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Capítulo 2 Arte contemporânea no Brasil: processos de mudança e constituição

2.1 Antropofagia: a busca de identidade nacional e a relação com o outro no

Para iniciar esse intento de descrever um panorama da formação do campo artístico brasileiro, é necessário, acreditamos, primeiramente observar o conceito de antropofagia9, um dos marcos teóricos do modernismo brasileiro e conceito fundamental para pensar o processo de formação de um campo da arte local. Infelizmente, não será possível analisar em todos os seus detalhes a criação e os efeitos dessa noção, desde o período de seu surgimento, no Manifesto Antropofágico escrito por Oswald de Andrade. Mas é importante e necessário destacar que a ideia de apropriação criativa, de imitação original, de uma absorção transformadora do outro serão um dos marcos do modernismo brasileiro que seguirá presente no processo de emergência da arte contemporânea no Brasil.

Mas antes de passar a uma análise dos efeitos dessa teoria, é interessante observar o fundamento teórico do pensamento de Oswald de Andrade em sua formulação de um conceito de antropofagia. Após uma formulação primeira no manifesto antropofágico e outros escritos, Oswald de Andrade sistematiza essa ideia no ensaio Crise da Filosofia Messiânica, de 1950, escrito com o intuito de ingressar como professor na cadeia de filosofia da Universidade de São Paulo. Segundo o sociólogo Paulo Marcondes Soares (2010),

“a tese central do ensaio é a de que, no longo processo histórico, o mundo existiu através de duas formações específicas que são o matriarcado e o patriarcado. Correspondente a essa divisão temos, respectivamente, a configuração de uma cultura antropofágica e uma cultura messiânica.” (SOARES, 2010:13)

A cultura messiânica, segundo Oswald de Andrade, é a da modernidade ocidental. E essa cultura, em crise, irá ser substituída pela cultura do matriarcado que, segundo Andrade, se relaciona a uma espécie de retorno da sociedade à sua formação inicial. Mas essa substituição ocorrerá de forma dialética, apropriando-se do desenvolvimento tecnológico da sociedade messiânica. Esse jogo antropofágico entre retorno a uma espécie de origem e apropriação do traço moderno da sociedade ocidental - fundamento do conceito de antropofagia -, será um elemento que permeará todo o pensamento modernista brasileiro.

É exatamente a ideia de jogo antropofágico que a historiadora e crítica Aracy Amaral (2011), no texto Tarsila, Volpi, Oiticica, Meireles, Benjamin, La Sabiduría del Compromiso con el Lugar destaca como sendo um traço importante dos artistas modernistas brasileiros. O foco nesse

9 A palavra antropofagia apareceu pela primeira vez no Manifesto Antropofágico escrito pelo poeta, escritor e agitador cultural paulista Oswald de Andrade, em 1928. Se tornou um dos marcos teóricos mais conhecidos do modernismo brasileiro. O movimento antropofágico brasileiro tinha por objetivo a deglutição (daí o caráter metafórico da palavra "antropofágico") da cultura do outro externo, como a europeia e estadunidense e da cultura do outro interno, a exemplo dos indígenas, dos afrodescendentes, dos descendentes de orientais. Em resumo, o conceito defende uma noção de apropriação cultural em que a miscelânea e a mestiçagem sejam o fundamental, em lugar de pura imitação. Não se pretende uma negação da cultura estrangeira, mas sua digestão e fusão.

texto é, basicamente, a ideia de permanência de uma identidade cultural, ou, pelo menos, de uma miscelânea que faz com que a arte produzida na América Latina, mesmo que a partir de modelos importados (ou impostos colonialmente), possuam um caráter próprio. Um traço distintivo e constitutivo da arte brasileira, por assim dizer. Remontando ao período colonial e as tentativas de “reprodução” de modelos impostos até, pelo menos, o século XIX (período do academicismo e neoclacissismo), Amaral destaca que mesmo a “imitação” não era desprovida de criatividade. Ou seja, a condição de desvantagem em relação à metrópole garantia o traço distintivo e a possibilidade de criação no que produzíamos desde a colônia.

