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Regras e princípios, subsunção e ponderação, antoninomia e colisão.

CAPITULO 2. TEORIA PÓS-POSITIVISTA E

2.1. NEOCONSTITUCIONALISMO E PÓS-POSITIVISMO

2.1.2. Teoria da norma

2.1.2.1 Regras e princípios, subsunção e ponderação, antoninomia e colisão.

Não há uma concordância na definição precisa na diferenciação entre princípios e regras. Segundo Sarmento e Souza Neto, o modelo mais aceito é o de Robert Alexy (SARMENTO, SOUZA NETO, 2012), para Marcelo Neves a perspectiva dominante remonta a Ronald Dworkin, já que o Modelo de regras I do livro de Dworkin Levando os direitos a sério, também costuma ser invocado como parâmetro para a distinção entre princípios e regras. A percepção de Dworkin, porém, é distinta da de Alexy, embora ambas sejam muitas vezes tomadas em conjunto.

Vários outros autores propuseram definições e critérios para a diferenciação entre princípios e regras como Daniel Sarmento e Cláudio Souza Neto, Alfonso Garcia Figueiroa, Eros Roberto Grau, Walter Claudius Rothenburg, José Joaquim Gomes Canotilho, Jorge Miranda, Ana Paula Barcellos, Inocêncio Mártires Coelho, Humberto Ávila, Marcelo Neves, entre outros (NELVAM, 2015; ÁVILA, 2005; SILVA, 2003; NEVES, 2013).

A falta de um consenso sobre a distinção, além da tentativa de se ter uma visão mais ampla e minimamente sistemática do pós-positivismo e neoconstitucionalismo, exigem a abstenção de empreender um esforço de relatar todos os critérios, críticas e definições. Segundo Virgílio Afonso da Silva, o “sincretismo metodológico”, ou seja, a adoção de teorias incompatíveis como se fossem compatíveis, é a marca da recepção brasileira da distinção entre regras e princípios (SILVA, 2003)86.

Nesse sentido, a fim de se preservar a visão mais geral que orienta a pesquisa, apontaremos as duas distinções que decorrem da diferença

86 Sobre a incompatibilidade entre as diversas distinções entre regras e princípios, vide SILVA, V. A. da. Princípios e Regras: mitos e equívocos acerca de uma distinção. Revista Latino-Americana de Estudos Constitucionais. 2003, pp. 607-630. Também é esclarecedora a apresentação de Marcelo Neves sobre as semelhanças e diferenças entre Alexy e Dworkin: capítulo segundo de NEVES, M. Entre Hidra e Hércules: princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2013.

entre regras e princípios. A primeira, separa subsunção e ponderação87 e

a segunda antinomia e colisão. Em regra, os princípios88 devem ser objeto

de ponderação. As regras, por sua vez, se submetem ao método de aplicação subsuntivo, típico do positivismo, de modo que havendo conflito entre duas regras, deve-se recorrer aos critérios comuns de resolução de antinomias, não podendo duas regras incompatíveis entre si conviverem no mesmo ordenamento. Uma deve ceder espaço para a outra por meio da revogação. Dito de outro modo, no plano metodológico, a distinção qualitativa entre regras e princípios repercute de tal modo que diante de um caso concreto os princípios prevalecem por meio de uma máxima de sopesamento ou ponderação que se definem a partir da dimensão de peso dos princípios, ou seja, os princípios demonstram a sua relatividade (ou derrotabilidade) diante dos casos concretos (FERNANDES; BICALHO, 2011). Em contrapartida, as regras vigem a partir da regra do “tudo ou nada”, nos termos de Dworkin. Nelas sobrepõe-se o modelo da subsunção e em caso de antinomia consideram- se os critérios tradicionais hierárquico, cronológico e especialidade.

Humberto Ávila já apontava que a doutrina constitucional vive “a euforia do que se convencionou chamar Estado Principiológico” (ÁVILA, 2005, p. 15). Daniel Sarmento e Cláudio Souza Neto afirmam que a “virada principiológica” e a euforia que a acompanha iniciou-se no Brasil a partir da década de 1990. Marcelo Neves fala em “fascínio pela principiologia” que decorre do processo de democratização e constitucionalização que invadiu a América Latina em geral e o Brasil após períodos autoritários (NEVES, 2013, p. 171). Os princípios conferem estruturação a todo ordenamento, exigindo das demais normas que se adequem e harmonizem com eles.

A força e dimensão do conteúdo dos princípios são definidos no caso concreto, eles estão em constante conflito e devem ser dimensionados caso a acaso a partir de argumentos morais. Os princípios

87 Mesmo nesse ponto persiste uma diversidade de entendimentos. Moreira argumenta que a “ponderação, que é critério (para muitos, método [Canotilho]; para outros princípio [Barroso]; para outros, regra [Jane reis]) para a solução de conflito entre normas constitucionais” (MOREIRA, 2008, p. 260).

