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Capítulo 2 Arte contemporânea no Brasil: processos de mudança e constituição

2.3 Neoconcretismo: da neovanguarda à arte contemporânea brasileira

Voltando o olhar mais especificamente para o movimento neoconcreto, poderíamos iniciar a discussão observando que este apresentava um parentesco comum com o concretismo, ou seja, um fundo comum de oposição ao quadro cultural do momento: uma necessidade de afirmação da autonomia da arte e uma certa relação com o idealismo19 em oposição ao realismo da época. Porém,

espectador (teoria da Gestalt), para uma noção de engajamento do espectador de maneira ampla, sensorial, incidindo em sua experiência espacio-temporal (filosofia fenomonológica).

18 Essa condição contraditória tem sido destacada desde o início do processo modernista brasileiro, representada pelo manifesto antropofágico, e persiste aqui no interior do concretismo brasileiro.

19 No caso do neoconcretismo, um idealismo relacionado à filosofia existencialista e no caso concretista, com o racionalismo levado a um extremo quase metafísico.

o neoconcretismo se diferencia politicamente do concretismo. Essa distinção aparece na forma de uma consciência da impossibilidade de implantação de um projeto concreto na realidade brasileira. A negação do que Brito chama de positividade concreta é o ponto alto da política neoconcreta. A retirada consciente do projeto de inserção social (e industrial) positiva que propunha o concretismo; a afirmação da autonomia da arte (e a negação de sua instrumentalização) e a marginalização tanto no interior do sistema artístico (os artistas não participavam do mercado efetivamente) como do social (no sentido diretista20), marcam o neoconcretismo. Segundo Brito, o surgimento do neoconcretismo é sintoma de uma condição paradoxal brasileira, que seria própria de uma posição de subdesenvolvimento. Trata-se, então, para este autor, de “uma vanguarda construtiva que não se guiava diretamente por nenhum plano de transformação social e que operava de um modo quase marginal” (1999:61).

A afirmação da expressividade, da sensibilidade contra o mecanicismo e o objetivismo concretistas apareceram em duas vertentes dentro do movimento neoconcreto. A primeira, diz Brito, é um humanismo que toma a forma de sensibilização da forma, esforçando-se por afirmar a especificidade da obra de arte, criando uma espécie de geometria sensível. Já a segunda, fazia um esforço mais amplo por romper os postulados construtivistas, resultando em uma dramatização da obra artística em que esta era convocada a atuar na transformação de suas funções, de sua razão de ser, chegando ao ponto de pôr em xeque o próprio estatuto da arte vigente.

Será a partir da dramatização que o neoconcretismo abrirá os caminhos para uma prática artística que será chamada pelo crítico Mário Pedrosa de arte pós-moderna. A emergência da arte contemporânea brasileira se dá, fundamentalmente, a partir dos espaços abertos pela pesquisa neoconcreta com o ambiente, o tempo, a forma, a cor e o outro participante, levando à produção de trabalhos artísticos ambientais, à criação de instalações e de objetos manipuláveis. Influenciados por escritos da época como os de Umberto Eco, também aderiram à ideia de obra aberta, realizando uma prática neovanguardista brasileira ao passar à contestação da obra orgânica e à defendesa da obra inorgânica, como processo aberto e fragmentário.

A primeira ação neoconcreta fundamental para o início de uma prática contemporânea na arte brasileira é sua afirmação da autonomia da arte em face aos modelos culturais dominantes. Apesar de Brito ver nisso um certo apolitismo do movimento, também reconhece que essa ação foi fundamental para significar o processo artístico no Brasil, informando várias operações críticas da instituição arte. Essa reivindicação de autonomia era necessária, por um lado, para afirmar o poder criativo diante do mercado e sistema de arte e, por outro, para independentizá-lo de uma instrumentalização político-partidária levada a cabo pela esquerda nacional-popular.

Outro ponto importante do neoconcretismo é a sua negatividade (como diz Brito) em 20 Diretista aqui tem o sentido de informar uma ação direta no espaço social e político através da obra de arte, como

oposição à positividade concretista. A afirmação da expressão faz com que se retirem do eixo funcional concretista e passem a explorar as potencialidades subjetivas, imaginativas e vivenciais das obras. Dentro dessas pesquisas, deslocam a noção de tempo como movimento mecânico para uma noção de tempo vivencial, tempo da experiência do sujeito com o trabalho. Ou sejam, uma noção de tempo que permite aos espectadores possibilidades múltiplas de leitura da obra que seriam abertas.

