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3. CAPÍTULO 3 – ANTONIO VIEYRA TRANSTAGANO: CONTRIBUTOS PARA

3.1 Antonio Vieira Transtagano (1712-1797)

É durante o século XVIII, período de efervescência cultural portuguesa, que se conhece o trabalho desenvolvido pelo professor português, o estrangeirado Antônio Vieira Transtagano (1712-1797), alentejano emigrante na Inglaterra, e mais conhecido por duas obras, escritas em inglês, que fizeram tradição no ensino de língua portuguesa como estrangeira: A New Portuguese Grammar in four parts (1768) e A Dictionary of

the Portuguese and English Languages, in two parts; Portuguese and English, and English and Portuguese (1773).64

Pouco se sabe sobre a vida deste autor. Obtivemos breves indícios biográficos através do Diccionario Bibliografico Portuguez (1858), tomo primeiro, de Innocencio Francisco da Silva65 (1810-1876). Nele consta que o sobrenome Transtagano deve ser um apelido66 “denotando evidentemente que fora natural da província do Alentejo” e o distingue de outro Antonio Vieira (1608-1697), mesmo que este tenha pertencido aos setecentos.

Segundo Silva (1858, p. 293), Transtagano seguira a “vida eclesiástica”, mas não tinha a certeza de que ele tenha sido um clérigo secular, ou “professo em alguma ordem monastica”. Possivelmente sofreu “alguma perseguição da Inquisição, e não falta quem diga que chegara a ser preso, e que conseguiu depois evadir-se dos carceres”. Continua Silva com a hipótese de que certamente teve de “expatriar-se, e passou a Inglaterra”. Silva registra os rumores de que Transtagano havia se convertido ao protestantismo e residiu em Dublin, onde exerceu cargo de magistério “na qualidade de Professor Regio das linguas ingleza, hespanhola, italiana, arabia e persa, no Collegio da Santissima Trindade67”, e foi Sócio da Academia Real das Ciências da Irlanda. Relata Innocencio da Silva a dificuldade que teve em obter informações mais detalhadas sobre Transtagano. Todavia, a maneira como Silva tece a breve biografia de Transtagano

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Encontramos diferentes ortografias para o nome de Transtagano: Antonio Vieyra Transtagano ou Anthony Vieyra Transtagano, como ele mesmo costumava assinar em suas obras.

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Innocencio Francisco da Silva foi um renomado bibliógrafo lusófono que reuniu um amplo registro sobre autores de língua portuguesa até meados do século XIX. Sua grande obra intitula-se Dicionário

Bibliográfico Português, publicada em vários tomos, e continuada após a sua morte por outros escritores.

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Por “apelido”, entenda-se “sobrenome” em Portugal.

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A instituição referida por Silva (1858, p. 293) é conhecida na Irlanda sob o nome de “Holy Trinity College Dublin”.

levanta a suspeita de que ele possivelmente não teve fontes seguras. É o que se pode perceber em “parece que soffrera alguma perseguição da Inquisição, e não falta quem

diga que chegara a ser preso”, ou em “Dizem que ahi [Inglaterra] abraçara o

protestantismo”. Confessa, ao menos, que ignora as datas de nascimento e óbito de Transtagano e admite terem sido improdutivas todas as tentativas de descobri-las68.

Sabemos que em 1774, John Hely-Hutchinson (1724–1794) tornou-se diretor da Trinity College e, em uma de suas primeiras reuniões com o Conselho, sugeriu que seria “de grande utilidade ter Professores de línguas modernas estabilizados na Faculdade”. Em menos de um ano, contratou-se o “Rev. Antonio Vieyra Transtagano, um imigrante português residente em Londres”, reconhecido como professor de “Latim e Línguas Românicas, juntamente com o Árabe e Persa e um „amador‟ em filologia comparada”69 (Hermathena, 1968, p. 54).

Em seguida, é confirmada a presença de Transtagano na reunião de janeiro de 1777. Era pago ao professor a quantia de £100 ao ano. Além disso, sabe-se que ele persuadiu o Conselho a investir 40 guinés para cobrir os custos da impressão dos resultados de sua pesquisa sobre as afinidades do latim, italiano, francês, espanhol, português e inglês com o árabe e o persa70.