88 Importa estabelecer a diferença entre princípios hermenêuticos e princípios jurídicos. Os princípios hermenêuticos, são aqueles que exprimem uma lógica constante em leis ou jurisprudência que orientam a tomada de decisão e ajudam a fundamentá-la. Eles “desempenham função retórico-argumentativa (cânones de interpretação), utilizados no desenvolvimento, integração e complementação do direito” (NELVAM, 2015, p. 1246). Esses não constituem espécie normativa.

em colisão, isto é, cuja incidência simultânea sobre a mesma situação gera um conflito ou antagonismo, devem ser sopesados ou ponderados, sem que se retire qualquer deles do ordenamento em abstrato, mas os afaste em concreto. Isso se dá no âmbito da aplicação e não da interpretação. Pozzolo coloca que não é o conteúdo dos princípios que variam a depender do caso concreto, mas a sua incidência ou peso no confronto com outros princípios.

a teoria ética à luz da qual, segundo o neoconstitucionalismo, deveria atuar o intérprete, incide sobre a aplicação: o sentido da norma, o sentido dos princípios é invariável e constante, não muda com as circunstâncias do caso; o que muda é a relação de força ou hierarquia entre eles baseada nas propriedades que emergem do caso concreto. (POZZOLO, 2010, p. 111).

Mas isso poderia conduzir a um particularismo que individualiza o caso concreto a despeito de uma racionalidade subsuntiva, o que eleva o ônus argumentativo que deflui dessa hierarquia axiológica. No contexto ético plural, a justiça admite múltiplas concretizações. Por essa razão surge a argumentação como prática persuasiva sujeita às contingencialidades do caso. Daí a mudança no papel do juiz, já que deste é demandado um esforço maior decorrente da maior incerteza das decisões, a necessidade de argumentação se torna mais relevante nesse aspecto. Isso reformula a noção tradicional de democracia e de separação de poderes.

Os princípios permitem que a Constituição se comunique melhor com a realidade fática subjacente, uma vez que conferem mais amplitude para interpretações que levem em conta as especificidades do quadro empírico. A sua plasticidade abre um maior espaço para a penetração de considerações sobre a solução mais justa no caso concreto no âmbito da concretização constitucional (SARMENTO; SOUZA NETO, 2012, p. 291-292).

A colisão entre princípios e direitos fundamentais, os quais não necessariamente coincidem, seria um resultado natural e devem ser enfrentados por meio da ponderação por meio da qual se

(i) fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, (ii) procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade (BARROSO, 2007, p. 11).

Dworkin e Alexy são citados pelo autor em referência à técnica da ponderação89. Por fim, em função da maior atividade criativa do juiz, a

argumentação surge como instrumento de legitimação de uma atuação que excede a lógica da separação de poderes. Sua interpretação deverá a) encontrar respaldo no sistema jurídico; b) ter um fundamento jurídico generalizável; e c) considerar as consequências de sua decisão (BARROSO, 2007).

Princípios jusfundamentais que servem como pautas morais e jurídicas para a correção dos argumentos jusfundamentais. Os princípios — verdadeiras pautas axiológico jurídicas de procedimento para a resolução dos conflitos normativos em âmbito jusfundamental — exigiriam, portanto, da teoria jurídica, a judiciosa elaboração de uma teoria dos princípios – capaz de dar conta dos parâmetros de controle racional das ponderações que constantemente são realizadas (DUARTE, 2010, p. 66).

Segundo o argumento neoconstitucionalista, a norma é a interpretação decorrente do texto da norma. Daí que o intérprete constrói o significado da norma (FIGUEIRA; BICALHO, 2011), ou seja, a “interpretação é ato de decisão e não de descrição de um significado previamente dado” (FIGUEIRA; BICALHO, 2011, p. 125). Tanto maior

89 Muitas vezes os dois autores são tomados dentro de uma mesma argumentação ou contexto sem a devida consideração, sobretudo em função das descontinuidades metodológicas que advém quando se trata de países legicêntricos e de países do sistema de common law. Dworkin, por exemplo, por vezes é usado para se referir a princípios como se, com isso, ele estivesse se referindo aos direitos fundamentais. Habermas e Günter também são autores comumente citados nesse âmbito.

será a decisão quanto mais aberto for o dispositivo normativo90.

Para Susanna Pozzolo, na aplicação do direito impera o “uso de alguns princípios, como aqueles da razoabilidade e da proporcionalidade — que funcionam como ‘super princípios’ supraconstitucionais —, e no uso da técnica de balanceamento” (POZZOLO, 2010, p. 81). Assim, os valores morais, na medida em que são positivados, coloca o discurso moral como um discurso interno ao direito. Em regra, essa leitura moral aplica-se às normas-princípio e não às normas-regra, porém, em casos excepcionais é possível fazer uma leitura valorativa também das regras (SARMENTO; SOUZA NETO, 2012).

Os dogmas de coerência e completude cedem espaço para uma concepção de direito que vai além das normas e do procedimento silogístico e lógico-formal tidos como ultrapassados, para compreender formas mais abertas que possibilitem que o justo prevaleça. Mais que aplicação imediata e acrítica é de produção da norma que se trata, o juiz não só aplica, mas produz a norma.