Havia a intenção, diz Brito, de mobilizar um processo descontínuo de leitura que desse margem a uma atitude essencialmente envolvida por parte do observador. E esse envolvimento relacionava o tempo com o espaço, noção também alterada na relação neoconcretista com o mesmo. Para eles, o espaço se tratava de um campo vivencial, em que a distância, a mediaticidade e a metaforização espacial são negados em prol da afirmação de uma exploração fenomenológica do mesmo. Nas palavras de Brito:

“O artista neoconcreto não abordava propriamente o espaço, ele o experimentava. Dispunha- se a vivenciá-lo, atuar contra o relacionamento tradicional entre o sujeito observador e o trabalho. Tinha uma concepção não-instrumental do espaço, desejava imantá-lo, torná-lo campo de projeções e envolvimento num registro quase erótico.” (1999:81)

Um exemplo importante dessa questão temporal e espacial do neoconcretismo - que levada ao seus extremos, irá resultar na pesquisa dos limites artísticos do objeto, da forma e da linguagem - são os Parangolés (1964) de Hélio Oiticica. Esta obra é considerada um marco da passagem do neoconcretismo para a vanguarda brasileira tropicalista e dadaísta ao mesmo tempo, que terá em Oiticica uma figura referencial. Resultado da expansão da experimentação deste artista com a cor e o espaço, Parangolés radicalizam a inserção da cor no ambiente, na medida em que se tratam de capas de vestir. Mas além disso, essa nova obra de Oiticica também radicaliza um outro aspecto buscado pelo artista, desde a saída do quadro para o espaço: a participação. Parangolés é uma obra que só acontece a partir do outro. Do corpo do outro. A alteridade é essencial para a existência mesma desta obra. Nas palavras de Oiticica:

O Parangolé revela então o seu caráter fundamental de estrutura ambiental, possuindo um núcleo principal: o participador-obra, que se desmembra em “participador”, quando assiste e “obra’ quando assistida de fora nesse espaço-tempo ambiental. Esses núcleos participador-obra ao se relacionarem num ambiente determinado (numa exposição por ex.) criam um sistema ambiental Parangolé que por sua vez poderia ser assistido por outros participadores de fora. (OITICICA, in ALVES, 2007:34)

O jogo que Oiticica revela entre participador e obra é resultado direto dessa alteração neoconcretista do espaço e tempo, em que estes passam a ser vivenciais, experimentais, modificando as estruturas mesmas da fruição artística. O espectador não é mais aquele que tem uma relação ótica com a obra, mas aquele que assiste a uma experiência da qual também pode fazer parte. É uma operação de desconstrução tanto dos regimes da arte - segundo definição de Rancière

(2005) - na medida que altera os lugares de criador e fruidor (permitindo ao participante ser criador também e vice-versa), como dos limites das linguagens artísticas.

O aspecto dadaísta deste trabalho aparece quando Hélio Oiticica define Parangolés como a tentativa de uma anti-arte. Estes, por sua vez, são uma tentativa de ressignificação da arte moderna brasileira. É a reivindicação de uma arte que aconteça no ambiente, de uma repartilha do sensível21, no sentido de que Oiticica abraça o espectador como participante, abre-se para essa alteridade e modifica os lugares antes determinados de quem é obra e de quem assiste a quê. A obra pode assistir o espectador e ser vista por ele. Essa ação realizou no interior da instituição arte uma quebra, deslocou os seus sentidos comuns e significados, operação similar à realizada pelos ready made duchampianos na década de 1910. Além disso, Parangolés trazem a ideia de uma arte que se quer agora total: cor, estrutura, movimento, dança, poesia, tudo passa a existir em uma mesma obra. Ou seja, Oiticica rompe com as distribuições dadas das expressões artísticas, refundindo-as e ressignificando-as ao reinseri-las no que ele denomina como anti-arte.

