulsiona o paradigma neoconstitucionalista à inclusão, também, da dimensão política do direito” (DUARTE, 2010, p. 65).

Nesse ponto, destaca-se outro aspecto relevante que separa positivistas e pós-positivistas, a teoria da decisão/interpretação. O pós- positivismo se propõe a sanar o “vácuo de justiça entre a confecção da norma e sua aplicação” (FERNANDES; BICALHO, 2011, p. 115), deixado pelo positivismo. Assim, sobreleva-se a hermenêutica e a teoria da argumentação como importantes expoentes no anseio de superação da discricionariedade decorrente do positivismo jurídico.

A relação entre o direito e a moral no pós-positivismo será desenvolvida em seguida. Neste momento, é importante destacar que o antipositivismo invocado pelo paradigma neoconstitucionalista deve pressupor a contraposição às teses que definem o positivismo jurídico. No caso em questão, as teses da descrição e da separação entre o direito e a moral.