Em outras palavras, para Amaral, a produção artística segue um modelo colonial importado, uma tentativa de mimetização destes que resulta original pelas condições em que se dá a imitação (mão de obra não qualificada, indisponibilidade de materiais, etc). No século XIX, período da pintura acadêmica e do ensinamento de modelos da escola neoclássica, a tentativa de copiar esses modelos ainda era forte, assim como a mestiçagem dos resultados dessas tentativas – as quais eram vistas como pintura de segunda categoria pelos europeus.

Com a ascensão do movimento modernista, esse cenário de “importação de modelos” se reconfigura. A questão deixa de se referir a uma passividade (de esperar o que chega) e passa a uma atividade dos artistas, uma busca interessada por saber o que passa nos grandes centros. Segundo Amaral,

“Uma receptividade mais aberta diante das novas tendências, um entregar-se mais rápido ao que passa em Paris, Ulm ou Nova York é o ponto mais determinante da alteração de atitude dos artistas modernos e contemporâneos brasileiros frente aos do período colonial ou do século XIX" (2011:16)

A partir da constatação dessa mudança de comportamento em relação ao modelo exterior, Amaral identifica algo que nomeia como internacionalismo brasileiro, ou seja, “a informação internacionalista transmitida a partir de um referencial local desde o ponto de vista da visualidade ou também como temática” (2011:17). Para ela, esse movimento é observável desde as obras modernistas dos anos 1920 e permanece vigente até os dias atuais. A partir desse mote se propõe a analisar as obras de alguns artistas brasileiros, entre eles Cildo Meireles, afirmando que busca observar nas obras destes um denominador comum, o qual seria “o fato de que as obras de seus períodos máximos derivaram da sensibilidade do artista ante o ambiente brasileiro” (2011:17).

Nesse sentido, é importante destacar que no movimento modernista brasileiro, relacionado que estava a um processo acelerado e intenso de industrialização e urbanização - ocorrida de maneira mais evidente em São Paulo -, trazia consigo a necessidade da criação e afirmação da identidade cultural do brasileiro. Desse modo, ao mesmo tempo em que se tomava um ideal “Europeu” como referência de um “ser” moderno – e também de uma produção pictórica moderna -, também se buscava forjar uma noção de identidade que tivesse um algo de puro e genuinamente

brasileiro. As referências às culturas e tradições populares, especialmente as indígenas – a exemplo das pesquisas realizadas por Mário de Andrade sobre as festas populares e o folclore brasileiro – eram uma maneira de forjar essa identidade brasileira na qual o indígena aparecia como origem pura, quase uma espécie de elo perdido que precisava ser retomado. E, segundo ainda Amaral, nesse momento, junto com uma intensa necessidade de busca pelo novo, havia também um desejo de encontrar a arte genuinamente brasileira.

Em outras palavras, o modernismo brasileiro, segundo o historiador Marcelo Ridenti (2003), “pode ser contraditoriamente classificado como romântico e moderno, passadista e futurista”. Isso porque a emergência desse modernismo acompanhou o processo de instauração do que Ridenti chama de racionalidade capitalista moderna, estabelecendo com esta racionalidade um movimento de adesão e contradição. Essa relação entre racionalidade capitalista moderna e a afirmação romântica das tradições da nação e do povo brasileiro foi a base de sustentação da modernidade brasileira e fez-se presente nos mais diferentes movimentos estéticos a partir da Semana de Arte Moderna de 1922.

Por outro lado, é preciso considerar que essa busca por uma originalidade brasileira através da apropriação do indígena e das tradições populares tampouco era tão genuinamente original do Brasil. Apesar do termo antropofagia ter aparecido primeiro no Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, a ideia de apropriação canibalista do outro, em que este é geralmente idealizado desde uma perspectiva de pureza e primitividade, não foi apenas uma invenção do modernismo brasileiro. Sendo assim, é preciso considerar na composição deste termo, o seu caráter romântico e vanguardista, relacionado a um pensamento filosófico (e também artístico) em circulação desde pelo menos meados do século XIX.