A poética de Oiticica, elaborada posteriormente em outros trabalhos, como as instalações ambientais chamadas Penetráveis ou os seus não-objetos, os Bólides, sistematizam o que o sociólogo Paulo Marcondes Soares (2003) chama de tensões entre memória e esquecimento, entre experimental e diluição. E a elaboração dessas tensões por Oiticica resulta nos procedimentos ético- políticos de seus trabalhos, os quais Soares assim resume:

“1) no estado de um jogo dionisíaco (da dança, do corpo), no traço mnêmico da experiência como estado da memória individual e coletiva (subterrânea é a glorificação do sub, o tropicália como tentativa de pensar a miscigenação); 2) no ideário construtivista que pensa a estrutura segundo princípios racionais vs indeterminação movida pela abertura à participação do espectador no sentido de uma manifestação coletiva da arte e da cultura e da cultura na arte (antiarte), no fundamento in progress do esquema geral de seu programa de intervenção; 3) na autonomia radical do tempo-espaço estéticos e desestetização arte-cotidiano, na relativização total dos critérios definidores das instâncias “arte” vs “não arte”, na arte como dimensão coerente do estético-ético-político.” (SOARES, 2003:236)

A partir da observação desses mecanismos artístico-políticos (e também poéticos e éticos) ativados por Oiticica e outros artistas dessa geração (Lígia Clark, Lygia Pape, entre outros) tem-se que a passagem da afirmação de uma autonomia da arte para um processo de negação da arte, foi vivido no campo da arte brasileiro em cerca de uma década (questão que durou mais ou menos um século no cenário artístico europeu). Mas essa passagem de uma atitude de afirmação da forma pura para a de uma ação de inserção imediata da obra no espaço vital não é tão brusca se pensarmos que o projeto construtivista já vinha impregnado desta intenção (como Brito afirma, o dadaísmo é o outro do construtivismo, visto que ambos carregam uma intenção de ressignificação da relação arte 21 Sobre o conceito de Partilha do Sensível: segundo a pesquisadora Angélica Vásquez (2009), esse conceito é definido

por Rancière como um espaço dado ou sobre o qual se organiza a percepção de um mundo ou a relação de uma experiência sensível com os modos de interpretação inteligíveis. A política opera como ação ruptora que produz a repartilha do sensível, modificando esse espaço dado e, por consequência, toda a organização perceptiva e experiencial que se dá sobre ele.

e vida).

E o neoconcretismo, ao negar primeiro a funcionalidade dessa intenção intervencionista da arte concretista, passa a afirmar depois uma abertura da arte para o ambiente, a inserção do outro como parte da obra, a quebra de fronteiras entre a forma, a estrutura, a obra, o outro e o espaço (agora visto como campo de experiência). Nesse processo de abertura, a afirmação de um campo exclusivo denominado arte parece perder o sentido. É preciso pensar a anti-arte, o momento em que a obra passa a atuar no sentido da fundação de um novo espaço e um novo tempo (a relação arte e vida vanguardista é evidentemente retomada aqui). E ao propor a noção de anti-arte, a negação se volta à instituição-arte.

Sobre este ponto, retomando o argumento de Otília Arantes (1983), para esta autora a anti- arte era, ao mesmo tempo que a negação de uma instituição arte, a afirmação de uma descentralização. Significava esse processo, iniciado desde o neoconcretismo, de deslocamento da arte de um campo racional (limitado por conceitos e noções do que deve ser arte) para um ambiente vivencial, onde os indivíduos pudessem ampliar o campo imaginativo e ser convidado a criar. Possibilitar a experiência criativa do outro significa também uma ação política, que ocorria menos pela mensagem explícita do que pela possibilidade de uma vivência que modifica a partilha do sensível, segundo conceituado por Rancière. Esse desejo de conectar-se ao outro, de invadir o ambiente e ressignificá-lo existencialmente, se relaciona às atitudes vanguardistas dadaístas e surrealistas que são constantemente evocadas em manifestos escritos na época, mas também se referem à herança antropofágica do modernismo brasileiro.

Resumidamente, pode-se dizer que o processo neovanguardista dos anos 1960 no Brasil começa da ampliação das investidas neoconcretistas à instituição arte; passa pela persistência de um projeto de crítica política; se reúne ao ressurgimento da questão antropofágica, ampliada pela ideia de tropicalismo inserida pelas obras vivenciais de Oiticica; e chega a uma relação com a Arte Conceitual e a crítica política em ações que o crítico Frederico Morais irá nomear como arte de guerrilha. E o marcante, nesse momento, é uma necessidade de reflexão do contexto, um retorno à realidade, que fará com que esse período de produção artística seja conhecido como Nova Figuração, por um lado, e Nova Objetividade, conforme nomeação de Hélio Oiticica, por outro.