Nos históricos oficiais da Faculdade, consta que Antonio Vieira Transtagano foi professor na Trinity College Dublin, entre 1776 e 1797 (McDOWELL & WEBB, 1982, p. 57-58) 71. As minutas de reuniões, das quais tivemos notícia, apontam Transtagano como professor pesquisador na Faculdade72. Em 15 de janeiro de 1777, Antonio Transtagano aparece como professor de espanhol e italiano73, para em 18 de julho de

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As referidas datas, utilizadas neste trabalho, são provenientes do registro sobre o autor na Biblioteca Nacional de Portugal, disponível em:

http://www.bnportugal.pt/index.php?option=com_content&view=article&id=245%3Aantoniovieira&cati d=49%3Aaquisicoes&Itemid=260. Acessado em 02/10/2009.

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Tradução nossa de: “teacher of Latin and various Romance languages together with Arabic and Persian and a dabbler in comparative philology”. As partes da Hermathena (1968), em que Transtagano foi mencionado, nos foram enviadas via e-mail pela bibliotecária assistente da Trinity College Dublin, em 27 de julho de 2010. É possível ler partes do texto em:

http://books.google.com/books?id=_HZYAAAAMAAJ&q=Anthony+vieyra+transtagano&dq=Anthony+ vieyra+transtagano&hl=pt-

BR&ei=g_NFTIaeK4Gclge_rcS1BA&sa=X&oi=book_result&ct=result&resnum=4&ved=0CDUQ6AEw Azgo

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De acordo com a equipe da Trinity College Dublin, as informações sobre os honorários, bem como a pesquisa desenvolvida por Transtagano estão registrados na Revista Hermathena (1968), edições 102-105.

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Conforme apresentamos na Introdução deste trabalho, as informações acerca da presença do português Antonio Vieira Transtagano foram obtidas com a ajuda dos funcionários dos setores: Manuscripts &

Archives Research Library e Duty Library da Trinity College Dublin.

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São elas: TCD MUN/V/5/3, março de 1740-20 de dezembro de 1783, p. 360-362, TCD/MUN/V/5/3, 4 de agosto de 1774, p. 297, TCD MUN/LIB/10/209, 18 de julho de 1796 e TCD MUN/LIB/10/214a.

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1796, constar o seu testamento, no qual é doada à Faculdade sua biblioteca particular74. Não sabemos se ele faleceu neste ano, é possível pensarmos que um ano depois ele possa ter falecido, conforme é sugerido pela Biblioteca Nacional de Portugal.

Antonio Vieira Transtagano, embora residente no estrangeiro, não esteve desligado das questões da língua e cultura portuguesas. Nas palavras de Innocencio da Silva (1858, p. 293), foi um “sábio portuguez, que ainda em paiz extranho honrou a sua pátria, e a serviu com seus escriptos”. Com suas produções ajudou a colocar o português no mesmo patamar do inglês, francês e italiano – o português deixou de ser uma língua secundária e passou a estar igualado às línguas de cultura da época.

No tocante à instrumentalização de pessoas para as diversas necessidades de intercâmbio entre portugueses e ingleses (e vice-versa), Transtagano produziu dois compêndios, que se complementam, uma gramática e um dicionário, e que adquiriram tradição, publicados e reeditados várias vezes, chegando a servirem de referência a outros escritores quando da produção de suas obras. Suas produções são de fundamental importância, pois são compêndios voltados para o ensino do Português como língua estrangeira, escritos em inglês, e serviram para estreitar as relações entre Portugal e Inglaterra, e podem ter sido usados inclusive pelos portugueses. Em seu Prefácio da

New Portuguese Grammar, afirma ser a utilidade da língua portuguesa “tão bem

conhecida por todos os mercadores ingleses que fazem negócios em geral nas diferentes partes do mundo conhecido”, e, portanto “será desnecessário utilizar-se de quaisquer argumentos aqui para prová-lo” (TRANSTAGANO, 1768, p. v) 75.

Quanto ao estudo da língua inglesa – pelos portugueses – ele o justifica pela relação econômica, bélica e mercantil que Portugal sempre teve com a Inglaterra. Nesse sentido, foi com o intuito não só de facilitar o acesso às grandes obras inglesas e portuguesas, das quais se poderia aprender em prol do progresso, mas principalmente para promover este progresso e facilitar a manutenção das relações comerciais entre os dois países, como explica em seus Prefácios de seu Dictionary of the Portuguese and

English Languages (1773), intitulado “To the Reader”, na primeira parte, destinada aos

ingleses, e “Ao Leitor”, na segunda, voltada para os portugueses.

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