Segundo o pesquisador Victor Adler Pereira (2014), a noção de canibalismo se relacionava também com um desejo vanguardista em voga no início do século XX (cubista, surrealista e dadaísta10, principalmente), de evocar a imagem do outro ocidental, o primitivo não civilizado, distanciado da modernização, como um ideal, uma origem pura a qual se sonha voltar para escapar do automatismo e normativismo da vida moderna. E era também uma das maneiras com as quais as vanguardas modernistas realizavam o ataque à mentalidade burguesa e seus convencionalismos, retomando o pensamento romântico em seu ataque (de cunho mais conservador) à estrutura social entre final do século XVII e início do XIX. Desse modo, diz Pereira, “a tematização da antropofagia no Manifesto de Oswald remitirá, de imediato, à mitificação do primitivismo e à busca de uma autenticidade perdida que vinha revelando-se no pensamento europeu desde fins do século XIX”

10 O qual, por sua vez, remete ao ideal romântico presente na filosofia ocidental desde pelo menos o século XIX. O autor cita uma passagem de Walter Benjamin em que este fala que: "Desde o final do século passado (XIX), a filosofia vinha realizando uma série de tentativas para aproximar-se à verdadeira experiência, em oposição àquela que se manifesta na vida normativizada, desnaturalizada das massas civilizadas." (2014:134)

(2014:136).

E essa idealidade romântica de uma pureza primitiva, no contexto latino-americano, é analisada por Aracy Amaral (2013) do ponto de vista de uma consciência política do “ser” latino- americano e da busca pela construção de uma identidade original (que rejeitava a influência europeia em sua constituição, assim como também a africana). A inspiração de Oswald de Andrade no Manifesto Antropofágico, segundo a autora, não era, então, apenas o autóctone, mas a situação do indígena como centro de uma rejeição à cultura europeia. Para a autora, estava implícito nos escritos do poeta, não apenas o interesse pela cultura primitiva (indígena), mas uma consciência de uma situação geográfica, do “nosso caráter equatorialista”, que devia fidelidade à cultura do selvagem não “contaminado” tanto pelo branco como pelo negro.

Mas, por outro lado, o que a noção de antropofagia colocava em jogo era exatamente essa relação entre centro-periferia em que tanto a atitude de negação da influência do modelo hegemônico, quanto a de submissão a ele, passavam a ser criticadas. A proposta era conquistar uma mistura original, assumidamente miscigenada, a partir do contato com a cultura hegemônica e o reconhecimento da cultura “original”. Além do que, é preciso considerar que no Manifesto Antropofágico, o caráter irônico é também um elemento bastante evidente.

Nas palavras da historiadora Ana Maria Belluzo (1990), a antropofagia circula entre o ideal da pureza original de Rousseau e a ironia. Através desse procedimento antropofágico “ritualiza-se a superação da contradição dos países dependentes: a deglutição selvagem e a incorporação das civilizações colonizadas. A posse do tabu que se transforma em totem” (1990:24). Desse modo, o artista se move no domínio do envolvimento e do distanciamento, da adesão e da negação crítica, da crença na inocência original rousseauniana e a ironia. Desse modo, segundo novamente o sociólogo Paulo Marcondes Soares (2010:14), a antropofagia artística configura-se, então, como a expressão poética da superação da contradição dos países dependentes.

E esse discurso antropofágico, após emergir no campo da arte, será reatualizado de distintas maneiras, através das distintas influências e objetivos dos artistas. O historiador Marcelo Ridenti classifica os movimentos surgidos após a semana de 22 em:

“Verde-amarelismo e Escola da Anta (1926 e 1929 que se aproximaram politicamente do integralismo de Plínio Salgado), seus adversários Pau-Brasil e Antropofagia (1926 e 1928, liderados por Oswald de Andrade), passando pela incorporação do folclore proposta por Mário de Andrade e Villa-Lobos; nos anos 1930 e 1940, viria a crítica da realidade brasileira, associada à celebração do caráter nacional do homem simples do povo, por exemplo, na pintura de Portinari e nos romances regionalistas, até desaguar nas manifestações dos anos 1960.” (RIDENTI, 2003:137)