A Nova Figuração e a Nova Objetividade, emergem no bojo de um desejo por realidade que já se notava anteriormente na Europa e Estados Unidos (com a emergência da Pop Art, minimalismo e até a Arte Conceitual). Não apenas a volta à figuração na pintura, mas também o recurso aos ready made são marcas de uma tendência artística em que o real é reivindicado novamente em sua tentativa de articulação arte e vida. Essas tendências, especialmente a arte povera, Pop Art e Op Art, além do concretismo, foram apresentadas ao público brasileiro pelas Bienais, especialmente as ocorridas durante a década de 1960 e foram fundamentais para o

surgimento da Nova Figuração brasileira

E o que estamos estabelecendo como uma diferença entre a Nova Figuração e a Nova Objetividade talvez possa ser lida como a reprodução de uma distinção entre, por um lado, os neoconcretos e concretos, defensores da autonomia da arte e, por outro, os modernistas realistas. Esta última tendência, cuja força nos anos 1960 se tornou visível a partir da criação dos Centros Populares de Cultura (muitos deles ligados aos partidos e movimento de esquerda da época), do Teatro Oficina, entre outros; e, na artes visuais, aparece rearticulada nas distintas apropriações da Pop Art e do Nouveau Realisme francês. Desse modo, as tendências neo-realistas repercurtidas no cenário brasileiro conviveram com a presença de uma “vontade construtiva” remanescente do período neoconcretista, ampliada por artistas como Hélio Oiticica, Lygia Clarck e Lígia Pape, no movimento chamado de Nova Objetividade.

Ainda herdeira das tendências concretistas, a Nova Objetividade é o resultado da radicalização da ruptura neoconcretista, a tomada de consciência da impossibilidade concretista no seio do contexto brasileiro e o recurso às vanguardas dadaístas, surrealistas e ao modernismo brasileiro (especialmente a ideia de antropofagia) para pensar a arte contemporânea brasileira. É a tentativa de pensar uma vanguarda brasileira, operar a deglutição antropofágica do outro cosmopolita para criar uma síntese original que pretendia diferenciar-se das tendências da época, como a Pop e a Op Art. A tendência ao objeto (ao negar o quadro de cavalete), a participação do espectador, a tentativa de tomada de posição frente a questões políticas e sociais, a tendência para uma arte coletiva, o ressurgimento do conceito de anti-arte são as características da Nova Objetividade, definidas pelo próprio Hélio Oiticica.

O início do movimento da Nova Objetividade se deu a partir da reunião de alguns artistas em torno do incômodo provocado pela realização do Salão das Caixas, na Petit Galerie. A reação ao evento reuniu artistas cariocas e críticos como Frederico Morais que, após encontros no MAM do Rio, seguidos da participação no seminário Propostas 66 (realizado em São Paulo), gerou reflexões acerca do momento vanguardista brasileiro e seus protagonistas. No ano seguinte, a mostra Nova Objetividade Brasileira, foi organizada pelos próprios artistas, baseada no conceito de Nova Objetividade que Oiticica começou a desenvolver no Propostas.

Esta mostra marcou o início da definição deste momento vanguardista brasileiro. Nela estavam presentes artistas representantes das tendências concretas, neoconcretas e Nova Figuração. Inicialmente, todas essas ações serão consideradas como a vanguarda brasileira e classificadas sob o termo Nova Objetividade. Porém, como destacamos anteriormente, percebe-se que estas tendências se diferenciam entre si. E a Nova Objetividade foi a que influenciou mais fortemente a geração de artistas que se aproximou das práticas conceituais22, criando ações que se diferenciavam em sua 22 Essa geração inclui os artistas Antonio Manuel, Cildo Meireles e Artur Barrio que serão analisados analisados nesta

forma, em sua ação política e no uso da linguagem da arte, apesar do fundo comum de reivindicação do posicionamento crítico do artista e de sua intervenção no ambiente social e político.

Segundo Daisy Peccini (2007), a repercussão da Pop Art no Brasil pode ser relacionada ao fortalecimento do movimento cultural relacionado ao Cinema Novo e aos Centros Populares de Cultura (CPC). O fator comunicacional de massa da linguagem Pop será explorado no trabalho de comunicar transformações sociais (especialmente as de caráter urbano) e criticar o contexto sócio- político. Especialmente esta última tarefa, que se traduzia em uma crítica ao sistema político ditatorial da época, marcará as produções da Nova Figuração de tendência pictórica e Pop, a exemplo das obras de Antonio Dias. Por outro lado, Oiticica cria Parangolés (1964), Penetráveis (1960-1970), e Bólides, levando ao extremo a sua pesquisa com a cor e o espaço, precarizando e desmaterializando o objeto artístico (sem intencionar negá-lo ou destruí-lo).

A apropriação do código Pop, trazido para a realidade urbana e social brasileira, assumia um tom mais político e se conectava ao pensamento de esquerda, mas ainda assim representava uma quebra no padrão representativo anterior. Eram muitas vezes grotescos comparados a outras obras até da Pop Art americana. Por outro lado, a arte conceitual tornada conhecida nesse período, estimulará a produção de obras de intervenção urbana e de crítica institucional (além da ampliação da pesquisa estética para incluir o vídeo, a fotografia e inúmeros outros meios), aprofundando as questões neoconcretistas e rearticulando-as, ou propondo novas relações artísticas no interior do campo constituinte brasileiro da arte.

Em resumo, entre apropriações e modificações, rejeições e aceitações, a vanguarda brasileira se constitui mergulhada na contradição, como parece ser desde o início a condição da relação entre a arte brasileira e a internacional (especialmente, europeia). Mais ainda, a contradição parece ser uma condição dos processos de modernização latino-americanos. Se a própria modernidade, segundo Marshall Berman (1982) é ambígua, a sua incorporação pelos países periféricos (do ponto de vista ocidental) tampouco se deu de forma não contraditória. Desse modo, os modelos hegemônicos que definem a condição moderna de uma sociedade, a saber: urbanização crescente, industrialização, avanço científico e tecnológico, ruptura com o passado foram processos que, aqui no Brasil, não ocorreram de maneira uniforme, tampouco sequencial no tempo.

Nas duas primeiras décadas do século XX, ocorreu o início de um processo de industrialização e urbanização no Brasil, especialmente em São Paulo, financiado basicamente por produtores de café enriquecidos. As oligarquias rurais, estrato bastante forte no Brasil, só tiveram alguma concorrência no controle do país (e seu processo de modernização) durante o período de finais da década de 1930 e década de 1940, quando outros extratos da classe média emergente, classe operária, elites emergentes e imigrantes assumiram parte desse processo, a exemplo dos

industriais italianos. Segundo a socióloga Maria Arminda Arruda (1997), nessa época ocorre o surgimento de um grupo de burgueses que passam a concorrer com as antigas elites da terra e a elite mais recente de origem italiana e que incorpora à velha intelectualidade oficial burguesa uma nova intelectualidade surgida quer do seu seio, quer das classes médias.

Esse processo levou o modernismo brasileiro de uma tentativa de pesquisa formal - ainda bastante ligado a uma busca por identidade cultural que o aproximava da busca romântica do elo perdido com o primitivo indígena -, à assunção de um discurso revolucionário e de esquerda, capitaneado pela classe operária emergente no período da década de 1930 (muitos deles imigrantes). A partir da criação e expansão das universidades nacionais, a exemplo da Universidade de São Paulo, emerge, junto a essa classe operária imigrante, também uma nova classe média intelectualizada. Esses elementos, junto ao processo acelerado de industrialização levado a cabo na década de 1950, promovem um campo plural, industrializado e urbano onde o desejo de ruptura com a tradição (ainda não existente na Semana de 1922 e no modernismo político da década de 1930) aparece com mais força. Segundo ainda Arruda

Nesse andamento, a palavra moderno passa a absorver conotações diversas daquelas construídas no passado e que, em si mesmas, rejeitam os antigos significados de origem, pois o sentido introduzido não apenas afasta-se do movimento fundador, como também se projeta no futuro, entendido na acepção de originalidade, de imagens renovadas que virão. (ARRUDA, 1997:42)

A partir desse contexto é possível compreender a afirmação de Brito, citada anteriormente, de