Essa classificação indica distintas tendências assumidas pela relação entre a reivindicação do ideal de origem identitária brasileira nas respostas artístico-culturais. Desde tendências ultra-nacionalistas (como as do integralismo), passando pela manutenção de uma elaboração da identidade brasileira

no seio de uma relação com o outro europeu (antropofagia), até a busca de uma criação artística, musical ou literária, de fato nacional (a incorporação do folclore por Mário de Andrade e Villa- Lobos). Esta última tendência é radicalizada nos anos 1930 e 1940, relacionando-se ao ideal nacionalista de esquerda (o nacional-popular) e à crítica da realidade brasileira nos romances regionalistas e nas pinturas murais (de inspiração mexicana), quando o tipo ideal do brasileiro passa a ser o homem do povo, o trabalhador rural, no lugar do indígena. A arte engajada, derivada dessa tendência, passa a ser hegemônica na produção artística até 1950, mas a tendência andradiana antropofágica, que passou a ser minimizada no campo, coexistiu (mesmo que marginalizada).

Desse modo, no campo da arte brasileira, a produção de uma arte de inspiração marxista e muralista, em que as figuras dos indígenas, dos caipiras, dos trabalhadores rurais como motivo e o uso da gravura como meio privilegiado ou da pintura monumentalista como ação política e populista foi fortemente enfatizada. Mas, por outro lado, há uma permanência de uma pesquisa vanguardista subjetivista (ou melhor, abstracionista), porém sempre vinculada à dimensão contextual e social brasileira e latino-americana. E essas duas vertentes as vezes aparecem na obra de um mesmo artista, em distintos momentos de sua produção.

Esclarecendo nos termos de Peter Bürger, o campo da arte brasileiro se verá dividido entre, de um lado, permanecer produzindo a arte orgânica, inserindo a crítica social dentro de uma composição artística em que o objeto é considerado um todo completo e fechado (plenos de sentidos em si), tendo, por tanto, seu sentido inteiramente dado e completamente transmissível ao espectador - replicando a leitura luckacsiana da obra de arte revolucionária (a obra de arte revolucionária romântica, ainda considerada pelo tema e não pela forma). E o outro lado, continuar uma pesquisa estética da forma que levará, no processo de constituição do campo da arte brasileiro, a uma crítica da instituição-arte e à desconstrução do objeto artístico, resultando em trabalhos artísticos que se enquadram no conceito de obra inorgânica de Bürger. Estes são, por sua vez, fragmentários, incompletos e abertos, escapando ao sentido fechado e não sendo transmissível a um espectador de uma única vez.

A radicalização entre essas duas tendências surge de maneira mais clara no cenário artístico brasileiro, como dissemos, em meados da década de 1930, quando se passou a criticar mais veementemente o que se considerava como distanciamento social da vanguarda formalista moderna (abstracionismo e/ou a pesquisa sobre a forma). Nesse momento o chamado “elitismo” dos participantes da Semana de 1922 passa a ser cada vez mais contestado, por um lado e, por outro, amplia-se a presença da teoria marxista na análise e produção estética. O contexto político mais amplo, marcado pela Revolução de 1930, promove uma onda de engajamento nos intelectuais. Críticos com Mário Pedrosa passam a participar ativamente na divulgação da arte de cunho social (e também de partidos políticos de esquerda, a exemplo do Partido Comunista Brasileiro). Há uma

forte aproximação do cenário artístico brasileiro com movimentos como o expressionismo alemão11 e o muralismo mexicano.

O período da Revolução de 1930 marca o fim da chamada República Velha, a ruptura da aliança São Paulo-Minas Gerais e a emergência da Ditadura do Estado Novo, comandada por Getúlio Vargas. Esse período provoca, ambiguamente, a emergência de um impulso revolucionário de esquerda no cenário nacional, provocado por uma retórica de revolução usada pelos agentes da ruptura com o poder paulista dominante na época. Essa retórica revolucionária conservadora e nacionalista foi utilizada, nesse momento, por uma elite que gozava de menor prestígio no poder. Porém, a ruptura provocada no stablishment por esses agentes impulsionará, por outro lado, movimentos de libertação nacional de cunho comunista e socialista. Estas distintas noções de revolução social, resultaram em distintas respostas, sendo a varguista de cunho ditatorial, conservadora e simpática ao movimento fascista.

E o período da ditadura Vargas será de repressão violenta e de perseguição aos partidos comunistas, por um lado, e, paradoxalmente, de implantação de políticas de Estado para a área da cultura, criando alguns dos órgãos estatais até hoje importantes (por exemplo, Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico foi criado nesse período). Intelectuais são trazidos para o interior do governo Vargas, convidados a pensar políticas nacionais de cultura e educação. A questão da formação de uma identidade cultural do brasileiro foi assumida como política de Estado nesse período, com a intenção de promover a unificação nacional.

Nesse contexto, a intenção de reaproximação da arte com o social encontrou momentos de maior expressão, diz Belluzzo, com o muralismo mexicano. Esse movimento, surgido após a Revolução Mexicana, propunha a valorização da figura do indígena ou do mestiço na constituição social mexicana, e além disso fixava o artista como agente ativo no processo político-social do seu entorno. Esse mito da origem e do indígena como o marco fundacional da sociedade ecoava no Brasil também, sendo uma parte importante das pesquisas modernistas brasileiras.

E por essas congruências, a influência desse movimento será grande no cenário artístico brasileiro, especialmente através de artistas como Candido Portinari e Di Cavalcanti. Este primeiro, será reconhecido como um marco da pintura mural brasileira, tendo realizado obras grandiosas, como a série de afrescos que fizeram parte do novo edifício do Ministério da Educação e Cultura, considerado marco da arquitetura moderna. Portinari também realizou, em 1942, os afrescos da Hispanic Foudantion, da Biblioteca do Congresso em Washington. Sendo assim, Portinari se tornou um nome referência, sendo bastante requisitado, especialmente para obras governamentais. A 11 O expressionismo alemão, no início do século XX, baseava-se fortemente na gravura e na apresentação de temas

sociais através de figuras contundentes, traços marcantes e o predomínio do negro e do azul. Foi apresentado ao campo artístico brasileiro em uma mostra na galeria Heuberger em 1933, no Rio de Janeiro e, em seguida, na sede do Clube dos Artistas Modernos (CAM), dirigido por Flávio de Carvalho, em São Paulo. Na ocasião, Pedrosa apresenta a conferência As tendências sociais da Arte, que se tornou um marco da crítica de arte nacional.

intenção unificadora do governo Vargas era visualmente representada pelas grandes obras murais de Portinari, que exaltavam o homem comum brasileiro e serviam ao discurso populista da integração.

E voltando ao muralismo, chama a atenção o destaque que Aracy Amaral faz sobre esse movimento tratar-se de uma primeira articulação continental dos artistas contemporâneos da América. Foi um momento em que, pela primeira vez, uma tendência artística originada no próprio continente, partindo de sua própria realidade, seria ampliada e influenciaria toda uma geração de artistas por quase toda a América Latina. Além disso, diz ainda a autora, este movimento foi a primeira manifestação socio-política do artista latino-americano. Essa preocupação constituirá uma característica tipicamente terceiro-mundista, diz ela.

A conclusão a que Amaral chega nessa análise será a de que os artistas latino-americanos são mais sensíveis às questões sociais e políticas que os europeus e estadunidenses. Apesar de ser contestável (considere-se o expressionismo e a pop art alemã e inglesa, a arte povera e neo realismo francês, o próprio grupo fluxus, entre outros), essa sua tese traz um dado importante a ser considerado: o de que o artista latino-americano está constantemente dividido pelo conflito permanente entre o individual-erudito e o coletivo-popular, entre uma formação artística elitista e o convívio com um meio social precário, pleno de tradições populares artesanais que não se vinculam à linguagem artística internacionalista de sua formação.

Desse modo, o artista latino-americano parece estar sempre pendendo entre a “arte pela arte” e a “arte de compromisso”, entre o esteticismo e o modernitarismo, nos termos de Rancière. Essa contradição é reflexo do reconhecimento de uma condição colonial e a busca pela superação da mesma em contraste com uma necessidade de absorver formas de conhecimentos geradas na colônia que se distanciam da realidade social popular que vivenciam. A antropofagia, enquanto proposta de superação dessa contradição colonial, é ao mesmo tempo a representação síntese dessa contradição inerente à condição colonizada do artista brasileiro, que hora reforça o lado da valorização do genuinamente popular, como forma de contestar o poder dominador colonial, hora admira a produção intelectual e artística hegemônica, trazendo-a para o interior da produção local.

Sendo assim, é preciso destacar que vários artistas seguiram a pesquisa abstrata e formal,